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ÁLBUM DE FILMES VISTOS EM 2023 - 340 filmes

DESTAQUES FILMES INTERNACIONAIS 2023











ESPECIAL FIM DE ANO: 14 VÍDEOS DO BATE-PAPO CINEFIALHO DE 2023:

O REINO DE DEUS (2023) Dir. Claudia Sainte-Luce
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GUAPO'Y (2023) Dir. Sofía Paoli Thorne
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AS GRÁVIDAS (2023) Dir. Pedro Wallace
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À SOMBRA DA LUZ (2023) Dir. Isabel Reyes Bustos e Ignacia Merino Bustos
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PONTES NO MAR (2023) Dir. Patricia Ayala Ruiz
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TODA NOITE ESTAREI LÁ (2023) Dir. Tati Franklin e Suellen Vasconcelos
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INSHALLAH, UM MENINO (2022) Dir. Amjad Rasheed
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NAS ONDAS DE DORIVAL CAYMMI (2023) Dir. Locca Faria
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BIZARROS PEIXES DAS FOSSAS ABISSAIS (2023) Dir. Marcelo Marão
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TROVÃO (2023) Dir. Carmen Jaquier
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A FRAGILIDADE DO GELO (2023) Dir. Anthony Chen
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ASSASSINOS DA LUA DAS FLORES (2023) Dir. Martin Scorsese
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NOSSO SONHO (2023) Dir. Eduardo Albergaria
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MUSSUM, O FILMIS (2023) Dir. Silvio Guindane

FIM DO ESPECIAL BATE-PAPO CINEFIALHO 2023
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HOW TO HAVE SEX 
Dir. Molly M. Walker
COTAÇÃO: 7
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MAESTRO 
Dir. Bradley Cooper
COTAÇÃO: 3
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A MENINA SILENCIOSA
Dir. Colm Bairéad
Plataforma: Cinema
COTAÇÃO: 10 
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PEARL 
Dir. Ti West
COTAÇÃO: 8
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EMILY
Dir. Frances O'Connor
COTAÇÃO: 9
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GODZILA - MINUS ONE 
Dir. Takashi Yamazaki
COTAÇÃO: 6
Impressão: O maior mérito de "Godzila - Minus One" está na maneira como o diretor Takeshi Yamazaki conjuga a história narrada com o contexto histórico do Japão pós segunda guerra. O monstro Godzila é fruto direto do efeito nuclear provocado pela bomba atômica lançada pelos Estados Unidos. O filme funciona como uma resposta à vergonha japonesa perante o fracasso no processo de reconstrução, como algo ainda a ser superado internamente pela população. A partir desse fato, há um hábil manejo no roteiro para que a história funcione a contento, com uma boa fluência narrativa. Aqui o monstro é revelado desde o início, não havendo uma valorização sobre a sua aparição. Se repararmos com atenção, o filme de monstro se sustenta tendo na base uma melodrama a dar inveja até aos mais radicais da safra mexicana dos anos 1950. A história parte de Koichi, um piloto kamikaze que se recusa em executar uma ordem de jogar o seu avião em cima de um alvo. O drama de consciência dele é que guiará toda a história de Godzila, que será decisivo para o salvamento de uma mulher desamparada com um bebê e da decisão de salvar o país da invasão do monstro. Há cenas em que o melodrama atinge o ápice, como o desespero ao perder a mulher que sequer era uma namorada. A música do filme também alimenta o melodrama, sendo na maioria das vezes exagerada ao salientar as emoções existentes na trama. Como thriller e como filme de ação, "Godzila - Minus One" possui belas cenas como as da destruição de Tóquio pelo monstro, além a de vários navios de guerra. Mas no todo, não dá para disfarçar que o filme não passa de uma aventura bem filmada, pronta para ser esquecida assim que viramos o primeiro quarteirão, após a nossa saída do cinema.
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WONKA
Dir. Paul King
COTAÇÃO: 4
Impressão: "Wonka" é um filme musical bem realizado, mas que não chega a empolgar em momento algum. Falta personalidade à direção de Paul King, mesmo que o esforçado ator Timothy Chalamet não consiga realmente convencer como Wonka. O filme possui uma aura fantasiosa, com pessoas que levitam, cabelos crescem e ficam coloridos após ingestão de uma substância. Falta a "Wonka" uma maior clareza em sua proposta, pois temos apenas o sonho do protagonista de ter uma loja de chocolate como uma meta a ser alcançada. Mesmo que outros personagens tenham objetivos próprios na trama, caso de Noodle que possui um mistério a ser esclarecido durante a história, a narrativa se desenvolve a partir de Wonka. Há no enredo uma diferença de classe, a dos proprietários do Galeria Gourmet e o mundo de Wonka que luta por uma ascensão social, mas o filme não consegue trabalhar muito bem com essas diferenças. A corrupção é explicitada na relação de Wonka com os donos da hospedagem, mas não nas outras relações entre os personagens. "Wonka" é um filme raso, com bons números musicais, mas com uma história mal alinhavada por um roteiro que não alavanca as questões sociais presentes no filme.        
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A LINHA 
Dir. Ursula Meier
COTAÇÃO: 2
Impressão: O patético pode até ser utilizado como uma forma de abordagem para uma determinada narrativa, mas quando uma obra se torna patética menos pela intenção e mais pelo resultado em si pode-se dizer que estamos diante de um estrago. É o caso do drama belga "A linha". Nota-se que a mão da diretora Ursula Meier pesou bastante, em especial na construção das personagens, mas também nas atuações em si. O filme parte de uma trama dramaturgicamente já bem manjada, a de uma briga de família, mais precisamente de um conflito violento (que chega as vias de fato) entre mãe (Valeria Bruni Tedeschi) e a filha Margaret (Stéfhanie Blanchoud). É dito que Margaret teria um problema, embora esse problema psicológico nunca seja descrito ou nomeado de fato e muito menos minimamente discutido. A inconsistência de "A Linha" nasce nesse ponto, porém esse não é o único problema, visto que a narrativa descamba de tal maneira que a própria briga entre mãe e filha torna-se algo em segundo plano, ainda mais depois que o juiz resolve manter por três meses Margaret afastada da mãe. A irmã caçula de Margaret pinta uma linha (a que dá nome ao filme) próxima à casa da mãe, demarcando a distância que não pode ser ultrapassada pela irmã agressora. O filme até teria vários temas a serem discutidos, como o da falta de diálogo entre pais e filhos, o da relação entre filhos e o segundo marido, já que a mãe está em um segundo casamento. Mas tudo isso fica em segundo plano, já que a diretora acaba centrando mais a história na filha caçula que serve como um elemento a dialogar com toda a família, em especial com a irmã agressora. "A Linha" assim vai acumulando equívocos, banalidades e interpretações fora do tom que pouco acrescentam algo a história, apenas serve para afastar mais ainda o público do filme. A família não querer discutir os seus problemas está até tudo bem, mas a opção da diretora Ursula Meier de também fugir das discussões, isso é o mais preocupante para "A Linha" como obra. Mas vale registrar que desde a primeira sequência operística, da briga em câmera lenta, já dava para perceber que as escolhas dramatúrgicas de "A Linha" não levariam a trama para caminhos interessantes, e sim, patéticos.  
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NUCLEAR NOW
Dir. Oliver Stone
COTAÇÃO: 1
Impressão: "Nuclear Now" trai o princípio mais importante do documentário: a independência de seu realizador frente ao seu tema. Oliver Stone é conhecido por suas abordagens políticas dos Estados Unidos tanto na ficção quanto no documentário, mas nesse "Nuclear Now", o seu maior equívoco foi aceitar participar do lobby pela energia nuclear contra a energia vinda dos fósseis (petróleo, carvão mineral e gás natural) e até as eólicas e a solar, por serem mais difíceis de serem implementadas em larga escala. Tudo aqui cheira realmente a charlatanismo intelectual. Como documentário, o que assistimos é uma sucessão de informações se repetindo, algo que torna o filme maçante e longo. Com certeza uma montagem mais rigorosa faria o documentário fluir melhor, mas creio que a necessidade de fazer lobby tenha ensejado uma obrigatoriedade de redundância das informações. Stone visita países e experiências de usinas bem sucedidas de energia nuclear, mas não esquece de retirar do caminho fatos que tornaram a energia nuclear problemática e com uma imagem arranhada frente a população em geral, caso da bomba de Hiroshima e Nagazaki, e também da tragédia de Chernobyl na antiga União Soviética. Stone quer defender que quando tratado com segurança e responsabilidade, a energia nuclear não apresenta riscos. Mas sabemos o quanto um governo inconsequente ou belicista pode por tudo a perder ao manipular um elemento químico tão sensível quanto o urânio. Porém, o que mais incomoda em "Nuclear Now" é a defesa incondicional de uma fonte de energia questionável, que nada muda a maneira de se encarar a visão desenvolvimentista inerente ao capitalismo. Ao invés de se buscar novos paradigmas de vida, como uma maior aproximação do homem com a natureza, quer se encontrar outra forma de continuar o processo de desenvolvimento econômico e de consumo. Uma pena que Oliver Stone, no auge da maturidade caia nessa esparrela e ainda tente nos levar com ele por meio de argumentos vindos de cientistas ligados a interesses de corporações industriais.                                                     
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AMAZONAS, O MAIOR RIO DO MUNDO
Dir. Silvino Santos
COTAÇÃO: 7
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CLIMAS 
Dir. Enrica Pérez
COTAÇÃO: 6 
Impressão: "Climas" narra 3 histórias, de 3 mulheres bem diferentes, vindas de 3 lugares completamente incongruentes. O mais interessante desta história é o quanto ela mostra a realidade de um país diverso. Na primeira história temos uma adolescente que vive numa região fluvial e do interior, que se atrai pelo seu jovem tio que retorna à cidade natal. Essa relação é dúbia, pois enquanto a menina imagina uma história de amor, o tio quer apenas saciar sua sede por sexo e o resultado é uma violenta relação sexual, em mais um episódio de agressão contra uma mulher. Na segunda história, passada em uma Lima urbana, vemos uma mulher de classe média alta, por volta dos 30 anos, que tenta recomeçar a vida após uma perda traumática. Na última história, somos levados para um Peru das Cordilheiras dos Andes, onde uma mãe já idosa se esforça por ajudar o filho recém saído da prisão a recomeçar a vida, porém ele está dependente do álcool e não sabe como sair do seu problema. É encantador a sensibilidade na qual a diretora Enrica Pérez conduz essas 3 histórias, por mais que os laços entre elas sejam meramente espirituais. O roteiro do filme sugere um painel amplo sobre a diversidade histórica e geográfica desse Peru contemporâneo. E como é bom poder conhecer um pouco mais  do cinema peruano, um vizinho que nos parece longe, apesar de estar tão perto.    
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DE VOLTA À CORSEGA
Dir, Catherine Corsini
COTAÇÃO: 6 
Impressão: A maior impressão que fiquei de "De volta à Corsega", filme dirigido por Carherine Corsini, é que algo lhe falta. Tem cenas bonitas, certamente sim. Tem boas atuações, sim várias são ótimas. E a história, é boa? Com certeza é mais que oportuna, deve e merece muito ser contada. Mas talvez falte um respiro tanto nas cenas quanto entre elas, o que sinto é que uma cena após a outra, uma história após a outra, há uma certa overdose de temáticas e fatos que se sucedem sem que a diretora consiga imprimir um potencial em cada uma delas. Tudo é bom, bem feito, os personagens são ótimos, cativantes, mas o filme é tão verticalizado, tão encavalado de sequências que fica enfraquecido ao final. O filme traz a história da mãe, das filhas, da filha do patrão da mãe, dos patrões, do traficante, do amigo do pai das meninas, enfim, tantas que vão se cruzando, até que a história de amor entre Jessica (Suzy Bemba) e Gaia (Lomane De Dietrich) se torna a mais central, mesmo que a irmã Farah (uma excepcional Esther Gohourou) esteja sempre presente como uma adolescente revoltada e destemida. Romance LGBT, racismo, romance interracial, relação entre classes sociais diferentes, relação entre mãe e filhas, entre amigo da mãe e filhas. Corsini expande tanto a sua história, que mesmo que tudo soe como uma boa trama de verão, as coisas sempre se perdem no meio do caminho. É uma pena, pois as duas irmãs são realmente personagens riquíssimos, carismáticos, cada uma a sua maneira. Mas a profusão de histórias paralelas e o excesso de acontecimentos enfraquecem o resultado final do filme, mesmo que o espectador siga em embalado até o final da experiência do filme. Destaque para uma Corsega paradisíaca em vários momentos.
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MEU NOME É GAL
Dir. Dandara Ferreira e Lô Politi
COTAÇÃO: 4
Impressão: Uma das maiores expectativas do ano era o lançamento de "Meu Nome é Gal". Depois da estreia podemos dizer que o filme entrou para o rol das maiores decepções do ano. É estranho como quase nada funciona nessa obra. Das interpretações, passando pelo roteiro até chegar ao final, tudo soa muito artificial, falta um quê de espontaneidade nas cenas, quase todos os diálogos são forçados, a encenação também, a direção de arte mais ainda. Sophie Charlotte é ótima atriz, não há dúvida, tem até algumas cenas em que ela está muito bem, porém a opção dela cantar pode ter comprometido a atuação, pois se tem algo que diferenciava Gal como cantora era a potência e personalidade da voz, algo que a atriz não podia realmente alcançar. O filme privilegia o início da carreira de Gal, mas mesmo assim, tudo parece um pouco corrido, talvez os 90 minutos fossem insuficientes para narrar uma história com tantas nuances. Como esperado, o filme tem muitos personagens famosos, e isso acaba sendo outro complicador, a maioria são circunstanciais e raramente são convincentes, como Gil, Macalé, Maria Bethânia, Wally Salomão, Dedé (a maravilhosa Camila Márdila não encaixou, talvez pelo tipo físico mesmo, acontece) e a mãe (que protagoniza os piores momentos do filme). O Caetano de Rodrigo Lélis, inicialmente até parecia que engataria, mas vai perdendo força durante a narrativa. A exceção foi Luís Lobianco como Guilherme Araújo, realmente muito bem e garantindo alguns bons poucos momentos para um filme que no todo se demonstra bem irregular. As cenas filmadas para dar um efeito de película desgastada pelo tempo, na teoria poderiam reverberar como criativas, embora na prática apenas aumentaram a artificialidade que o "Meu Nome é Gal" carrega do início ao fim. O excesso de personagens (a maioria famosos) que mencionei acima prejudicou bastante, em especial a direção de atores, que junto com um roteiro frágil fazem o filme ratear na maioria das cenas. Quando ao final, vemos imagens da própria Gal Costa cantando suas próprias músicas é como se o filme abrisse um buraco para si mesmo, pois "Meu Nome é Gal" não resiste a esse confronto final e se derrete inteiro a nossa frente.           
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PAJEÚ
Dir. Pedro Diógenes
COTAÇÃO: 8
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O MUNDO DEPOIS DE NÓS
Dir. Sam Esmail
COTAÇÃO: 7 
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O ASSASSINO
Dir. David Fincher
COTAÇÃO: 8
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PUAN
Dir. Maria Alché e Benjamin Naishtat
COTAÇÃO: 8
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O SEQUESTRO DO VOO 375
Dir. Marcus Baldini
COTAÇÃO: 4
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PEDÁGIO
Dir. Carolina Markowicz
COTAÇÃO: 9
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FOLHAS DE OUTONO
Dir. Aki Kaurismäki
COTAÇÃO: 9
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MONSTER
Dir. Hirokazu Kore-eda
COTAÇÃO: 10
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ROBERTO FARIAS, MEMÓRIAS DE UM CINEASTA
Dir. Marise Farias
COTAÇÃO: 7
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SAMSARA, A JORNADA DA ALMA
Dir. Lois Patiño
COTAÇÃO: 5
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NAPOLEÃO
Dir. Ridley Scott
COTAÇÃO: 4
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EU SOU MARIA
Dir. Clara Linhart
COTAÇÃO: 3
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NELSON PEREIRA DOS SANTOS - VIDA DE CINEMA
Dir. Aída Marques e Ivelise Ferreira
COTAÇÃO: 8
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A SOMBRA DE CARAVAGGIO
Dir. Michele Placido
COTAÇÃO: 6
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UM LUGAR
Dir. Robin Wright
COTAÇÃO: 6
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O MELHOR ESTÁ POR VIR
Dir. Nanni Moretti
COTAÇÃO: 4
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TIA VIRGÍNIA
Dir. Fabio Meira
COTAÇÃO: 8
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TERRA DE DEUS
Dir. Hlynor Pálmason
COTAÇÃO: 8
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SOFTIE 
Dir. Samuel Theis
COTAÇÃO: 8
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MARINHEIRO DAS MONTANHAS
Dir. Karim Aïnouz
COTAÇÃO: 8
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NARDJES A. 
Dir. Karim Aïnouz
COTAÇÃO: 6
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RAPTO
Dir. Marco Bellocchio
COTAÇÃO: 7
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FREMONT
Dir. Babak Jalali
COTAÇÃO: 10
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HOTEL ROYAL
Dir. Kitty Green
COTAÇÃO: 7
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OS DELIQUENTES
Dir. Rodrigo Moreno 
COTAÇÃO: 9
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NO ADAMANT
Dir. Nicolas Philibert
COTAÇÃO: 6
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LIMBO
Dir. Ivan Sen
COTAÇÃO: 8
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O TÚNEL DE POMBOS
Dir. Errol Morris
COTAÇÃO: 8
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NA ÁGUA
Dir. Hong Sang-Soo
COTAÇÃO: 6
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ANATOMIA DE UMA QUEDA
Dir. Justine Triet
COTAÇÃO: 7
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20.000 ESPÉCIES DE ABELHAS
Dir. Estibaliz Urresola Solaguren
COTAÇÃO: 7
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MAL VIVER / VIVER MAL
Dir. João Canijo
COTAÇÃO: Mal Viver 8
Viver Mal 6 
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MENU PRAZER: LES TROISGOIS
Dir. Frederick Wiseman
COTAÇÃO: 8
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VILAREJO EL ECO
Dir. Tatiana Huezo
COTAÇÃO: 10
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O PEQUENO CORPO
Dir. Laura Samani
COTAÇÃO: 8
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DOENTE DE MIM MESMA
Dir. Kristoffer Borgli
COTAÇÃO: 6
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CONTO DE FADAS
Dir. Aleksandr Sokurov
COTAÇÃO: 5
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CASSANDRO
Dir. Roger Ross Williams
COTAÇÃO: 6
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UM FARDO 
Dir. Amr Gamal
COTAÇÃO: 6
Crítica:
 UM FARDO (2023) Dir. Amr Gamal (cinefialho.blogspot.com)
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TOTEM
Dir. Lila Avilés
COTAÇÃO: 9
Crítica:
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INCOMPATÍVEL COM A VIDA
Dir. Eliza Capai
COTAÇÃO: 7
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QUARTO 999
Dir. Lubna Playoust
COTAÇÃO: 6

AS VERDADES ESSENCIAIS DO LAGO
Dir. Lav Diaz
COTAÇÃO: 7
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VIDAS PASSADAS
Dir. Celine Song
COTAÇÃO: 5
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O VENTO QUE ARRASA
Dir. Paula Hennández
COTAÇÃO: 7
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DARIO ARGENTO PÂNICO
Dir. Simone Scafidi
COTAÇÃO: 6
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A CÉU ABERTO
Dir. Mariana Arriaga e Santiago Arriaga
COTAÇÃO: 3
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HERE
Dir. Bas Devos
COTAÇÃO: 10
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CÃES DE CAÇA
Dir. Kamal Lazraq
COTAÇÃO: 6
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ANA
Dir. Marcus Faustini
COTAÇÃO: 6
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LEME DO DESTINO
Dir. Julio Bressane
COTAÇÃO: 9
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PRISCILLA
Dir. Sofia Coppola
COTAÇÃO: 7
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AFIRE
Dir. Christian Petzold
COTAÇÃO: 8
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PÉROLA
Dir. Murilo Benício
COTAÇÃO: 8
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ESTRANHA FORMA DE VIDA
Dir. Pedro Almodóvar
COTAÇÃO: 6 
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Dir. Rafael Conde
COTAÇÃO: 6
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MOTO
Dir. Gastón Sahajdacny
COTAÇÃO: 7
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O ESTRANHO
Dir. Flora Dias e Juruna Mallon
COTAÇÃO: 8
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LLAMADAS DESDE MUSCÚ
Dir. Luis Alejandro Yero
COTAÇÃO: 1
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COBERTURA FESTIVAL VARILUX DE CINEMA 2023 (início)

O DESAFIO DE MARGUERITE
Dir. Anna Novion
COTAÇÃO: 5
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MEMÓRIAS DE PARIS
Dir. Alice Winocour
COTAÇÃO: 8
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DESEJO E CIÚME
Dir. Catherine Breillat
COTAÇÃO: 7 
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CRÔNICA DE UMA RELAÇÃO PASSAGEIRA
Dir. Emmanuel Mouret
COTAÇÃO: 8 
Link da Crítica: CRÔNICA DE UMA RELAÇÃO PASSAGEIRA (2022) Dir. Emmanuel Mouret (cinefialho.blogspot.com)
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O LIVRO DA DISCÓRDIA
Dir. Baya Kasmi
COTAÇÃO: 7
Link da Crítica: O LIVRO DA DISCÓRDIA (2023) Dir. Baya Kasmi (cinefialho.blogspot.com)
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A MUSA DE BONNARD
Dir. Martin Provost
COTAÇÃO: 9
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ALMAS GÊMEAS
Dir. André Téchiné
COTAÇÃO: 5
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DISFARCE DIVINO
Dir. Virginie Sauveur
COTAÇÃO: 7 
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CONDUZINDO MADELEINE
Dir. Christian Carion
COTAÇÃO: 9
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ORLANDO, MINHA BIOGRAFIA POLÍTICA
Dir. Paul B. Preciado
COTAÇÃO: 8
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O ASTRONAUTA
Dir. Nicolas Giraud
COTAÇÃO: 5
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MAESTRO(S)
Dir. Bruno Chiche
COTAÇÃO: 6
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ANATOMIA DE UMA QUEDA
Dir. Justine Triet
COTAÇÃO: 7

FIM DA COBERTURA DO FESTIVAL VARILUX DE CINEMA 2023
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ORLANDO
Dir. Daniele Vicari
COTAÇÃO: 6
Impressão: "Orlando" é um tipo de fábula contemporânea sobre o exercício da paternidade, embora há um esforço de ampliar a questão por uma análise do desamparo na vida urbana à margem do capitalismo. A história pessoal de Orlando é a de amparar a neta depois da morte prematura de seu pai. O avô quer levar a jovem para uma cidade do interior da Itália, onde vive, mas ela resiste a ideia por uma vida mais pacata, por ser patinadora no gelo em Bruxelas e querer continuar a tocar a sua vida nessa cidade grande e com mais oportunidades. O filme foca integralmente nesse conflito de interesses entre avô e neta, sendo que ambos terão que mergulhar em suas feridas para poder chegarem a um consenso em meio às profundas divergências. "Orlando" é um bom roteiro, que vagarosamente vai desenvolvendo as nuances de cada personagem, com sobriedade e planos sem grandes pretensões de inovação. Por ser um filme de personagem, a câmera se coloca à disposição de Orlando e sua neta, deixando-os livres para mergulharem dramaturgicamente em ambas personalidades. O filme tem uns momentos apelativos, em que o roteiro cria situações-limites que forçam os personagens a reverem suas posições, em especial Orlando, que precisa decidir se volta sozinho para a Itália, deixando a guarda da neta para outras pessoas, ou se muda de plano e resolve pela permanência em Bruxelas. A entrega Michele Placido como o avô Orlando é um dos melhores trunfos do que vemos, mesmo que a obra não chegue a empolgar durante as mais de duas longas horas que o filme entrega.                               
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EU SOU ALFRED HITCHCOCK 
Dir. Joel Ashton McCarthy
COTAÇÃO: 7
Impressão: "Eu sou Alfred Hitchcock" é um documentário que segue o estilo clássico, realizado visivelmente para ser exibido em TVs pagas ou públicas. Segue uma ordem cronológica eficaz para a filmografia de Hitchcock, que filmou 83 filmes na carreira. Evidente que por um lado essa cronologia torna o conteúdo severamente didático, embora, por outro lado, essa rigidez seja compensada por uma pesquisa atenta aos detalhes de sua carreira, focando sempre no desenvolvimento profissional do diretor. A narração em off vai alternando depoimentos de atores, críticos, diretores e outros profissionais que dividem suas visões acerca do mestre inglês, que teve uma das carreiras mais bem-sucedidas na história do cinema inglês e hollywoodiano. Apesar do formato excessivamente convencional, nota-se uma nítida paixão do realizador por Hitchcock, o que faz com que esse documentário mereça ser apreciado por todos que já assistiram algum filme desse diretor genial. Outro mérito do filme é por em seu devido lugar o papel de Alma Reville na carreira de Hitchcock, inclusive como profissional do cinema que sempre foi desde a Inglaterra. O documentário consegue ainda destacar os principais trabalhos e a relação de amor e conflito com as atrizes. 
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BEAU TEM MEDO
Dir. Ari Aster
COTAÇÃO: 3
Impressão: Assisti com bastante atraso o último filme de Ari Aster, "Beau tem medo", que dividiu bastante as opiniões. Mas devemos ser sinceros e sucintos: são três horas de tortura, pretensão e desperdício do talento de Joachim Phoenix. Essa saga psicológica, da relação entre um filho e uma mãe soa despropositada, cheios de exageros, com uma narrativa repetitiva e enfadonha. O filme aborda o tema com cenas que transitam entre a realidade e o sonho, embora essa camada onírica (ou seria psicológica?) pareça prevalecer no todo. Os cenários oscilam entre o apartamento de Beau e seu entorno, uma possível clínica psiquiatra, uma floresta fictícia (muitas vezes representada por uma animação) e a casa milionária da mãe. Em "Beau  tem medo", o tempo surge embaralhado e vemos o personagem em diversas idades diferentes, mas sem jamais seguir uma ordem cronológica. O maior problema está na solução da história, que acaba dentro de uma perspectiva banal e pouco imaginativa. Depois de tantos devaneios fazer um julgamento moral do personagem torna o resultado insosso e sem maiores desafios para se pensar o tema familiar abordado na trama. Se por um lado, Ari Aster continua sua saga profissional com ousadia, por outro, não consegue dar conta de desenvolver um roteiro mais enxuto e que provocasse a contundência pretendida desde as cenas iniciais.
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ELIS & TOM, SÓ TINHA QUE SER COM VOCÊ
Dir. Roberto de Oliveira e Jom Tob Azulay
COTAÇÃO: 9
Impressão: O disco "Elis & Tom" bem que poderia estar na minha página de crônicas chamada "Músicas que habitam em mim" (que por enquanto está adormecida), porque este foi um álbum que encheu de vida minha existência, lá numa época quando eu vivia arte imaginando que todos também estavam na mesma vibração, pensamento típico de quem está em um espaço de privilégio e acha que o mundo é uma extensão de si mesmo. Mas que baque foi assistir ao documentário sobre os 50 anos desse trabalho que marcou a nossa vida musical. "Elis & Tom, só tinha que ser com você", dirigido por Roberto de Oliveira (em parceria com Jom Tob Azulay), justamente o idealizador do encontro do nosso maior compositor com a nossa maior intérprete. Leia a crítica completa no link: ELIS & TOM, SÓ TINHA QUE SER COM VOCÊ (2022) Dir. Roberto de Oliveira e Jom Tob Azulay (cinefialho.blogspot.com)
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A CASA DOS PRAZERES
Dir. Anissa Bonnefont
COTAÇÃO: 5
Impressão: A sinopse de "A Casa dos prazeres" lembra muito aqueles suspenses eróticos muito comuns lá pelos anos 1990, daqueles em que uma mulher partia para uma aventura sexual arriscada e sempre se dava mal, como se tivesse que pagar pelo "pecado" de se mostrar sexualmente livre. O tom moralista era o que predominava. Mas esse filme tem até uns ecos apelativos sobre o tema, embora passe longe do moralismo. A história de uma escritora jovem e de sucesso que se torna prostituta para poder escrever sobre a profissão, certamente tem um quê de apelativo, mesmo que a diretora Anissa Bonnefont até consiga conduzir a história com a devida competência, sem deixar o filme cair no banal. Entretanto, o contrário também não acontece, isto é, a diretora não chega a surpreender dentro dessa narrativa, que soa convencional para falar de um tema que passa ao longe do convencionalismo. Um dos pontos interessantes do filme está na história ser contada por uma diretora e a protagonista ser realmente a mulher (o que não é comum nesses dramas eróticos). Vale ressaltar a parte em que a protagonista Emma (Ana Girardot) propõe ao público da história ser contada por um homem de uma experiência naquele bordel, em que ela aproveita para definir as suas colegas de trabalho. Durante uma boa parte do filme, temos a impressão de que os clientes de Emma são sempre dóceis com ela, somente lá pelo final é que vemos um revés de Emma quando atendia um psicopata e pedófilo. O filme demora a narrar fatos assim, o que leva a crer que a prostituição é uma profissão light e tranquila. Esse aspecto faz a trama soar um tanto forçada. O livro em si, objeto final pretendido por Emma, vai ficando para escanteio e o filme assim perde sua força em seu desenrolar, como se a diretora perdesse onde realmente queria chegar com o filme.    
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A IMENSIDÃO
Dir. Emanuele Crialese
COTAÇÃO: 5
Impressão: Quem já assistiu a outros filmes de Emanuele Crialese ("Terraferma" e "Respiro") sabe do seu potencial como diretor. Em seu mais novo trabalho, "A imensidão", ele conta com a presença da estrela espanhola Penélope Cruz como Clara, uma mãe de três filhos que vive um casamento infeliz. Mas a protagonista desse drama, não é a mãe e sim a filha, Adriana (Luana Giuliani), que tem a certeza que nasceu no corpo errado e por isso se autodenomina como André. A direção é muito atenta aos detalhes, em especial aos gestuais e olhares muito dizem sobre as angústias da personagem Adriana. Há uma relação de grande intensidade entre mãe e filha, uma cumplicidade latente e muito bem desenhada por Crialese. "A imensidão" também aborda a descoberta do amor da jovem Adriana por Sarah, uma menina pertencente a uma comunidade cigana pobre que mora perto da residência de Adriana. Talvez essa contradição social pudesse ser melhor explorada por Crialese, que prefere enfocar mais a relação de Adriana com os irmãos, primos e tios. O filme poderia também dissecar mais a relação abusiva praticada pelo marido de Clara. Crialese cria alguns momentos interessantes a partir da imaginação juvenil de Adriana/André, apesar que fica a impressão que este aspecto também poderia ser mais explorado na trama para um aprofundamento dos conflitos internos e externos de Adriana/André. Frustra um pouco sentir que a direção reage pouco ao permitir que a personagem de Penépole Cruz seja enquadrada passivamente como paciente psiquiátrica. Falta em "A imensidade" um posicionamento mais claro em relação à libertação dos personagens oprimidos pelo patriarcalismo que ainda impera na sociedade.         
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DESERTO PARTICULAR
Dir. Aly Muritiba
COTAÇÃO: 4
Impressão: "Deserto particular" tinha muitos elementos para torná-lo um filmaço, mas a impressão que fica é que o diretor Aly Muritiba fica sempre no meio do caminho. Aqui a história é interessante, a de Daniel, um policial que está  sendo investigado por agressão e que vai atrás de seu vazio amoroso no interior da Bahia, em Sobradinho, mais precisamente em busca de Sarah. Claro que chegando lá nada é como parecia ser, tampouco a mulher na qual ele foi atrás. Mais cedo ou mais tarde o conservador policial terá que lidar com Sarah/Robson (interpretada/o pelo ótimo Pedro Fasanaro), o que mexerá com a formação machista dada pelo pai, um militar reformado que sofre do mal de Alzheimer. Quando a câmera de Muritiba chega na Bahia, ela gera uma indefinição. Qual história veremos, a de Sarah/Robson ou a de Daniel? Os tiros cruzados e a falta de foco empurram a narrativa para o indefinido e dilui todas as tramas em curso. Estranho o final duvidoso proposto por Muritiba, que soa como a uma possibilidade de redenção do homem branco machão e cis que fica de boa, enquanto a personagem de Sarah/Robson vive uma expulsão da cidade e tem que ir tentar a vida em outra cidade bem longe. "Deserto particular" vive assim uma perigosa ambiguidade. Por um lado, afirma uma nova forma de apaziguamento da figura hétero, mas por outro, reafirma a batida tragédia trans por legitimar uma expulsão sorridente da personagem de Sarah/Robson, justamente no país que mais mata a população LGBTQIA+. Faltou para Aly Muritiba uma maior sensibilidade, tanto na caneta do roteiro quanto na visão como diretor.
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LÚCIO FLÁVIO, O PASSAGEIRO DA AGONIA
Dir. Héctor Babenco
COTAÇÃO: 7
Impressão: Héctor Babenco foi um dos cineastas que mais se esforçou em realizar um cinema com um bom acabamento visual e que ao mesmo tempo dialogasse com um público mais amplo. Em vários de seus projetos ele foi bem sucedido nessa empreitada, podemos lembrar de "Carandiru" (2003), "O beijo da mulher aranha" (1984), "Pixote, a lei do mais fraco" (1980) e "Lúcio Flávio, o passageiro da agonia", uma adaptação interessante do livro de José Louzeiro, que também colabora com o roteiro, que ainda contou com a participação do chileno Jorge Durán e de Babenco (curiosamente, dois estrangeiros), um filme construído com todos os elementos clássicos de um filme policial, onde o bandido está em fuga. Leia a crítica completa no link: LÚCIO FLÁVIO, O PASSAGEIRO DA AGONIA (1977) Dir. Héctor Babenco (cinefialho.blogspot.com)
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BENJAMIN ZAMBRAIA E O AUTOPANÓPTICO
Dir. Felipe Cataldo
COTAÇÃO: 9 
Impressão: Um primeiro alerta se faz necessário. "Benjamin Zambraia e o autopanóptico", dirigido por Felipe Cataldo não é exatamente um filme industrializado, perfeitamente embalado para ser exibido nessas salas perfumadas dos multiplex da vida, ou melhor, dos shoppings centers, esses templos do consumismo desenfreado. Diríamos que este é um filme com pretensões pré-industriais, filmado em película e cheio de intervenções artesanais, em que a fotografia e o som são construídos por diversas camadas, não só na filmagem como fundamentalmente no processo de finalização. É um filme fundamentalmente para amadores (no sentido que o crítico francês Jean Douchet delineou ao termo), para aqueles que buscam no cinema uma experiência para além do mundo da razão. Leia a crítica completa no link: BENJAMIN ZAMBRAIA E O AUTOPANÓPTICO (cinefialho.blogspot.com) 
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GYURI 
Dir. Mariana Lacerda 
COTAÇÃO: 8
Impressão: "Gyuri" e "Como fotografei os Yanomami" são dois documentários que esbarram em alguns temas em comuns. Ambos, tratam da Nação Yanomami, tem em comum a fotografia e o líder indígena Davi Kopenawa, que é Yanomami. Mas os filmes também possuem entre si diferenças consideráveis e delas comentarei aqui nessa dupla análise. Leia a crítica completa no link: GYURI (2022) Dir. Mariana Lacerda / COMO FOTOGRAFEI OS YANOMAMI (2018) Dir. Otavio Cury (cinefialho.blogspot.com)
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COMO FOTOGRAFEI OS YANOMAMI
Dir. Otavio Cury
COTAÇÃO: 5
Impressão: "Gyuri" e "Como fotografei os Yanomami" são dois documentários que esbarram em alguns temas em comuns. Ambos, tratam da Nação Yanomami, tem em comum a fotografia e o líder indígena Davi Kopenawa, que é Yanomami. Mas os filmes também possuem entre si diferenças consideráveis e delas comentarei aqui nessa dupla análise. Leia a crítica completa no link: GYURI (2022) Dir. Mariana Lacerda / COMO FOTOGRAFEI OS YANOMAMI (2018) Dir. Otavio Cury (cinefialho.blogspot.com)
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SHOWING UP 
Dir. Kelly Reichardt
COTAÇÃO: 8
Impressão: "Showing Up", dirigido pela diretora Kelly Reichardt, que vem se destacando como uma das diretoras mais interessantes do século XXI, é mais uma mostra do seu talento para narrar pequenas histórias que transformam personagens comuns em pessoas especiais. Para isso, Kelly filma na pequena cidade de Portland, Oregon, um drama de uma artista chamada Lizzy (Michelle Williams) na tentativa de dar um salto em sua carreira como escultora. Ler a crítica completa no link: SHOWING UP (2022) Dir. Kelly Reichardt (cinefialho.blogspot.com) 
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DRÁCULA - A ÚLTIMA VIAGEM DO DEMÉTER
Dir. André Ovredal
COTAÇÃO: 5
Impressão: Conforme o título brasileiro já entrega, este é mais um filme de Drácula, aqui no caso, da clássica Universal, que já produziu muitos filmes do famoso vampiro romeno. O diferencial deste Drácula é que o filme se origina do diário do comandante do navio que levou Drácula da Romênia à Inglaterra, parte do livro de Bram Stoker. Noventa por cento da história se passa dentro do navio, mas isso não faz do filme algo cansativo. O roteiro privilegia a mistura dos gêneros terror e aventura, sendo esta última uma típica aventura de naufrágios. A câmera se apresenta sempre muito fluida, a serviço da narrativa, inclusive se movimentando para melhor captar cada cena e esclarecendo o público de todos os detalhes da trama. Os atores estão bem adequados e caracterizados, há uma questão racial orquestrada com eficiência, já que o único personagem negro é o mais estudado e preparado para enfrentar as dificuldades desse navio regido pelo fantasmagórico. Se o filme é funcional ao equilibrar narrativa de terror e aventura, desliza ao não conseguir aprofundar as contradições do existentes nem no vampirismo nem no próprio questionamento do racismo presente na trama. Vale ainda ressaltar a ótima fotografia de "Drácula - a última viagem do Deméter", não só a que é feita no navio, mas também a das ruas de Londres do final do século XIX, que é de um primor. Umas das grandes infelicidade do filme é colocar logo na primeira cena um letreiro que conta praticamente o final do filme. Ao final, toda a competência filme se resume em uma boa sessão da tarde, um passatempo bem filmado e narrado, o que não deixa de ser interessante.
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TOC TOC TOC - ECOS DO ALÉM
Dir. Samuel Bodin
COTAÇÃO: 4
Impressão: "Toc toc toc - Ecos do além" tem um argumento que na mão de um bom roteirista e diretor poderia render um grande filme, mas aqui o que acontece é justamente o contrário, já que o bom argumento se perde em meio a clichês, alguns mal filmados e outros mal interpretados. Sim, a direção de atores é o que mais compromete a qualidade do filme. Várias cenas naufragam pelas atuações sofríveis do elenco, em especial as do pai e da mãe do menino. Para quem busca uma filme de terror com muitos sustos, esse pode até agradar, embora os sustos não salvem as inconsistências do roteiro. A história tem furos assim inacreditáveis, como a da menina perdida ter uma deformidade corporal e de rosto muito espantosa e a notícia sair nas TVs e não ser divulgado acerca da sua aparência. Quem assistiu ao filme vai entender o porquê dessa minha observação. Outro fato estranho é quando o menino relata que anda ouvindo vozes e a família sabendo da menina escondida ignora esses medos. Se o menino era o único filho do casal vivo, não dá para entender quando o prendem no porão sujo e escuro. Temáticas como a da confiança, do bullying, da relação pais e filhos são negligenciadas no desenvolvimento da trama. Sem contar que falta um pouco de mistério, tudo vai sendo explicado e nada fica no ar, como um possível jogo imaginativo para o público. Esses são elementos que enfraquecem o filme, o fazem virar uma sucessão de cenas sem grandes impactos, pois em diversos momentos a direção foge de aprofundar diversos acontecimentos. Inclusive, a palavra além, posta no título brasileiro, em nada ajuda a promover a obra, já que não existe nenhuma referência ao além no enredo. A maquiagem da menina assassina é estranha, porque nas duas vezes em que ela aparece, o rosto é bem diferente, em uma a boca gigante, do tipo o gato de Alice nos país das maravilhas, chama a atenção, fora o rosto não parecer em nada com o humano; na outra aparição frontal da menina, o rosto já lembra um rosto humano, apenas com algumas marcas. Esse é um filme, que na meia hora final, as cenas de horror valem até a pena, mas não chegam a salvar os estragos feitos pelo roteiro, pela direção e pelas atuações do elenco.              
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FALE COMIGO
Dir. Danny e Michel Philippou
COTAÇÃO: 6
Impressão: Começo este texto refletindo sobre a crescente quantidade de filmes de terror que está tomando conta do circuito exibidor das salas de cinema. No meio de tantas produções é natural que o resultado na maioria das vezes seja a de filmes irregulares e sem consistência. Fica a pergunta: esse movimento ascendente do terror nas telas tem muito a ver com um contínuo exibir de filmes desse gênero? Nesse momento em que a quantidade predomina sobre o qualitativo, me vem um pensamento o que este fato diz à luz de uma análise cultural de uma determinada sociedade. O que levaria o despertar desse interesse por filmes em que o objetivo é fazer o público sentir medo? Leia a crítica completa no link: FALE COMIGO (2022) Dir. Danny e Michel Philippou (cinefialho.blogspot.com) 
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AS OITO MONTANHAS
Dir. Felix Van Groeningen e Charlotte Vandermeersch
COTAÇÃO: 6
Impressão: "As oito montanhas" conta a história de dois personagens: Pietro e Bruno, desde a infância até a maturidade. Pietro vem de uma família de classe média de Turim que passa as férias numa região montanhosa nos Alpes italianos, já Bruno, vem de uma família desestruturada da própria montanha. Essa é uma amizade muito bonita que se estenderá por toda a vida. O filme é um pouco longo e irregular, e demora um pouco a embalar, em especial na primeira hora. A narrativa em off de Pietro também incomoda bastante, justamente nessa fase inicial, por soar repetitiva na maioria das vezes, reiterando falas já ditas e ações vividas. Apenas na segunda metade o filme ganha um fôlego e começa realmente a valer a pena, com os dois personagens sendo melhor desenvolvidos e com a narração em off praticamente desaparecer. Em um certo momento, até se entende o uso da narração off, já que Pietro se torna um escritor, mas o problema não está no uso desse recurso, e sim na reiteração que ela provoca na trama. Ao final, "As oito montanhas" é um drama que merece ser visto, por mais que do ponto de vista cinematográfico a obra seja pouco estimulante, mas cresce pelos questionamentos que provoca em relação às escolhas que precisamos fazer no decurso da vida. O filme, na segunda metade consegue discutir frontalmente sobre a dificuldade de acharmos o nosso prumo na vida, e é no personagem de Pietro que encontramos os momentos mais reflexivos. "As oito montanhas" ganhou o prêmio do Júri no Festival de Cannes.   
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MESTRE JARDINEIRO
Dir. Paul Schrader
COTAÇÃO: 5

Impressão: "Mestre Jardineiro" é mais um filme como diretor do roteirista Paul Schrader, consagrado por roteirizar clássicos como "Táxi Driver", "Touro Indomável" e outros filmes desde a década de 1970. O trabalho de Schrader como diretor mostra-se bastante irregular. A trama de "Mestre Jardineiro" tem como protagonista Narvel Roth, um homem com um passado muito sombrio, que agora tenta mudar de vida sendo jardineiro de uma senhora aristocrática, que além de usufruir de suas habilidades como jardineiro o faz de serviçal sexual. A metáfora sobre a jardinagem e a vida soa aqui ruim, em especial  por ser muito escancarada e retirar a sutileza da proposta, ao explicitar por demais o tema central do filme: a da eterna possibilidade do homem de refazer a sua vida. Paira sobre a maioria dos personagens a possibilidade de reconstruir a vida, de constantemente se metamorfosear, inclusive é dada a chance do protagonista abandonar a ideologia nazista em nome do amor. As interpretações do elenco são consistentes como a de Joel Edgerton (como Narvel Roth), a de Sigourney Weaver (como a aristocrata Harvhill) e Quintessa Swildell (como a misteriosa Maya), mas o maior problema de "Mestre Jardineiro" está na visão moralista de Schrader, que se esforça por conferir a todos os personagens uma oportunidade de ter uma segunda chance na vida. As cenas finais caminham para ratificar esse princípio norteador do filme e isso faz a obra cair em uma fórmula para lá de repetitiva e batida, impactando violentamente no seu resultado final.                     
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STILL: AINDA SOU MICHAEL J. FOX
Dir. Davis Guggenheim
COTAÇÃO: 5
Impressão: "Still: ainda sou Michael J. Fox" narra a trajetória tumultuada do astro da trilogia "De Volta para o Futuro" e a transformação ocorrida em sua vida desde a descoberta do mal de Parkinson, aos 29 anos. O documentário enfoca bastante a luta do ator para tentar continuar vivendo com um máximo de qualidade de vida, apesar do infortúnio da doença. A relação com a família, sobretudo com a esposa e também atriz, Tracy Pollan está presente na narrativa. O filme não avança tanto na luta social que o ator faz em prol da doença e prefere centrar mais na vida privada dele, o que faz com que as entrevistas com a câmera frontal no ator em um certo momento cansem por demais a narrativa. É um bom documentário, em especial os primeiros trinta minutos, mas que vai perdendo o fôlego em seu transcurso por adotar um certo tom sensacionalista, apesar do elemento cômico tentar contornar e escamotear esse viés. O diretor se esforça em mostrar cenas em que o ator explicita por demais suas deficiências, o que pode ser considerado um excesso proposital para aumentar as chances de tornar seu produto mais curioso, e assim, atrair mais público para o seu filme. Lembro aqui o quanto esse diretor é chegado nesses apelos para angariar plateia, como fez com "Uma verdade inconveniente" (2006) e "Malala" (2015), o que me desagrada bastante como espectador.   
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SEM DEIXAR RASTROS
Dir. Jan P. Matuszynski
COTAÇÃO: 7
Impressão: "Sem deixar rastros" é um filme político de mais de 2 horas e meia de duração que consegue manter a tensão até o fim. Esse filme polonês trata de um assassinato de um estudante secundarista ocorrido nos subterrâneos de um Estado opressor, fortemente burocratizado e militarizado. O mais incrível é como o diretor vai cena a cena fechando o cerco sobre o desvendamento do caso, explorando todos os pormenores de sistema político autoritário, centralizador e profundamente manipulador. No momento do assassinato do estudante, um amigo dele presencia todo o processo, apesar do Estado de tudo fazer para não deixar o caso ir para frente. No início, a câmera é francamente inquieta, bem ao estilo jovial dos dois protagonistas, que bêbados se envolverão com a polícia militar até serem conduzidos enérgica e violentamente para a delegacia. Depois, o diretor Jan P. Matuszynski  altera a movimentação da câmera e a mesma fica mais contida, o que faz aumentar o clima angustiante e contemplativo do filme. A partir de então o nervosismo se instala e os atores assumem um papel determinante, pois tudo se torna mais para o introspectivo do que para o histriônico, e o diretor demonstra habilidade e sensibilidade para conduzir os vários atores que vão se intercalando no jogo dramático perfeitamente por ele controlado. "Sem deixar rastros" é um grito contra qualquer tipo de tirania que apequena as pessoas em nome de um projeto político falido e decadente, cujo esforço foi apenas manter um determinado grupo no poder, e no qual a história felizmente foi implacável.    
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RETRATOS FANTASMAS
Dir. Kleber Mendonça Filho
COTAÇÃO: 10
Impressão: "Retratos fantasmas" é um filme-poema que envolve muitas camadas a serem consideradas. Kleber Mendonça Filho realiza um filme delicado, tocante e fundamentalmente muito pessoal. Há um risco eminente quando o diretor se emaranha de tal forma à narrativa e à própria trama, mas Kleber, de maneira comovente, se sai muito bem quando resvala em um humor fino, elegante e inteligente. Não vale muito comparar esse filme com os que vieram antes, talvez só na perspectiva de que muitos fatos presentes em seus trabalhos partiram de alguma referência concreta, em especial, o apartamento de Setúbal.  Leia a crítica completa no link: RETRATOS FANTASMAS (2023) Dir. Kleber Mendonça Filho (cinefialho.blogspot.com)
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PASSAGENS 
Dir. Ira Sachs
COTAÇÃO: 5
Impressão: Muitos podem pensar que "Passagens" é um filme sobre o poliamor ou sobre traição, mas prefiro ver que esse é um filme sobre Tomas (Franz Rogowski) e sua conturbada e manipuladora personalidade. Podemos dizer que Tomas é o típico caso de uma masculinidade tóxica, já que suas atitudes são todas centradas em benefício próprio e provoca duplamente dor tanto ao marido Martin (Ben Whishaw) quanto na amante Agathe (Adèle Arxachopoulos). Apesar de "Passagens" trazer interpretações consistentes, amparadas por atores de excelência, o filme possui uma narrativa frágil e irregular que abalam sua estrutura como um todo. Me parece que o diretor Ira Sachs decidiu falar de uma ideia de sexualidade fora dos padrões sociais, mas estranhamente escolheu narra-la da maneira mais convencional possível. Mesmo salvaguardando o mérito  de denunciar a relação tóxica de poder que Tomas impõe em sua rotina, um diretor de cinema egocêntrico e com traços tirânicos e de dominação pelo sexual, deve-se registrar que absolutamente todos os planos de "Passagens" são por demais previsíveis e óbvios. Nada no filme nos surpreende, nem encanta e tão pouco nos choca, o que é uma pena, porque Ira Sachs tem em mãos atores de inquestionável talento e mesmo assim não arrisca nada cinematograficamente, durante os 90 minutos de filme. A cena de Tomas com os pais de Agathe beira o patético e ao bizarro, um dos piores momentos que presenciamos e que era extremamente dispensável. "Passagens" é mais um filme em que o sexo está no cerne da narrativa, embora tudo soe como muito careta e insosso.
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PARA ONDE VOAM AS FEITICEIRAS
Dir. Eliane Caffé, Carla Caffé e Beto Amaral
COTAÇÃO: 7
Impressão: "Para onde voam as feiticeiras" é o novo e instigante trabalho da premiada diretora paulista Eliane Caffé, que desta vez divide a direção com a irmã Carla Caffé e Beto Amaral. O filme transita entre o documentário e a performance ao reunir a voz de sete artistas engajados em coletivos LGBTQIA+, pretos, indígenas e sem teto, que ocupam um pequeno espaço de uma rua do Centro de São Paulo para criar performances provocadoras em relação aos transeuntes. A todo instante, tanto a cidade quanto a equipe do filme se colocam como personagem, aparecendo em diversas cenas. A equipe sistematicamente pode ser vista ora segurando a câmera ora o boom do som, assim como os diretores são flagrados constantemente em conversas com os personagens, assim como a própria população, que vai passando e se surpreendendo e reagindo. Esse efeito surpresa, das pessoas passarem e serem pegas desprevenidas com aquela ocupação pública, garante ao filme frescor, mas também tensão, pois as reações são sempre na ordem do inesperado. Leia a crítica completa no link: PARA ONDE VOAM AS FEITICEIRAS (2020) Dir. Eliane Caffé, Carla Caffé e Beto Amaral (cinefialho.blogspot.com)

DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS
Dir. Bruno Barreto
COTAÇÃO: 8 
Impressão: O ano é 2023, o filme, "Dona Flor e seus Dois Maridos", de 1976, em 35mm. O impacto temporal é imenso, mas o emocional é maior. Depois de quase 50 anos, é natural que a obra fale muito sobre um mundo bastante diferente do nosso, mas o encanto está lá reluzente a nos seduzir. O diretor Bruno Barreto realizou um filme que ainda hoje é uma das maiores bilheterias do cinema brasileiro, com quase 11 milhões de espectadores, ultrapassado recentemente em valores absolutos por "Minha mãe é uma peça 3" (2019) "Tropa de Elite 2" (2010).  Leia a crítica completa no link: DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS (1976) Dir. Bruno Barreto (cinefialho.blogspot.com)
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BYE BYE BRASIL
Dir. Cacá Diegues
COTAÇÃO: 9
Impressão: "Bye Bye Brasil", dirigido por Cacá Diegues, é ao mesmo tempo um clássico e uma obra-prima do nosso cinema. Ele marca tanto as consequências de uma época que chamamos de "Milagre Econômico" (1968-73) quanto de um cinema pós-tropicalista, que compreende mais ou menos o mesmo período do milagre econômico. O filme pode ser visto como uma zombaria disso tudo, mas também como uma tentativa de analisar criticamente a complexa cultura brasileira, com a invasão cultural estrangeira em larga escala e da televisão como importante veículo de comunicação nacional, além de salientar as profundas desigualdades sociais existentes historicamente no Brasil.  BYE BYE BRASIL (1979) Dir. Cacá Diegues (cinefialho.blogspot.com)
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MEMÓRIAS DO CÁRCERE
Dir. Nelson Pereira dos Santos
COTAÇÃO: 9
Impressão: "Memórias do cárcere" deve ser, dentre os filmes muito comentados do nosso cinema, um dos menos vistos pelo público. Talvez suas mais de três horas de duração colabore para isso, afinal, é difícil enquadrar o filme em uma grade programática de exibição. Até os lançamentos em mídias físicas, não foi um filme muito comercializado, lembro apenas de uma cópia especial do IMS (Instituto Moreira Salles). Nos streamings, mais recentemente ficou disponível para assinantes Globo Play e nada mais. Leia a crítica completa no link: MEMÓRIAS DO CÁRCERE (1984) Dir. Nelson Pereira dos Santos (cinefialho.blogspot.com)
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WIÑAYPACHA
Dir. Óscar Catacora
COTAÇÃO: 8
Impressão: É muito bonito quando o cinema consegue captar uma determinada cultura que é totalmente alheia a das grandes, médias e até pequenas cidades. "Wiñaypacha" é um ótimo exemplo de um filme que adentra uma cultura inóspita de uma aldeia situada nos Andes peruano, em que os personagens falam a língua nativa aimará ao invés do castelhano, uma das etnias ameaçadas de extinção pelo violento processo de globalização, que destrói as famílias tradicionais. A história retrata o idoso e solitário casal Willka (Vicente Catacora) e Phaxsi (Rosa Nina), que tenta sobreviver a uma exaustiva rotina de trabalho diário, enquanto esperam uma improvável volta de um filho que saiu de casa. Leia a crítica completa no link: WIÑAYPACHA (2017) Dir. Óscar Catacora (cinefialho.blogspot.com)
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A FREIRA 
Dir. Corin Hardy
COTAÇÃO: 4
Impressão: Se você é aquele que julga um filme de terror pelos sustos que ele proporciona, então você está no filme certo. "A freira", da franquia "A invocação do mal" satisfaz enquanto produção, tem bons efeitos e rende bons sustos, mas a verdade é que o seu maior ponto fraco não está no cinema e sim no roteiro que o embasa. Todas as referências históricas do filme são jogadas para o alto em um enredo de fantasmas por demais mirabolante. O maior trunfos dessas produções que evocam uma época é trazer delas os simbolismos propícios que vão gerar um bom diálogo com as normas religiosas e morais que para os nossos dias soe como defasadas e anacrônicas. Se os fantasmas fossem melhor fundamentados esse seria um filme realmente potente não só nos sustos como também na crítica social. Se esbanjou em um, faltou implacavelmente com a outra.    
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TRATAMENTO DE CHOQUE
Dir. Peter Segal
COTAÇÃO: 4
Impressão: Se você pensa na expectativa, isto é, ver Adam Sandler e Jack Nicholson juntos em uma comédia como algo irremediavelmente engraçado, talvez "Tratamento de choque" possa decepcionar. O filme apela para tantos clichês que fica até difícil de enumerá-los e isso torna o filme algo tão pouco interessante. Tudo é tão forçado, a começar com o personagem de Sandler que é tratado como irritadiço quando na verdade é quase um panaca. E desde cedo descobrimos que tudo era uma armação do personagem de Nicholson, o que faz diminuir drasticamente o poder de riso dessa comédia. Se Sandler não consegue arrancar muitas risadas do público, Jack Nicholson por sua vez está distante de todos os seus grandes papéis no cinema, restando a ele apenas aquelas reiteradas caretas que já está habituado a fazer, mas só que agora sem um roteiro que o ajude a dar sentido às caras e bocas que o marcaram ao longo de sua carreira. Falta para "Tratamento de choque" um roteiro que alavanque os talentos cômicos dos protagonistas. Nem Marisa Tomei, que está linda e graciosa no filme, consegue salvar algo perante aos impropérios narrativos dessa obra insossa. Um filme que envelheceu mal esse tal de "Tratamento de choque", a distância do tempo só fez mal a ele, sublinhou ainda mais os seus defeitos.    
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ESPECIAL MESTRE ANDREI TARKOVSKI (Revisão) - 7 filmes

A INFÂNCIA DE IVAN
Dir. Andrei Tarkovski
COTAÇÃO: 9
Impressão: Apesar de "A infância de Ivan" (1962) ser o primeiro longa de Andrei Tarkovski e de ser uma obra de grande impacto visual e sonoro, ela apresenta características diversas em relação as 6 obras posteriores do diretor russo. Há, por exemplo, um lirismo inserido no protagonista deste filme de estreia que depois não mais será resgatado. Tarkovski irá trilhar caminhos mais nebulosos e misteriosos, para não dizer herméticos, em busca de uma linguagem própria, com uma digital muito peculiar. O lirismo posterior estará presente mais na própria abordagem do diretor. A narrativa em "A infância de Ivan" esbarra na clássica, embora o diretor tente continuamente se esquivar dela, com planos mais simbólicos e elipses temporais que vez por outra ameaçam a estabilidade narrativa.   Leia a crítica completa no link: A INFÂNCIA DE IVAN (1962) Direção Andrei Tarkovski (cinefialho.blogspot.com)
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ANDREI RUBLEV
Dir. Andrei Tarkovski
COTAÇÃO: 9
Impressão: "Andrei Rublev" (1966), é o segundo longa-metragem de Andrei Tarkovski, onde nota-se um esforço imenso do diretor em trilhar por um caminho mais autoral (aqui entendido como desenvolvimento de elementos estilísticos próprios). Se o resultado em si ainda não é pleno, pois há um quê de irregular na proposta de Tarkovski, um desequilíbrio entre enfoque no personagem e na contextualização, "Andrei Rublev" ainda assim é uma obra vigorosa, de grande fôlego. Talvez o tamanho mesmo da produção possa ser considerado uma dificuldade a mais, já que algumas cenas épicas de batalha são realizadas, o que sacrifica o intimismo em alguns momentos, que é o traço mais pungente dos filmes do diretor. Mas o que pode ser dito no geral de "Andrei Rublev", de sua essência? Para mim, a obra traz como reflexão um elemento que é caro ao universo de Tarkovski, o de questionar ou abordar o papel da arte no mundo, tratando-se aqui esse mundo (o medieval russo) como o mais adverso possível para a eclosão de qualquer tipo de beleza. Leia a crítica completa no link: ANDREI RUBLEV (1966) Direção Andrei Tarkovski (cinefialho.blogspot.com)
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SOLARIS
Dir. Andrei Tarkovski
COTAÇÃO: 10
Impressão: Com "Solaris", Tarkovski dá uma guinada na carreira ao se enveredar pela primeira vez no universo filosófico da metafísica e de maneira irreversível. O filme é baseado no livro homônimo, publicado em 1961, do famoso escritor polonês de ficção-científica Stanislaw Lem, embora guarde diferenças inconciliáveis com a obra de Tarkovski, em especial no enfoque mais voltado para o Planeta Terra e seus habitantes, o que torna a questão alienígena no Planeta Solaris quase imperceptível na trama do filme. O que Tarkovski faz é subverter a obra literária, criando uma obra cinematográfica a partir dela, dentro da crença do diretor de que o cinema deveria buscar uma autonomia de linguagem em relação a outras linguagens artísticas. Inicialmente, as ideias de Tarkovski chocaram-se com as de Lem, as discussões foram muitas, até o ponto de o escritor, mesmo não concordando com a ideia de adaptação de Tarkovski, aceitasse o conceito imposto pelo insistente e inflexível diretor russo, muito porque havia uma confiança e um respeito dele na visão de Tarkovski. Leia a crítica completa no link: SOLARIS (1972) Direção de Andrei Tarkovski (cinefialho.blogspot.com)
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O ESPELHO
Dir. Andrei Tarkovski
COTAÇÃO: 10
Impressão: "O Espelho", quarto longa-metragem de Andrei Tarkovski, pode ser visto como um filme fundamental na conturbada relação do diretor russo com o regime stalinista, o ápice de uma crise que se estendeu por toda a carreira. Não à toa, essa é a obra em que o aspecto histórico está mais incorporado à narrativa (ou o pouco que se pode perceber dela). Sim, "O espelho" pode ser considerado o seu exercício mais árido como diretor, aquele onde sonho, memória, história e subjetividade são emaranhados de tal maneira que se confundem o tempo todo. Adentrar em uma obra de Tarkovski é mergulhar nos mistérios mais abissais do ser humano.  Leia a crítica completa no link: O ESPELHO (1975) Direção de Andrei Tarkovski (cinefialho.blogspot.com)
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STALKER
Dir. Andrei Tarkovski
COTAÇÃO: 10
Impressão: Dentro da filmografia de Tarkovski, "Stalker" (1979) pode ser vista como um ápice tanto em relação às ideias de cinema quanto as de filosofia. E curiosamente é o último filme dele realizado na União Soviética. "Stalker" funciona de uma vez só como um manifesto e um testamento cinematográfico de Tarkovski ao mundo, onde está concentrado o cerne do seu pensamento sobre o cinema. Tudo em "Stalker" beira o fascinante, desde a mágica fotografia de Alexander Kniajinski, que intercala linda imagem em sépia com momentos de intensa cor, até a trilha musical belíssima e sensível de Eduard Artemiev, sem esquecer da cenografia impecável de A. Merkulov.  Leia a crítica completa no link: STALKER (1979) Direção de Andrei Tarkovski (cinefialho.blogspot.com)
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NOSTALGIA
Dir. Andrei Tarkovski
COTAÇÃO: 10
Impressão: O cineasta russo Andrei Tarkovski é um artista que me é muito caro. Até ingressar no curso de cinema no ano 2000, mesmo sendo já um cinéfilo, pouco havia ouvido sobre ele, apenas ideias dispersas e nenhum filme visto. E foi "Nostalgia" a primeira obra descoberta, em uma aula de desenho de som ministrada pelo professor Mário Silva. Lembro que dos 40 alunos que começaram assistindo ao filme, só ficamos uns 4 ou 5 até o fim. Dali em diante, o meu fascínio foi tanto que comecei a procurar seus outros títulos, além de comprar seu livro "Esculpir o tempo", para tentar compreender melhor aquele universo que me parecia à época impenetrável, apesar do sentimento de fascínio despertado àquela experiência. Um ano depois, um grupo do qual fiz parte escolheu Tarkovski para fazer um seminário. Discutimos o livro e assistimos a todos os seus filmes. O que eu posso dizer é que depois dessa primeira tentativa de aprofundamento, jamais abandonei o mestre. Li seu livro incontáveis vezes, o que ocorreu também em relação a seus filmes. Aqui dou mais um passo, mais um mergulho nesse diretor que se tornou a minha maior referência. Se não foi ele o que me aproximou da cinefilia, pois eu já a experimentava há uns quinze anos antes, ele foi o responsável por transformar minha visão acerca do cinema. Leia a crítica completa no link: NOSTALGIA - Direção Andrei Tarkovski (1983) (cinefialho.blogspot.com)
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O SACRIFÍCIO
Dir. Andrei Tarkovski
COTAÇÃO: 9
Impressão: "O Sacrifício" é a obra crepuscular de Andrei Tarkovski, apesar de ser apenas o sétimo longa do diretor russo, que viria a falecer em 29 de dezembro de 1986, aos 54 anos. Nesse filme, observa-se a preocupação do diretor em deixar para a humanidade um testamento, algo para ser lido como o sacrifício que cada ser humano deveria fazer para salvar o mundo de uma hecatombe, aqui no caso, a nuclear, embora Tarkovski não desconsidere que mesmo com tudo sendo destruído ainda assim restaria uma esperança e ela estaria nas mãos da humanidade. Por isso, a primeira sequência é basilar ao deixar evidente a tarefa que o filho (ainda uma criança) recebe do pai: a de regar abundantemente uma árvore morta até ela renascer, tal como uma fênix das cinzas. Essa é a parábola que Tarkovski lega para todos nós nessa derradeira obra. Leia a crítica completa no link: O SACRIFÍCIO (1986) Direção de Andrei Tarkovski (cinefialho.blogspot.com)

Fim do especial Andrei Tarkovski
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BLUE JEAN 
Dir. Georgia Oakley
COTAÇÃO: 8 
Impressão: Um dos grandes méritos da diretora Georgia Oakley é conseguir juntar pano de fundo e temática principal com grande eficiência. De um lado, as ações do governo conservador de Margareth Thatcher contra a população LGBTQIA+, de outro Jean uma jovem professora lésbica lutando para afirmar sua identidade, tendo que esconder da família e dos colegas de trabalho sua sexualidade. Um filme de personagem que aborda com sensibilidade e humanidade uma mulher tentando sobreviver em um mundo adverso que nega a transformação. Uma interpretação marcante da atriz Rosy McEwen e um roteiro afiado, que explora com competência os núcleos principais como a escola, a família, o bar gay, além de saber mexer com as diversas peças disponíveis no tabuleiro dramatúrgico e histórico. Interessante e simbólica uma das primeiras cenas do filme, em que Jean aparece com o rosto dividido no espelho do banheiro. Um filme de engajamento, mas também atento às nuances que a linguagem do cinema pode agregar a uma boa história, o papel expressivo que a fotografia pode desempenhar e o quanto a escolha dos enquadramentos são fundamentais para afirmar as ideias da direção.
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UMA NOITE EM HAIFA
Dir. Amos Gitai
Plataforma: Cinema
COTAÇÃO: 7
Impressão: No ambiente rico de um bar, que também abriga uma galeria de artes, Gitai explora a polaridade entre palestinos e judeus, abusando do plano-sequência para trabalhar comportamentos dúbios dos personagens. O diretor retrata em uma noite, o quanto essa polaridade política leva os personagens à infelicidade e à desconfiança entre si. A política de Israel está emaranhada à própria obra de Amos Gitai e aqui não é diferente, pois toda uma tensão externa é transposta para os ambientes internos luxuosos e que revelam uma sociedade imersa em contradições. Gitai reconstrói a rotina de uma mulher e com isso quer mostrar que por trás do cotidiano de uma sociedade abastada também se pode mostrar as suas contradições. Uma obra difícil, um pouco árida (longe de ser a mais árida da carreira do diretor), que aborda o quanto o terreno está minado pela discórdia e intolerância. "Uma noite em Haifa" traz um Amos Gitai mais maduro, embora consciente e ainda crítico ao governo conservador de Israel. 
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DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS
Dir. Bruno Barreto
COTAÇÃO: 8
Impressão: O ano é 2023, o filme, "Dona Flor e seus Dois Maridos", de 1976, em 35mm. O impacto temporal é  imenso, mas o emocional é maior. Depois de quase 50 anos, é natural que a obra fale muito sobre um mundo bastante diferente do nosso, mas o encanto está lá reluzente a nos seduzir. O diretor Bruno Barreto realizou um filme que ainda hoje é uma das maiores bilheterias do cinema brasileiro, com quase 11 milhões de espectadores, ultrapassado recentemente em valores absolutos por "Minha mãe é uma peça 3" (2019) "Tropa de Elite 2" (2010). Leia a crítica completa no link: DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS (1976) Dir. Bruno Barreto (cinefialho.blogspot.com)
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MEDUSA DELUXE 
Dir. Thomas Hardiman
COTAÇÃO: 5
Impressão: "Medusa Deluxe" é um daqueles filmes em que o diretor Thomas Hardiman experimenta realizar o filme em um único plano sequência. O filme lembra "Birdman" (2014), do polêmico diretor mexicano Alejandro González Iñárritu, não só pelo uso do plano sequencial, mas sobretudo pelo movimento da câmera por enormes corredores e pequenos ambientes. Entretanto, ao escolher esse recurso técnico para conduzir a trama, o diretor perdeu muito da densidade dramatúrgica, já que filmar dessa forma impõe um ensaio muito desgastante dos atores e equipe técnica, qualquer erro o diretor é forçado a iniciar todo o processo de filmagem do zero. A maior perda se concentra no roteiro e no próprio desenvolvimento dos personagens. Com uma decupagem das cenas, o filme possibilitaria um maior tratamento de alguns personagens. Vale lembrar que o filme conta com muitos personagens e o espectador fica com a difícil missão de entender o que está acontecendo e tentar compreender o arco dramático de cada um dos personagens. A história gira em torno de um concurso de penteados, com cabeleireiros e equipes em ação. Só que um dos cabeleireiros é encontrado morto e uma série de desconfianças recaí sobre todos os participantes do evento. Tanto o desenrolar da história quanto o seu desfecho ficam superficiais, na medida que o formato do plano sequência torna-se mais importante de que a trama em si. O malabarismo técnico serve de empecilho para o próprio aprofundamento das histórias e dificulta que os atores trabalhem com nuances dos personagens. Dá para sentir uma certa tensão nos atores em acertar as cenas, já que todas estão totalmente emaranhadas pela proposta ousada de filmar tudo em um take só.                 
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MÔA, RAIZ AFRO MÃE
Dir. Gustavo McNair
COTAÇÃO: 7
Impressão: Esse é um documentário que merece atenção, mesmo que estruturalmente tenha algumas irregularidades em sua construção narrativa, com planos que poderiam ser cortados. para que seu conteúdo ficasse mais homogêneo e redondo. Não se pode negar a dose de ancestralidade que "Môa, raiz afro mãe" carrega e reafirma em diversas cenas. O filme aborda várias facetas do Mestre Môa, como capoeirista, candomblecista, compositor, professor, pensador e agitador cultural. São muitas falas que resgatam o papel educacional da consciência da cultura afro na Bahia. Há um enfoque na participação de Môa do Catendê na formação do Badauê, fundamental para a reestruturação do Carnaval baiano, em especial por alavancar novos blocos afro de rua, e assim ajudar na popularização da brincadeira de rua, com dança e música saindo por todos os lados e com mais cores, modificando a tradição dos blocos do Ilê Aiê, que eram menos dançantes e dinâmicos do que o Badauê. O filme tem muitas falas e imagens fortes, de grande impacto cultural, em uma delas, o percussionista Dinho Nascimento toca um blues no berimbau, usando um copo para fazer o efeito sonoro conhecido por slide. "Môa, raiz afro mãe" salienta a importância da diáspora negra pelo Brasil e sublinha a negritude em sua forma mais ampla possível, inclusive lembrando da influência dos negros norte-americanos na Bahia. Creio que o mais impactante desse filme é como ele é tomado por um impulso afro revigorante, por uma energia pulsante e contagiante, graças a uma pesquisa que vai fundo na africanidade que está incrustrada na nossa cultura. 
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ESPECIAL 51º FESTIVAL DE CINEMA DE GRAMADO - 2023
ANÁLISE DOS LONGAS DOCUMENTÁRIOS DA MOSTRA COMPETITIVA

LUIS FERNANDO VERÍSSIMO, O FILME 
Dir. Luzimar Stricher
COTAÇÃO: 8
Impressão: 
O que mais chama a atenção no documentário "Luis Fernando Veríssimo, o filme" é o amor que a diretora Luzimar Stricher demonstra ao seu protagonista, há uma pulsação que emana da tela, além de uma admiração latente e verdadeira. O que mais me agradou na direção de Luzimar é o fato dela ter muitos caminhos a trilhar, mas não ceder a nenhum e sem invencionices conseguir traçar um painel dinâmico, divertido e esclarecedor da personalidade desse genial escritor, chargista, desenhista e cronista brasileiro. Leia a crítica completa no link: LUIS FERNANDO VERÍSSIMO, O FILME (2023) Dir. Luzimar Stricher (cinefialho.blogspot.com)
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MEMÓRIAS DA CHUVA
Dir. Wolney Oliveira
COTAÇÃO: 8
Impressão: "Memórias da chuva", filme cearense de Wolney Oliveira, de certa maneira simboliza muito o que é a história do povo nordestino: uma eterna luta contra os desmandos e autoritarismo dos políticos que sempre pensam primeiro em seus interesses econômicos e jamais no bem-estar do coletivo. Nessa história, a cidade Jaguaribara inteira é destruída para a construção da Barragem Castanhão, que no processo se revelaria o quanto ela viria beneficiar apenas as indústrias locais e o agronegócio, ignorando a dor lancinante do abandono de toda uma população que ali morava. Leia a crítica completa no link: 
MEMÓRIAS DA CHUVA (2022) Dir. Wolney Oliveira (cinefialho.blogspot.com) 
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DA PORTA PRA FORA
Dir. Thiago Foresti
COTAÇÃO: 5
Impressão: "Da porta pra fora" narra a tragédia brasileira à época da pandemia da Covid-19, nos anos de 2020 e 2021, mas o faz por meio dos motoboys, em especial três deles (dois homens e uma mulher),  que trabalham a partir dos aplicativos de celular do tipo dos ifood, aqui com o nome modificado sugestivamente para Tifoodi (para evitar processos jurídicos). O documentário acerta ao incluir na história a conturbada vida política do país governado por Bolsonaro e nos faz lembrar da negativa do então presidente em comprar a vacina, o que levou o país a mais de 700 mil mortos pelo Coronavírus. Leia a crítica completa no link: DA PORTA PRA FORA (2023) Dir. Thiago Foresti (cinefialho.blogspot.com)
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ANHANGABAÚ 
Dir. Lufe Bollini
COTAÇÃO: 4
Impressão: "Anhangabaú" é um documentário sobre a luta pelo território em um contexto onde tudo já está dominado pelos poderosos. O filme de Lufe Bollini abarca territórios diversos em conflito, como um prédio em ocupação, uma terra indígena guarani perto da capital e a briga de Zé Celso por um parque no Bexiga. É uma São Paulo múltipla, urbana e contraditória. Há um desejo que exala do filme de uma ampla transgressão, com corpos diversos e indígenas brigando por terra e dignidade. Leia a crítica completa no link: ANHANGABAÚ (2023) Dir. Lufe Bollini (cinefialho.blogspot.com)

Fim da cobertura do 51º Festival de Cinema de Gramado - 2023 
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ALÉM DO TEMPO
Dir. Theu Boermans
COTAÇÃO: 6
Impressão: No Brasil não chegam muitos filmes holandeses, "Além do tempo", do diretor Theu Boermans, é um dos que conseguiram a proeza de furar a bolha e ser lançado, mesmo que em uma única sessão. Infelizmente, o nosso atual circuito não está moleza, sorte para uns poucos e azar para a maioria dos filmes que ficam à margem. Mas os poucos que forem assistir a esse filme holandês podem até sair um pouco triste e com uma lágrima furtiva no rosto, porém não vão sair chateados com o filme. Leia a crítica completa no link: ALÉM DO TEMPO (2022) Dir. Theu Boermans (cinefialho.blogspot.com)
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RHEINGOLD
Dir. Faith Akin
COTAÇÃO: 6
Impressão: O diretor alemão Faith Akin é desses diretores que prezam por histórias mirabolantes ("Soul Kitchen", 2009; "Em pedaços", 2017; e "O bar luva dourada", 2019), algumas delas até esbarram na realidade, como é o caso de "Rheingold", que narra a história do rapper de sucesso, Xatar, em seu percurso atravessado por idas e vindas, inclusive pelo mundo do crime. Faith conta essa história como se fosse a gravação de um videoclipe, com imagens fortes do mundo do crime, mas também enaltecendo a riqueza que envolve tanto o meio musical quanto o do crime. O título Rheingold é inspirado na ópera "Das Rheingold" (O ouro do Reno) de Richard Wagner, que trata da ambição do homem pelo ouro, o poder e a riqueza que ele traz. Faith remete diretamente à opera wagneriana justamente na cena subaquática final que remete às donzelas do Reno, cena plasticamente muito bonita, na qual o diretor faz uso de drones e câmeras GoPro.
 RHEINGOLD (2022) Dir. Faith Akin (cinefialho.blogspot.com)  
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O ALECRIM E O SONHO
Dir. Valério Fonseca
COTAÇÃO: 8
Impressão: Diante tantos filmes internacionais marqueteiros e alavancados por grandiosos processos publicitários, "O alecrim e o sonho" é uma dessas gratas surpresas que só o cinema independente brasileiro pode nos brindar. Já faz muito tempo que no Brasil a qualidade de um filme está associada ao público que o vai assistir, mas precisamos buscar outras referências para analisar uma obra cinematográfica que não seja apenas  o da bilheteria, ainda mais que esse será mais um a tentar competir em franca desvantagem comercial, daí a importância de haver a coragem e a luta de Cavi Borges também como um distribuidor na Livre Filmes. Leia a crítica completa no link: 
O ALECRIM E O SONHO (2021) Dir. Valério Fonseca (cinefialho.blogspot.com)
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O GRANDE BUSTER KEATON: UMA CELEBRAÇÃO
Dir. Peter Bogdanovich
COTAÇÃO: 5
Impressão: Peter Bogdanovich ficou conhecido por diversas obras de ficção, algumas sensacionais como "A última sessão de cinema (1971), "No tempo do cinema" (1976), Lua de papel" (1973) e "Essa pequena é uma parada" (1972), reparem que citei obras dos anos 1970, tempo áureo da chamada Nova Hollywood, movimento que revolucionou a maior indústria do cinema por meio de propostas narrativas inusitadas e criativas, na qual o diretor esteve frontalmente engajado. Mas paralelamente à carreira de diretor de ficções, Bogdanovich realizou pesquisas e estudos sobre a história do cinema e seus trabalhos nesse campo são igualmente valorizados, em filmes que abordaram diretores como John Ford, Orson Welles e estrelas como Natalie Wood. Leia a crítica completa no link: O GRANDE BUSTER KEATON: UMA CELEBRAÇÃO (2018) Dir. Peter Bogdanovich (cinefialho.blogspot.com)
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A MORTE DO DEMÔNIO: A ASCENSÃO 
Dir. Lee Cronin
COTAÇÃO: 6
Impressão: "A morte do demônio: a ascensão" é o sexto filme de uma das mais famosas franquias de terror. Esse é um terror gore que consegue manter o espectador tanto com uma sensação de medo quanto de tensão. Destaco o ótimo trabalho de som do filme, além dos bons efeitos visuais que a obra proporciona. A maneira como o demônio se prolifera, evidente que é sempre por questões práticas muito forçadas, aqui como um livro de magia e um LP descobertos com uma fala de um padre que lutou contra o mesmo mal, com poder de fazer renascer o demônio e todo o seu mal destrutivo. Abstraindo esse contexto rocambolesco inicial, o que torna interessante na trama é o núcleo central ser formado por personagens de uma mesma família, o que confere uma leitura sobre essas relações, já que o demônio se apossa primeiramente da mãe da família e usa de sua consciência para seduzir ou atacar os seus entes familiares. Evidente que os efeitos e os sustos se tornam mais prioritários (e são de excelência e bem usados) no desenvolvimento tanto do roteiro quanto no exercício da direção, assim como se pode notar um abuso dos efeitos sonoros e visuais para poder vender melhor o filme para o espectador, como uma visível estratégia de marketing. Mesmo assim, esse é um filme de terror satisfatório, que sabe enfocar os aspectos diabólicos presentes nas relações humanas. O elenco principal e o de apoio funcionam muito bem, e exploram bem alguns subtextos inseridos, como o do abandono paterno, a falta de tempo da mãe com os filhos e a maternidade da irmã como uma motivação para querer continuar a viver.     
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A INCRÍVEL HISTÓRIA DA ILHA DAS ROSAS
Dir. Sydney Sibilia
COTAÇÃO: 7 
Impressão: Sydney Sibilia vem se destacando por filmar a partir de histórias reais inusitadas, que poderiam tranquilamente serem totalmente ficcionais, é o caso de "A incrível história da Ilha das Rosas", realizado em 2020. Seu filme mais recente (já resenhado por nós aqui no álbum) "Mixed By Erry" (2023) também narra uma história verídica esdrúxula. Um dos destaques de "A incrível história..." está na narrativa cativante, tomada por personagens sedutores, bem demarcados dramaticamente e na composição física, que seguram a história desde o início. Sibilia demonstra nos seus filmes dominar muito bem a arte do roteiro e da direção, mesmo que os enredos sejam essencialmente convencionais. Há ainda um elemento de humor bem dosado que se equilibra no tom certo tanto das situações em si quanto das interpretações. Na trama, que se passa nos ano de 1968, Giorgio Rosa (Elio Germano) é um engenheiro irrequieto que não se contenta com pouco, e em sua ânsia por liberdade, resolve construir uma ilha onde funda um país independente, o que o torna alvo das autoridades políticas da Itália, das Nações Unidas e do Vaticano, que se incomodam com as liberalidades que são estimuladas pelo Presidente da Ilha, o próprio Giorgio Rosas, eleito democraticamente por seus únicos cinco moradores: um alemão extraditado (Tom Wlaschiha), um filho de mafioso (Leonardo Idi), uma bartender menor de idade (Violetta Zironi) e um náufrago. A liberdade pleiteada pela Ilha das Rosas incomoda os poderosos com as liberdades festivas que deliberadamente ocorrem por lá. Apesar de verdadeiro, esse fato possui um simbolismo fantástico para a época, por sintetizar o desejo mundial de liberdade de uma geração. 
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REFRIGERANTE DE MENTA
Dir. Diane Kurys
COTAÇÃO: 8
Impressão: 
"Refrigerante de menta" é um daqueles filmes que tem como mote a repressão nas escolas francesas nos anos 1960, aqui, no caso, ambientada uma escola de mulheres. Anne e Frédérique são duas irmãs que estudam lá e provam diariamente o quanto é difícil levar uma vida saudável em um ambiente repressor. A direção de Diane Kurys consegue aliar uma leveza narrativa com uma forte camada crítica na história. A fotografia naturalista atinge limites raros de beleza nos planos, e a diretora imprime enquadramentos precisos, inclusive alguns closes expressivos que enchem a tela de encantamento. A direção de atores é outro ponto crucial, as interpretações das jovens estudantes são primorosas e enaltece uma rebeldia possível e compatível com suas famílias de classe média francesa. O maior acerto desse filme é centrar a história nessas duas irmãs, mostrando o duro processo de amadurecimento em um mundo hostil e dominado por uma masculinidade tóxica, basta lembrar dos diálogos que sempre lembram da submissão feminina frente ao pai ou ao esposo, fora a rudeza das diretoras da escola (que não permitiam maquiagem nem pintar a unha) e a rigidez das professoras. "Refrigerante de menta" retrata uma sociedade em vias de ruir e resgata ainda a importante função das artes no processo de libertação das consciências humanas. Kurys imprime uma visão sensível e delicada de um universo às vésperas de se transformar, lembremos que estamos na França pré-1968, em que as mulheres estão se preparando para dar um novo sentido existencial para suas vidas, e o filme enfoca justamente essa geração que reivindicará as pautas do maio de 1968. São marcantes ainda as inserções de músicas, que ajudam a capturar a atmosfera vivida à época. Frédérique, a irmã mais velha, se junta a uma organização antifascista e arrecada dinheiro para a organização, tendo como consequência a repressão da escola. O final de Anne na praia remete diretamente ao final de "Os incompreendidos" (1959, François Truffaut), obra que por sua vez foi influenciada por "Zero de conduta" (1933, Jean Vigo), cenas que sinalizam uma metáfora da liberdade. Assistir a "Refrigerante de menta" é ratificar a existência de um cinema que continuamente, há gerações, vem pleiteando um mundo mais livre, mesmo que tenha consciência da cruel distância entre o desejo e a realidade.
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MIXED BY ERRY
Dir. Sydney Sibilia
COTAÇÃO: 7
Impressão: "Mixed by Erry" me remeteu logo em seu início à atmosfera dos filmes de Paul Thomas Anderson, sobretudo pelo amor no qual a obra retrata as décadas passadas não tão remotas. Senti falta do filme inserir mais músicas da época retratada, mas talvez a produção não contasse com orçamento para incluir tantas canções. O filme transita entre os anos 1970 e 1990, tendo bastante ênfase na década de 1980. Trata-se de um filme de produção rebuscada e cuidadosa, embora na campo narrativo tudo caminhe com muita fluência, o que proporciona ao público uma fruição agradável. O diretor Sydney Sibilia tem consciência, e isso é bom, que apesar de contar uma história a partir de fatos reais, os teores cômicos e pitorescos são incorporados com grande acerto. O filme perpassa fatos inusitados que ocorreram com os três irmãos Frattasio, que ficaram famosos por serem os maiores vendedores de fita cassete dos anos 1980 na Itália, o que incomodou a indústria fonográfica que deixava de faturar muito dinheiro com a pirataria dos irmãos, que mesmo tendo começado os negócios na modesta cidade de Napoli, na Itália, conseguiram expandir os lucros para outras cidades do país, inclusive as regiões ricas e industriais do Norte da Itália (Milão). Aqui falamos de bilhões de liras, uma soma expressiva para esses irmãos que não pagavam impostos nem nada ao governo, até se tornarem alvo de investigações da Polícia Federal da Itália. Essa é uma história de coragem, de idas e vindas, e de como ganhar dinheiro com comércio ilegal, mas também um tributo amoroso à mídia física e apesar de tratar de um passado relativamente recente, há um clima de nostalgia de um tempo onde se podia se ver uma certa dose de romantismo no mercado capitalista, ainda havia brechas para que pessoas vindas socialmente de baixo ascenderem criativamente, mesmo que fosse por meios questionáveis, no caso específico de "Mixed By Erry" com a pirataria.               
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ASTEROID CITY
Dir. Wes Anderson
COTAÇÃO: 6
Impressão: "Asteroid City" é uma parábola satírica dos Estados Unidos dos anos 1950, bem ao estilo do diretor Wes Anderson. Toda a concepção visual do filme lembra muito uma animação, tal a limpidez e as cores utilizadas por Anderson. A obra guarda essa concepção bem própria de Anderson, onde a imagem sempre esbarra na fantasia e em um mundo que flerta com o ilusório. Tudo é exageradamente simétrico, aliás, bem ao tradicional gosto do diretor. Apesar de todo o cuidado visual e estilístico de sempre, "Asteroid City" fica essencialmente abaixo de outras obras do diretor, como "A ilha dos cachorros" (2018), "O grande Hotel Budapeste" (2014), "Moonrise Kingdom" (2012), apenas para nos atermos a algumas. Leia a crítica completa no link: ASTEROID CITY (2023) Dir. Wes Anderson (cinefialho.blogspot.com)
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DISCO BOY
Dir. Giacomo Abbruzzese
COTAÇÃO: 4
Impressão: "Disco Boy" que remeteu de imediato a um filme que assisti recentemente, o instigante "Bom trabalho", da diretora francesa Claire Denis. "Disco Boy", assim como o filme de Denis também faz uso de um treinamento para soldados que vão lutar na África, e narra igualmente a crise existencial de seu protagonista Alex, cuja performance final, de certa forma, emula novamente ao filme francês. Crítica completa no link: DISCO BOY (2023) Dir. Giacomo Abbruzzese (cinefialho.blogspot.com)
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VIAJANDO COM OS GIL / NA CASA COM OS GIL
Direção Geral: Andrucha Waddington
COTAÇÃO: 8
Impressão: As  séries "Na casa com os Gil" e "Viajando com os Gil" são aquelas delícias que só mesmo a nossa música brasileira poderia nos presentear. A série vai muito além do que poderia imaginar ao transpor a ideia de documentar uma reunião de pré-produção e turnê de um grande artista brasileiro. Não é sobre Gil, não é sobre a sua família ou sobre música. O que a série revela são pessoas vivendo uma magia por onde perpassa um cotidiano no qual um amplo processo de aprendizado está em curso. Ler a crítica completa no link: VIAJANDO COM OS GIL (2023) e EM CASA COM OS GIL (2022) Direção Geral Andrucha Waddington (cinefialho.blogspot.com)
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ENSAIOS SOBRE YVES KLEIN (Crítica e ensaio)
Dir. Patrícia Niedermeier
COTAÇÃO: 10
Impressão: A arte, e aí podemos incluir o cinema nessa discussão, anda fria de tão planejada que está. A arte como um produto calculado do marketing, presa aos grilhões de "se fizermos assim, ganhamos mais dividendos". Ao assistir a "Ensaios sobre Yves" pensei muito sobre isso, sobre o compromisso da arte perante ela mesma e ao mundo e os seres que nele habitam. Para a crítica e o ensaio completos ver os links em seguida: ENSAIOS SOBRE YVES (2023) Dir. Patrícia Niedermeier (A crítica) (cinefialho.blogspot.com)

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MULHERES EM AUSCHWITZ - ESCRITAS DE RESISTÊNCIA
Dir. Patrícia Niedermeier e Regina Miranda
COTAÇÃO: 8
Impressão: Tem obras que devido à temática são difíceis de assistir, porém necessárias ao extremo. Encaixaria "Mulheres em Auschwitz" nesse rol. Falar de Auschwitz é sempre algo que remete à aspereza, em especial por nos fazer lembrar de gerações de famílias que foram sacrificadas pela violência política do nazismo. "Mulheres em Auschwitz" resgata novamente essa história, tantas vezes já filmada, mas o faz pelo viés de escritoras que passaram pela experiência exasperante do campo de concentração mais cruel que o mundo conheceu. Mas vale mencionar que apesar do tema rugoso, a narrativa escolhida enveredou o filme para uma abordagem mais poética, o que torna tudo menos cru, e esse viés permite que o filme consiga navegar e passar por um mar tão turbulento e revolto. Leia a crítica completa no link: https://cinefialho.blogspot.com/2023/08/mulheres-de-auschwitz-escritas-de.html
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O PAÍS DA PORNOCHANCHADA
Dir. Adolfo Lachtermacher
COTAÇÃO: 7
Impressão: Quase sempre, os documentários possuem um laço afetivo entre o realizador e o objeto de seu filme a ser retratado. Em "O país da pornochanchada" não é diferente. Adolfo Lachtermacher é filho de Saul Lachtermacher (1926-1982), um dos cineastas que fez carreira dirigindo nos anos 1970 e no início dos anos 1980, algumas pornochanchadas. O dispositivo utilizado por Adolfo é o de encontrar a cópia perdida de um filme do pai. Bem diferente da proposta, relativamente recente, do documentário de Fernanda Pessoa, "Histórias que o nosso cinema (não) contava", lançado em 2018, que sem narração em off, tentava dar sentido a esse grupo de filmes apenas costurando na montagem cenas significativas e expressivas de diversas obras da pornochanchada. Leia a crítica completa no link: https://cinefialho.blogspot.com/2023/08/o-pais-da-pornochanchada-2022-dir.html 
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CAPITU E O CAPÍTULO
Dir. Julio Bressane
COTAÇÃO: 9
Impressão: "Capitu e o capítulo" poderia ser mais uma das adaptações cinematográficas realizadas a partir do nosso maior escritor, mas um detalhe se não fosse dirigido por Julio Bressane, pelo nosso cineasta mais instigante e provocador dos que ainda estão em atividade. A carreira profícua desse realizador é conhecida, seus filmes estão sempre a mobilizar a uma plateia que em anos de atividade do diretor esteve presente, desejosa por descobrir quais mistérios Bressane reservou em seu novo trabalho. Leia a crítica completa no link: https://cinefialho.blogspot.com/2023/08/capitu-e-o-capitulo-2023-dir-julio.html
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IMPERMANÊNCIA
Dir. Guto Neto
COTAÇÃO: 8
Impressão: Uma das possibilidades instigantes presente no gênero documentário é o de trazer à luz temas e personagens importantes que muitas vezes estão à sombra do grande público. Esse é o caso de "Impermanência", do diretor Guto Neto, ao propiciar um mergulho no processo criativo do dançarino e coreógrafo Márcio Cunha. O filme de Guto é de uma sensibilidade tocante e inteligente na maneira de conduzir o personagem e de revelar o seu profundo trabalho. Ler a crítica completa no link: https://cinefialho.blogspot.com/2023/08/impermanencia-2023-dir-guto-neto.html
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OPPENHEIMER
Dir. Christopher Nolan
COTAÇÃO: 3
Impressão: Se tem algo que caracteriza o cinema de Christopher Nolan é a inconfundível tendência para o exagero e em "Oppenheimer" não é diferente. Muitos podem tolerar esse aspecto hiperbólico de suas obras, mas confesso que estou no grupo que fica extremamente incomodado, esse impulso em sublinhar os momentos de emoção e tensão que já estão postos nos diálogos, na câmera e na interpretação dos atores. "Oppenheimer" chega a ser agressivo, em especial para os ouvidos, que sofrem com a falta de sutileza em várias cenas. Nolan abusa na maneira de inserir a música no filme e realiza um das obras mais torturantes no que tange ao didatismo sonoro, com sucessivas reiterações desnecessárias. Inclusive, a música do sueco Ludwig Göransson tem momentos que contribui pouco para a dramaturgia ao chamar mais atenção do que o próprio enredo. Link da crítica completa no link: OPPENHEIMER (2023) Dir. Christopher Nolan (cinefialho.blogspot.com) 
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MISSÃO IMPOSSÍVEL - ACERTO DE CONTAS PARTE 1
Dir. Christopher McQuarrie 
COTAÇÃO: 6
Impressão: A franquia Missão Impossível chega ao sétimo filme e o aproximo a uma ideia de blockbuster também presente em uma outra franquia: John Wick, em que as cenas de ações falam mais alto do que um bom enredo. Em "Missão Impossível - acerto de contas parte 1", a história é um filete, um pequeno pretexto para que uma série de cenas de ações se enfileirarem, uma após a outra, até que na cena final, o suspense atinge o ápice, em mais uma cena mirabolante passada dentro de um trem nos belos e frios alpes austríacos e cuja uma moto voa pelos ares. Tom Cruise entrega o de sempre, muito vigor, apesar da idade, em uma cena inacreditável rodada sem dublê (corre a lenda de que ele filmou 6 vezes a mesma cena, mesmo que no primeiro take a cena já fosse bem-sucedida). Mas a graça do filme, sem dúvida, está nas 4 mulheres que contracenam com Cruise: Grace (Hayley Atwel), Ilsa (Rebecca Ferguson), Viúva Branca (Vanessa Kirby) e Paris (Pom Klementieff). Cada uma delas, esbanjam versatilidade, agilidade e força na medida certa. O mais incrível é como o filme consegue criar tantas cenas em torno de um simples objeto (que na verdade são duas chaves que juntas formam uma só) e mesmo assim desencadear tantas cenas. Para quem se diverte com perseguições de carro e moto, "Missão Impossível 7" é um delírio, pois há muitas delas, sempre com aquelas piadinhas babacas tão comuns em cenas como essas. Ao que tudo indica, a segunda parte teremos muitas cenas subaquáticas, o que deve fascinar ao público afeito aos filmes de ação. A sequência do trem, indubitavelmente é a mais interessante e eletrizante, ainda mais depois que uma ponte explode instantes antes do trem passar por ela. Esse é um filme que parece um ensaio em que a produção parece dizer: "vamos exercitar fazer umas cenas de ação até  elas ficarem fodas!" "Missão impossível 7" irá surpreender e impactar muita gente, em especial aos que vibram com cenas de ação passadas em lugares belos, como Roma, Veneza, Áustria, desertos deslumbrantes, e tantos outros mais, que além de impressionar, fazem a festa do fotógrafo do filme. Se Hollywood tem dificuldades em dar a volta por cima por meio de roteiros bem trabalhados, não podemos tirar deles o mérito de conseguir realizar filmes que prendem o espectador apenas com o desenvolvimento de cenas de ação, mesmo que a história passe ao largo. Sem dúvida, este é um talento que precisa ser reconhecido em alguns blockbusters recentes, inclusive nesta franquia. Talvez haja até uma metáfora de que existe um certo sistema que domina tudo e que nós estamos aqui apenas vivendo uma ilusão de vida que eles criaram, mas sinceramente, acho que é uma viagem que passou apenas pela cabeça desse crítico que vos fala.
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CRÔNICA DE ANNA MAGDALENA BACH
Dir. Danièle Huillet e Jean-Marie Straub
COTAÇÃO: 8
Impressão: Logo no primeiro longa realizado pelo casal Huillet e Straub o estranhamento se faz presente. "Crônica de Anna Magdalena Bach" é um filme incomum e original em sua forma. A proposta dos diretores pode soar surpreendente, porque realmente o é, há um impacto inevitável ao nível da opção narrativa. Estamos defronte de um estilo muito próprio, de um cinema que nos desafia a decifrá-lo. Este é um filme biográfico, mas não no sentido convencional, aliás, bem longe disso. Aqui Bach chega diferente, como um protagonista, sobretudo na música, não se trata da vida diária dele, mas de sua carreira. Ler a crítica completa no link: CRÔNICA DE ANNA MAGDALENA BACH (1968) Dir. Danièle Huillet e Jean-Marie Straub (cinefialho.blogspot.com)
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MÁQUINA DO DESEJO
Dir. Joaquim Castro e Lucas Weglinski
COTAÇÃO: 8 
Impressão: "Máquina do desejo" é um documentário sobre um furacão chamado Zé Celso Martinez Corrêa e seu poder de agregar uma trupe de artistas e admiradores em torno de um projeto político, cultural e artístico tendo o Teatro Oficina como um campo aglutinador e propulsor de energias humanas transformadoras. O grande mérito do documentário da dupla Joaquim Castro e Lucas Weglinski é de embarcar na viagem de Zé Celso, em vez de tentar explicar ponto a ponto o rico e imersivo processo de criação que se orbitou naquele espaço durante 60 anos. Ler a crítica completa no link:  https://cinefialho.blogspot.com/2023/07/maquina-do-desejo-2023-dir-joaquim.html
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FOGO-FÁTUO
Dir. João Pedro Rodrigues
COTAÇÃO: 8
Impressão: O cinema do português João Pedro Rodrigues vem chamando atenção aqui no Brasil desde que filmou o seu primeiro longa "Fantasma" (2000) e chegou ao ápice com "O ornitólogo" (2016), com um cinema erótico, queer e sempre contundente. Agora, com "Fogo-fátuo", a sua filmografia é acrescida de leveza, com um híbrido de musical e comédia de costumes. O filme português ganhou aqui no Brasil, a justa companhia na distribuição nos cinemas, do premiado curta brasileiro "Fantasma neon", de Leonardo Martineli, ambos exibidos em uma sessão única. Essa foi uma ótima iniciativa da distribuidora Vitrine Filmes, já que o diálogo e as afinidades entre os dois filmes são notórias. Abaixo, após o texto acerca de "Fogo-fátuo", os leitores poderão também conferir a minha análise de "Fantasma neon". Ler a crítica completa no link: https://cinefialho.blogspot.com/2023/07/fogo-fatuo-2022-dir-joao-pedro.html
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KANSAS CITY
Dir. Robert Altman
COTAÇÃO: 7
















Impressão: "Kansas City" (1995) representa bem o cinema de Robert Altman realizado nos anos 1990, que compõe junto com "O jogador" (1992), "Shortcuts" (1993), "Prét-á-Porter" (1994), uma fase repleta de histórias rocambolescas, recheadas de tramas paralelas e uma direção muito fluida. Ler a crítica completa no link: https://cinefialho.blogspot.com/2023/07/kansas-city-1995-dir-robert-altman.html
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SEUS OSSOS E SEUS OLHOS
Dir. Caetano Gotardo
COTAÇÃO: 8
Impressão: Uma primeira observação a fazer acerca do surpreendente "Seus ossos e seus olhos" é que ele se mostra como um filme que coloca a própria narrativa como protagonista. Mas não só. Além das palavras que costuram essa narrativa, os corpos também estão ali atravessando tudo que é dito. Ler a crítica completa no link:
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BOM TRABALHO
Dir. Claire Denis
COTAÇÃO: 9 
Impressão: "Bom trabalho" é um trabalho muito consistente da diretora Claire Denis, com a colaboração luxuosa da fotografia, e em especial da câmera de Agnés Godard. Cada imagem tem um requinte diferenciado, uma expressividade que deixa os diálogos sistematicamente em segundo plano. O filme me remeteu a filmes como "Querelle", de W. Fassbinder, pelo culto aos corpos masculinos que reiteradamente faz e me fez pensar ainda em "Apocalipse Now", de Francis Ford Coppola, pela crítica ao militarismo e seus rituais. A câmera tem uma fixação pelos corpos dos soldados na mesma medida em que o oficial Galoup (Denis Lavant) fica ensimesmado por um soldado de sua legião. O filme reproduz os pensamentos e as memórias de Galoup sobre essa experiência incomum e dilacerante em um país da costa africana. O cinema de Claire Denis se expressa como profundamente sensitivo, extremamente tátil, que intenciona a sensação do toque, que induz a ele e nesse sentido é provocador por ensejar a beleza no espectador. Interessante como Claire Denis constrói algo de exótico, não em relação ao país africano, mas sim uma estranheza vinda do próprio comportamento dos militares, algo entre o belo e o triste, uma sensação de solidão e vazio. As constantes imagens dos treinamentos mostram um sistema humano arcaico, em que homens são tratados como máquinas sem sentimentos e o quanto uma hierarquia só serve como um meio de corromper os subordinados. Me fez lembrar também de "Nascido para matar", clássico de Kubrick que denunciava os horrores dos campos de treinamentos preparatórios para a guerra do Vietnam. Com "Bom trabalho" Denis reafirma o seu olhar crítico apurado para o humano e entrega uma performance final inesperada, que subverte a construção  social de um corpo, um momento em que Galoup pode enfim soltar a franga e mostrar que até os machões mais renitentes podem relaxar e se entregar à vida sem os freios impostos pelo social.
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A GAROTA RADIANTE
Dir. Sandrine Kiberlain
COTAÇÃO: 7
Impressão: Pode-se dizer que estreia da atriz Sandrine Kiberlain na direção resultou em um filme no mínimo interessante. Sandrine está muito à vontade por detrás das câmeras ao imprimir uma narrativa pulsante e um ótimo trabalho de direção de atores, em especial pela presença realmente radiante da bela e jovem atriz Rebecca Marder no papel principal. A trama se passa em meio a uma Paris ocupada, embora Sandrine imageticamente apague isso, não há uma imagem sequer de um soldado alemão, portanto a ocupação não está como em todos os filmes que retratam à época. Por trás de uma menina cheia de sonhos e alegria de viver tem um futuro que Sandrine prefere não comentar, apenas nos mergulha na vivacidade dessa menina judia, Irene, em uma França prestes a ser dizimada pelos nazistas. A todo o instante surge um clima de medo nas entrelinhas ou em uns pequenos indícios que a diretora insere na história, como o do pai escondendo a recusa da entrada dela no Conservatório por ser judia. O filme nada mais narra do que a descoberta da vida por uma jovem que por acaso nasceu judia em um momento em que um sistema político resolveu destruir um povo. É a alegria a maior protagonista do filme e o quanto a imbecilidade é capaz de acabar com esse princípio básico da vida. "A garota radiante" vale pelo que vemos, mas também pelo não vemos, que são a bestialização e a violência na política, principalmente quando ela descamba para uma ideia de extermínio. A cena final é antológica por registrar o último instante de alegria dessa jovem mulher. O que vem depois, infelizmente já sabemos.        
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A PROFESSORA DE VIOLINO
Dir. Ina Weisse
COTAÇÃO: 8
Impressão: "A professora de violino" trata da difícil carreira de musicista, do quanto que é preciso ensaiar para que um indivíduo consiga seguir no ofício. Desde criança, se precisa ensaiar de maneira insana, horas e horas a fio. Anna Bronsky (Nina Hoss) é um típico exemplo dessa entrega, embora não tenha continuado a carreira de concertista para se tornar uma exigente professora de violino. Pode-se dizer que o filme é sobre perfeição e erro, o quanto nós podemos até ambicionar o primeiro e renegar o segundo, mesmo sabendo que esse é uma tarefa inglória. O ritmo que a diretora Ina Weisse imprime ao filme é o de a cada plano injetar mais um pouco de carga emocional na trama, de criar diversas tensões em torno dos personagens. Pode-se dizer ainda que esse é um filme de personagem, de Anna e seus limites, do quanto ela suporta a pressão imposta pela profissão. O filme aborda a relação dela com o pai autoritário, com o marido compreensível, o aluno que precisa domar e o filho incomodado com o fato da mãe dar mais atenção ao aluno do que a ele (que também estuda para ser músico como a mãe). Ser músico é pressionar e ser pressionado, é um caminho de via dupla, de conviver com a repetição e o erro cotidiano. Tamanha pressão torna Anna uma pessoa mais falível, insegura como música, mesmo que o amante a incentive a voltar a tocar novamente em público. A tragédia nesse filme soa como uma metáfora inevitável acerca da pressão de ser reconhecido, o quanto a saúde mental dos músicos de concerto influencia no cotidiano desses indivíduos. A sequência final funciona como mais uma metáfora, o rosto de Anna dividido pela parede, mostrando que a inteireza não faz parte do universo humano.  
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CONTO DE CINEMA
Dir. Hong Sang-Soo
COTAÇÃO: 7
Impressão: Os filmes do coreano Hong Sang-Soo são hoje muito badalados por aqui. Mas foi só depois de "A visitante francesa" (2012), estrelado pela icônica atriz Isabelle Huppert, essa febre começou, embora a carreira do diretor já estava em curso há um bom tempo, pelo menos desde os anos 1990, filmes esses todos inéditos por aqui, fato este que lança uma enorme obscuridade sobre a obra dele antes do sucesso comercial aqui no Brasil. Por isso, cada filme realizado antes de 2012 lançado por aqui é motivo de festa. A plataforma MUBI incluiu recentemente um filme de 2005, "Conto de Cinema". Ler a crítica completa no link: https://cinefialho.blogspot.com/2023/07/conto-de-cinema-2005-dir-hong-sang-soo.html
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INDIANA JONES E A RELÍQUIA DO DESTINO
Dir. James Mangold
COTAÇÃO: 7
Impressão: O quinto Indiana Jones veio à luz sem a batuta de Spielberg, já que James Mangold assume a direção para surpreender e não decepcionar os fãs do heroi arqueológico, agora já quase transformado também em uma relíquia. A lenda mítica que Harrison Ford transbordou com seu carisma desde a década de 1980 para compor Indiana Jones, agora é deixado um pouco de lado para surgir um Indiana mais humanizado, como um heroi envelhecido sim, mas sem perder a dignidade, a bravura e ganhando mais ternura. O novo filme da franquia Indiana Jones é uma homenagem, e uma revisita, não só a si mesma, mas também a uma outra que foi contemporânea, no caso, "De volta para o futuro". Ler a crítica completa no link: 
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CANÇÃO AO LONGE
Dir. Clarissa Campolina
COTAÇÃO: 8
Impressão: "Canção ao longe" começa com uma imagem exterior: a de uma casa sendo demolida, parede a parede, como se algo de nós desabasse junto. Com as imagens que se seguem, vemos que essa imagem reflete mais a interioridade da personagem Nina (Mônica Maria) do que simplesmente o ruir de uma casa. Em alguns momentos, o filme me remeteu a "A Liberdade é Azul" (1993) tanto pelo uso da música sinfônica quanto por retratar uma personagem feminina querendo encontrar um novo caminho em sua vida, embora o peso do passado lhe impeça. Ler a crítica completa no link: https://cinefialho.blogspot.com/2023/07/cancao-ao-longe-2022-dir-clarissa.html
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OCTÁVIO TERCEIRO - O IMPERADOR
Dir. Cavi Borges
COTAÇÃO: 8
Impressão: O primeiro registro que preciso fazer após assistir a "Octávio III - o imperador" é a paixão e a verdade com que o diretor Cavi Borges trata o seu personagem. São imagens envoltas em afetos, emoções que saltam da tela para a plateia. Há uma admiração explícita e que se explicita a cada imagem que vivenciamos, um exalar constante de sensações que transborda e nos toma como espectadores. Ler a crítica completa no link: https://cinefialho.blogspot.com/2023/06/octavio-iii-o-imperador-2023-dir-cavi.html
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VENTO DA FRONTEIRA
Dir. Laura Faerman e  Mariana Weis
COTAÇÃO: 4
Impressão: "Ventos da fronteira" é um documentário que de certa forma decepciona por optar em mostrar dois lados de uma questão que se desenha como injusta e desproporcional, de um lado ricos fazendeiros, de outro, os povos originários. Uma pergunta fica no ar: para que mostrar a visão de ricos escrotos, de uma advogada formada para apenas defender os interesses de fazendeiros, como ela, que mesmo que não ocupem nem há 100 anos uma terra, se acham no direito de expulsar os centenários povos originários? Se partirmos da ideia que esses fazendeiros representam uma visão oficial que há mais de 500 anos dominam o imaginário social. O documentário, no início, se esforça em criar uma atmosfera poética, mas que depois é abandonada para retornar apenas no finalzinho do filme. Mesmo que a intenção das diretoras seja demarcar as diferenças entre os dois grupos sociais, o resultado é que esse dar a voz torna-se problemática, pois ele vem adornado de uma ciência jurídica da personagem da fazendeira/advogada. Esse viés compromete o resultado final desse documentário que expressa a visão de grupos sociais desprezíveis. Seria melhor conhecer apenas a cultura e a visão dos povos originários, oprimidos historicamente, ao invés de compartilhar ideias do absurdo fascista que predominou no cenário brasileiro de 2016 (Governo Temer) até 2022 (o horror que foi o Governo Bolsonaro). 
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A VIDA SÃO DOIS DIAS
Dir. Leonardo Mouramateus
COTAÇÃO: 7












Impressão: "A vida são dois dias" é um filme sobre relações humanas e arte, o quanto elas podem resistir ao caos da vida. Durante a projeção fui remetido constantemente a algumas narrativas do cinema português de Manoel Oliveira, em especial um de sua safra final, como "Singularidades de uma rapariga loura" (2009). Mas a forma como os corpos se apresentam, a teatralidade de gestos e ações dos personagens são algo muito próprios de Mouramateus, esse jovem realizador que vem sedimentando um trabalho potente, mesmo que algo de Oliveira esteja ali constantemente evocado. Ler a crítica completa no link:  https://cinefialho.blogspot.com/2023/06/a-vida-sao-dois-dias-2022-dir-leonardo.html
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CORPOLÍTICA
Dir. Pedro Henrique França
COTAÇÃO: 7
Impressão: "Corpolítica" é um documentário que narra a campanha para vereador, em 2020, de três candidates LGBT em diferentes municípios e a ampla luta pelos direitos LGBT no Brasil e o esforço por preencher um vazio político no qual a comunidade LGBT foi historicamente renegada no país. Vale lembrar que esse filme se constrói durante o período de governo fascista no Brasil, o que o torna também um precioso material de resistência das expressões LGBT nos últimos anos. Quanto mais o ex-presidente atacava a comunidade LGBT, mais cresceu a necessidade de luta política por existir, inclusive na mobilização política, na representatividade LGBT nas esferas políticas de poder legislativo. O caso mais emblemático foi o de Érika Hilton, a mulher mais votada na história de São Paulo para vereadora. "Corpolítica" também explora a história das candidatas, de seus corpos, suas motivações, com destaque para a trajetória de Mônica Benício, viúva de Marielle Franco, que se candidata para continuar a história bruscamente interrompida de sua amada. O filme fortalece bastante essa importante luta que passa pelo direito à existência e para se ter voz e representatividade, para trazer à luz corpos que antes estavam nas sombras. Mesmo que o filme se alongue por demais e se repita aqui e ali, vale sublinhar e destacar a legitimidade e a força das narrativas que intrinsecamente ele traz.
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TINA
Dir. Daniel Lindsey e T.J. Martin
COTAÇÃO: 5
Impressão: "Tina" é um documentário sobre a diva pop e roqueira Tina Turner. O filme oscila entre fatos de sua vida privada e da carreira como cantora, desde o encontro dela artístico e sentimental com o guitarrista Ike até os últimos dias de vida, onde encontrou o grande amor que tanto desejou. A narração parte do áudio da entrevista que Tina deu para "People", em 1981, e de uma entrevista mais atual que os dois diretores fizeram com ela. O documentário sublinha o tempo todo o passado com Ike, de como Tina ficou prisioneira eternamente por toda a vida dessa relação, da insistência da imprensa em sempre perguntar sobre esse passado traumático, em que sofreu de Ike abusos e severas agressões. Fiquei imaginando se a HBO escolheu bem os diretores, se não era uma história para ser dirigida por uma mulher, que entenderia melhor que a abordagem escolhida fortaleceu esse sentimento de aprisionamento de Tina, que ela merecia um filme libertador, que a tratasse como uma artista e uma pessoa gigante que é. Há um desejo de sublinhar o lado sensacionalista da história, no intuito de gerar emoções deliberadas na plateia, o que me incomoda ao extremo. Tina merecia um documentário que a colocasse no lugar de direito no cenário da música, algo que salientasse o grande talento que tinha para a música e para romper barreiras como mulher. Ela não merecia a reafirmação da sombra de Ike do primeiro minuto até o fim do documentário. Alguns números musicais salvam o filme da catástrofe completa. Infelizmente, um filme realizado para derramar lágrimas na plateia, que foge de uma reflexão mais profunda do papel das mulheres na sociedade contemporânea.                      
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BAILE SOUL
Dir. Cavi Borges
COTAÇÃO: 8
Impressão: 
"Baile Soul" é um daqueles documentários potentes sobre um Rio de Janeiro que existiu, e ainda existe, na memória de uns poucos, e que Cavi Borges explosivamente nos resgata. São um turbilhão de imagens, sons e memórias eletrizantes que o filme inspira, como uma viagem no tempo, uma alegria musical e um resgate de uma identidade e de uma consciência de ser black, de afirmatividade do corpo negro conectado por uma experiência coletiva. Essa é a essência de "Baile Soul", documentário poderoso sobre o cotidiano do subúrbio carioca, sobre a reinvenção cultural de um povo por meio da cultura. Link para a crítica completa: BAILE SOUL (2023) Dir. Cavi Borges (cinefialho.blogspot.com)
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BYE BYE AMAZÔNIA
Dir. Neville D'Almeida
COTAÇÃO: 9
Impressão: 
A primeira exibição pública de "Bye bye Amazônia" foi marcada pela catarse coletiva. Poucos filmes representam tão exemplarmente a atual e histórica catástrofe brasileira como ele. Nele ecoam o desespero antropológico de Darcy Ribeiro, a força primitiva e artística de Glauber Rocha, a beleza sinfônica e redentora do maestro Heitor Villa-Lobos e a ancestralidade dos povos originários e negros do Brasil. "Bye bye Amazônia" pode ser definido como uma sinfonia agônica da vida amazônica, uma poesia performática, um grito nascido do coração da floresta, um desabafo preso na garganta de um povo que implora por socorro a mais de 500 anos. Ler crítica completa no link: BYE BYE AMAZÔNIA (2023) Dir. Neville D'Almeida (cinefialho.blogspot.com) 
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ATÉ AMANHÃ
Dir. Ali Asgari
COTAÇÃO: 8
Impressão: "Até amanhã", de Ali Asgari, é mais uma boa mostra da eficiência e maturidade do cinema iraniano. Desde o sucesso dos filmes de Asghar Farhadi ("A separação", "O apartamento" e "Passado" ) o cinema iraniano deu uma guinada para o realismo social, com tramas bem cotidianas, filmadas sempre para ressaltar ações físicas dos personagens, quase como um documentário a registrar a dinâmica corriqueira da sociedade iraniana. O drama de "Até amanhã" vai se avolumando cena a cena, na medida em que a personagem da jovem Fereshteh (Sadaf Asgari), uma estudante vinda do interior, que para pagar as contas precisa trabalhar em uma gráfica em Teerã, mas em uma emergência tem que deixar o filho com alguém, para evitar que os seus pais descubram a existência do bebê durante uma visita que farão à filha. Ali Asgari se utiliza de uma sucessão de plano-sequências para narrar com a devida força a saga sofrida pela jovem Fereshteh. O diretor aproveita o realismo para denunciar a hipocrisia e a opressão de uma sociedade que embora avançada tecnologicamente (os celulares, carros dão essa medida) e urbana, se mostra profundamente hierarquizada e com leis retrógradas que colocam as mulheres em permanente de vítimas de agressão. Fereshteh precisa dar carinho e proteção à filha recém-nascida e dar conta do emprego, do estudo e dos abusos do Estado. Um diretor de hospital tenta estuprá-la em troca de um favor, e não bastando este absurdo, ela tem que conviver com a indiferença e os afazeres das pessoas a sua volta. Fereshteh conhece de uma só vez tanto a opressão das leis patriarcais do Irã quanto a impessoalidade típica do regime capitalista, que assoberba as pessoas de atribuições, não dando margem para uma vida social saudável. "Até amanhã" é um filme forte, que sabe transitar frontalmente pelos temas cruciais e contraditórios, como o do desamparo e o da coragem de encarar o sistema de frente. Podemos dizer que Fereshteh é uma típica heroína do mundo contemporâneo opressor. Um filme que sabe ir no ponto, e é arguto ao cutucar as feridas abertas do frágil sistema político iraniano.               
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VISÕES DE RAMSÉS
Dir. Clément Cogitore
COTAÇÃO: 6
Impressão: Pelo início do filme, tudo se encaminhava para uma abordagem temática sobre charlatanismo religioso. Mas lá pela metade da história o diretor Clément Cogitore dá uma guinada e o filme começa a transitar por outros caminhos, o da necessidade das pessoas se ampararem uma nas outras nesse mundo dominado pelas redes sociais e o superficialismo. A direção consegue segurar o ritmo e a tensão das cenas. A fotografia garante uma atmosfera pesada, quase sempre em cenas filmadas à noite e uma câmera na mão igualmente a salientar uma inquietação permanente entre os personagens. O elenco dá conta do recado com Ramsés e a gangue de crianças a tocar o terror no próprio bairro. Mas o forte do filme está na evolução das relações entre Ramsés e as crianças, que vai da violência até a ajuda mútua.
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SERGIO LEONE: O HOMEM QUE INVENTOU A AMÉRICA
Dir. Francesco Zippel
COTAÇÃO: 6
Impressão: A tarefa de falar da obra de um cineasta do naipe de um Sergio Leone é sempre de um desafio extremo, afinal o diretor italiano possui obras-primas inquestionáveis como a trilogia dos dólares, "Era uma vez no Oeste" e "Era uma vez na América". O diretor Francesco Zippel, optar por falar da carreira como um todo (inclusive sobre os primeiros épicos dirigidos por Leone no começo da carreira), registrando depoimentos de vários colaboradores que dividiram a estrada com Leone, destaque para a fala emocionada da atriz Jeniffer Conelly, que se descobriu atriz pelas mãos do mestre italiano, e de Ennio Morricone grande ícone musical do diretor. Esses depoimentos são a parte alta do documentário, por revelar detalhes insinuantes da maneira do diretor trabalhar no set de filmagem e pela maneira original de pensar o cinema. Mas a pretensão de falar de toda a obra leva o documentário para lugares instáveis, pois o desnível de análise de uma obra para outra fica bem explicitado. Só "Era uma vez no Oeste", poderia inspirar um filme inteiro sobre ela, assim como "Era uma vez na América". Claro que um filme sobre Leone sempre vale a pena de ser visto, embora o filme de Zippel acabe por não trazer grandes novidades acerca das obras do mestre italiano. 
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EO
Dir. Jerzy Skolimowski
Plataforma: Cinema
COTAÇÃO: 8
Impressão: Esse é um filme inteiramente calcado na história de um burrinho chamado EO, uma fábula tristonha, romântica, com uma crítica social contundente. A fábula é reforçada por uma estilização estética da imagem, às vezes até hiperbólica demais, com o vermelho e azul dominando enfaticamente o visual das cenas, fora um som potencializado pela música ora imponente e ora com incômodos ruídos. É inevitável comparar "EO" de Skolimowski com "Au hasard Baltazar" de Robert Bresson. Em ambos, vemos a crueldade humana como central da história, embora quando passamos para a análise da forma fílmica, eles se distanciam drasticamente na estética. Enquanto Bresson abusa do minimalismo, Skolimowski abusa dos malabarismos técnicos, com a utilização de gruas, drones e movimentos de câmera radicais. Pois é, as aparências quase sempre são enganosas.   
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UÝRA - A RETOMADA DA FLORESTA
Dir. Juliana Curi
COTAÇÃO: 7
Impressão: "Uýra - a retomada da floresta" parte do trabalho e do pensamento da artista trans, não binária, pretíndia (como ela mesma se define) para ressignificar a ideia de convivência entre a humanidade e a natureza, tendo a diversidade como elemento central dessa nova maneira de se posicionar perante o mundo. O filme de Juliana Curi investe nas questionadoras performances da artista para trabalhar esse universo banhado pela periferia, pelos rios caudalosos e a exuberante floresta amazônica. O trabalho da artista possui um peso político muito impactante. É surpreendente a performance que ela faz em um igarapé poluído, completamente assoreado pela ação predatória do homem. Outra questão importante levantada pelo filme é o resgate da ancestralidade, da presença física de gerações passadas como motor cultural de conexão com a floresta, seus saberes e utilidades. "Uýra..." investe ainda na força do cinema queer, na convivência social e no alastramento da ideia de arte e diversidade em uma comunidade dominada pela pobreza. Mesmo que o filme não chegue a empolgar por completo, ele deixa uma marca reflexiva e afirmativa fundamental ao explorar com beleza imagética a obra e a personagem dessa interessante performer. 
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URUBUS 
Dir. Claudio Borrelli
COTAÇÃO: 5
Impressão: "Urubus" tinha muitos elementos que poderiam levá-lo longe, mas infelizmente não é isso o que acontece. Apesar da produção ter esmero, uma fotografia muito bem elaborada, com cenas noturnas muito bem acabadas e boas atuações, o filme soa como ultrapassado em suas proposta realista ao refletir sobre o universo de um grupo de pichadores em São Paulo. A produção é do premiado diretor Fernando Meirelles, que tem uma visível influência em algumas sequências, como a da perseguição de um dos pichadores na favela, onde a montagem muito lembrou ao clássico "Cidade de Deus".  Ler a crítica completa no link: URUBUS (2023) Dir. Claudio Borrelli (cinefialho.blogspot.com)
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TODA UMA NOITE
Dir. Chantal Akerman
COTAÇÃO: 8
Impressão: "Toda uma noite" (1982) é um dos filmes mais inusitados de Chantal Akerman. A obra aborda de maneira fragmentada diversas situações de relacionamentos numa uma única noite. Mais uma vez Chantal investe em pouquíssimos diálogos e numa câmera quase sempre fixa. Ela mostra seu interesse em discutir as relações humanas, em especial, as idiossincrasias inerentes a elas. São encontros e muitos desencontros, uma especialidade de Chantal. Ler crítica completa no link: TODA UMA NOITE (1982) Dir. Chantal Akerman (cinefialho.blogspot.com)
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EU TU ELE ELA
Dir. Chantal Arkeman
COTAÇÃO: 8

Impressão: 
"Eu tu ele ela" é o primeiro longa ficcional de Chantal Akerman. É uma obra seminal da diretora, em que alguns dos seus temas mais recorrentes já estavam presentes, como o tédio humano na contemporaneidade, os planos longos, o deambular da protagonista, o protagonismo feminino, o romance LGBTQIA+ e os diálogos minimalistas. A força do cinema de Chantal ecoa na ousadia narrativa e nos temas abordados. Já nesse trabalho inicial nota-se um esboço de um estilo que seria lapidado nas obras subsequentes. Ler a crítica completa no link: EU TU ELE ELA (1974) Dir. Chantal Akerman (cinefialho.blogspot.com)
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A CIDADE DOS ABISMOS
Dir. Priscyla Bettim e Renato Coelho
COTAÇÃO: 8
Impressão: Em uma época em que o cinema nos proporciona poucos riscos, "A cidade dos abismos" chega como uma grata surpresa. Impregnado pelo experimental, basta observar as citações explícitas a "Limite" (1931) de Mario Peixoto, e outros mais implícitos como "Acossado", de Godard e ao experimentalismo surrealista de Maya Deren (Tramas do entardecer), os diretores Priscyla Bettim e Renato Coelho, passeiam com as câmeras pelas ruas degradadas do Centro de São Paulo (cidade que também é uma das protagonistas do filme), em uma obra em que a história se fragmenta e se esgueira do narrativo. A marginalidade do local se espraia pelos personagens, divididos entre mulheres trans e refugiados africanos. O filme não esquece que o Brasil é o país que mais matou transsexuais no mundo (só em 2022, foram 131 corpos trans assassinados). As permanentes interferências na imagem também muito dizem sobre esse filme que caminha no fio da navalha do experimental, com o uso e abuso de texturas, cores, sombras e até a estética do P&B. Um filme que só poderia ser realizado em São Paulo, que transpira grandes obras como "Anjos da noite" (1987) e "Cidade oculta" (1986), este último tendo Arrigo Barnabé também como ator, músico e intérprete. às vezes, um pouco de ousadia se torna necessário e os diretores nesse "A cidade dos abismos" mostram que não tem medo de arriscar, para a sorte dos espectadores que estão cansados da mesmice cinematográfica que anda assolando nosso cinema, mesmo que aqui ou acolá o filme tenha seus momentos de altos e baixos.
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OS ENCONTROS DE ANNA 
Dir. Chantal Akerman
COTAÇÃO: 9
Impressão: 
"Os encontros de Anna" é mais um trabalho excepcional da cineasta belga Chantal Akerman, um primor de cinema com tempos precisos, uma câmera consciente do processo narrativo, de filme de personagem e de planos perfeitamente azeitados. E a coragem dessa personagem maravilhosa que é Anna? Chantal propõe uma trama profundamente feminista ao mergulhar na alma dessa mulher, que busca em vão nos encontros algum tipo de conexão com o mundo. Ler a crítica completa no link: OS ENCONTROS DE ANNA (1978) Dir. Chantal Akerman (cinefialho.blogspot.com)
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AIR: A HISTÓRIA POR TRÁS DA LOGO
Dir. Ben Affleck
COTAÇÃO: 4
Impressões: 
Ben Affleck a cada filme mostra o quanto esperto é, ou está se tornando. Sabe adentrar no mundo capitalista como poucos. Em "Air: a história por trás da logo" temos mais um capítulo de Affleck perfilando suas habilidades como um estrategista de sucesso, como já havia realizado no oportunista "Argo" (2012), premiado com o Oscar de melhor filme, roteiro adaptado e montagem ao abordar o heroísmo, a inteligência e a superioridade dos Estados Unidos perante aos irracionais terroristas iranianos. Ler a crítica completa no link: AIR: A HISTÓRIA POR TRÁS DA LOGO (2023) Dir. Ben Affleck (cinefialho.blogspot.com)
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MANTÍCORA
Dir. Carlos Vermut
COTAÇÃO: 7
Impressão: 
Depois do ótimo, enigmático e surpreendente "A garota de fogo", o diretor espanhol Carlos Vermut, vem de "Mantícora", uma obra bem mais enigmática do que a anterior, embora sem a contundência dela. O diretor nos conta uma história em que o imaginário prevalece, pois o protagonista Julian (Nacho Sánchez) trabalha como criador de criaturas monstruosas para videogames. Tudo ainda gira em torno da relação desse personagem com outros dois: um menino vizinho, apaixonado por plantas e piano, em especial depois de Julian o salvar de um princípio de incêndio e a jovem Diana (Zoe Stein) que cuida de um pai enfermo. Crítica completa no link: MANTÍCORA (2022) Dir. Carlos Vermut (cinefialho.blogspot.com)
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RETORNO A SEUL 
Dir. Davy Shou
COTAÇÃO: 6
Impressão: "Retorno a Seul" acompanha a história de Freddie, uma jovem mulher coreana que foi adotada por uma família francesa
. Esse retorno à terra natal é abordado pelo diretor Davy Shou como uma jornada de autodescoberta. O filme tem um algo de estranhamento, pois Freddie tem pressa para viver e embarca em algumas aventuras de risco, algumas até escusas. A atuação de Park Ji-Min como Freddie é um dos destaques do filme por ela sempre deixar uma margem para a dúvida e o mistério. A composição fotográfica também fortalece uma aura misteriosa, com o uso de sombras dos ambientes, em especial o apartamento improvisado de Freddie, situado em um anexo de uma boate. Cena a cena, o drama de Freddie pela busca da família de origem, vai tornando sua jornada permeada pela tristeza. Na parte final, o filme dá uma guinada, o que influencia muito o ritmo da história. O diretor passa a impressão de que não sabe qual desfecho quer dar à obra, não conseguindo imprimir um final satisfatório à trama. 
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SCARBOROUGH: UM BAIRRO CANADENSE
Dir. Shasha Nakhai e Rich Williamson
COTAÇÃO: 7 
Impressão: 
"Scarborough - um bairro canadense" retrata a vida de três crianças que precisam sobreviver no ambiente hostil dessa periferia de Toronto, Canadá. Não deixa de ser também um filme-denúncia sobre a sociedade canadense e o quanto as políticas de bem-estar não correspondem mais ao que era a uns anos atrás. O Canadá é sempre propagado como exemplar nas políticas sociais e "Scarborough...", de certa maneira vem atualizar a situação dos que mais precisam de atenção e proteção do Estado. O filme é adaptado do bem-sucedido livro homônimo de Catherine Hernandez. Crítica completa no link: SCARBOROUGH - UM BAIRRO CANADENSE (2021) Dir. Shasha Nakhai e Rich Williamson (cinefialho.blogspot.com)  
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ANTUNES FILHO: DO CORAÇÃO PARA O OLHO
Dir. Cristiano Burlan
COTAÇÃO: 7
Impressão: Cristiano Burlan aborda uma perspectiva diferente ao trabalhar o lado audiovisual do consagrado diretor de teatro Antunes Filho. Basicamente o documentário tem dois momentos principais: a fase onde experimentou adaptar com liberdade artística clássicos da dramaturgia mundial na TV Cultura e a experiência de fazer um filme para cinema (Compasso de espera, de 1973). Essa proposta de Burlan acarretou um desequilíbrio narrativo, pois enquanto os filmes produzidos na TV Cultura são pouco analisados individualmente, a experiência com "Compasso de espera" é bem mais destrinchado por Burlan. Entretanto, as falas de Antunes Filho sobre a sua ideia de cinema são riquíssimas e muito profundas, com grande alcance de pensamento. A primeira parte fica então condicionada a uma fala mais ampla sobre cinema em geral, enquanto vemos imagens dos filmes feitos para a TV Cultura, o que gera alguns desencontros entre imagem e depoimento. Mas o grande momento do filme é a parte final, em que Antunes Filho comenta o filme "Compasso de espera", cujo tema é o racismo estrutural no Brasil e tem o grande ator e diretor Zózimo Bulbul como protagonista. "Antunes Filho: do coração para o olho" é um importante documentário que trata de uma fase pouquíssima conhecida desse dramaturgo tão relevante para a cultura e o pensamento brasileiros. Mesmo que soe irregular aqui e acolá, merece ser visto e discutido tanto pelos amantes do cinema quanto por aqueles que com justiça admiram o trabalho de Antunes Filho.
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INCOMPATÍVEL COM A VIDA
Dir. Eliza Capai
COTAÇÃO: 7

Impressão: O título do filme já indica um primeiro ponto a se sublinhar: o quanto difícil é assistir a esse documentário. E para reforçar esse sentimento, nos créditos iniciais, somos alertados sobre sensações que o filme pode causar. O desafio de "Incompatível com a vida" é separar formato utilizado pela diretora e sofrimento das personagens, ainda mais que tudo que é retratado no filme possui um viés profundamente pessoal, com a própria diretora vivendo uma gravidez que precisou ser interrompida abruptamente. Eliza conta não só a sua história como a de outras mulheres e outros casais que passaram pelo mesmo problema. Essas mulheres têm os seus depoimentos tomados por uma câmera que se posiciona frontalmente a elas, o que acentua uma sensação de intimidade nessas falas. Tudo o que acontece na tela gera uma imediata empatia e inspira uma profunda tristeza no espectador, pois um momento que seria de grande alegria acaba se transformando em dor e morte, uma perda tão impactante que em alguns casos, inclusive a da própria Capai, envolve até separação de casais. "Incompatível com a vida" segue a cronologia desses acontecimentos, o começo de esperança e alegria da descoberta da gravidez; a tristeza do processo da perda; o luto; e a difícil etapa posterior de ter que retomar uma relação a dois depois de um trauma tão significativo. O único aspecto que me incomodou foi a trilha musical, que por vezes salienta ainda mais os momentos que já são exacerbadamente tristes em si, mas deve se destacar a coragem de Eliza Capai em mergulhar em um projeto tão intimista como este. Um documentário que provoca profundas perguntas sobre o processo gestacional na sociedade contemporânea brasileira e o quanto violento ele se apresenta para as mulheres. A luta sobre o direito ao aborto é antiga, pois a lei em vigor tem quase um século, e não só é anacrônica, como reflete o machismo típico da sociedade patriarcal. Vale lembrar ainda que o filme se passa durante o governo genocida de Bolsonaro.
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URSOS NÃO HÁ 
Dir. Jafar Panahi 
COTAÇÃO: 8
Impressão: O novo trabalho de Jafar Panahi (Táxi Teerã, 3 faces, O balão branco, Cortinas fechadas, entre outros filmes importantes) é um tipo de panóptico insidioso. As câmeras de Panahi estão em Teerã e numa pequena cidade na fronteira com a Turquia: mais uma vez o cinema político de Panahi vai de encontro ao sistema opressor do Irã. Ler a crítica completa no link: 
URSOS NÃO HÁ (2022) Dir. Jafar Panahi (cinefialho.blogspot.com)
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SANTINO
Dir. Cao Guimarães
COTAÇÃO: 9 
Impressão: Com "Santino", o diretor Cao Guimarães volta a seu território de conforto ao realizar um documentário sobre um homem do interior e sua idiossincrasias perante ao mundo. Mais uma vez, o que mais impressiona é a maneira como Cao filma seus personagens, como ele deixa transparecer uma explícita admiração a esse ser chamado Santino, um homem que luta com todas as forças para se integrar à natureza. Em vários momentos a câmera de Cao mostra a surpresa e a delicadeza do cineasta em capturar a natureza em sua forma mais bruta e bela. De alguma maneira, o filme é também sobre as veredas do norte de Minas, região que o diretor insistentemente tenta resgatar a própria noção de humanidade. Santino não é somente um homem exemplar, é também um homem comum, com defeitos e com dificuldade de lidar com o mundo e com a própria família. Curioso como "Santino" é igualmente sobre a perplexidade de Cao sobre o personagem, e isso fica evidente pelas perguntas que o diretor faz a ele e a sua esposa. Santino conhece as plantas e ervas com detalhes, o que fascina a todos, inclusive a um grupo de adolescente que vão ouvi-lo falar sobre a mãe natureza, mas ao mesmo tempo há uma desconfiança da esposa sobre o seu conhecimento. Santino é uma espécie de homem que fascinaria o poeta pantaneiro Manoel de Barros, com suas invenções e prosas sobrenaturais sobre a natureza, seres míticos e outras "inutilidades" que dizem muito sobre o mundo nas veredas mineiras. Santino acredita que pode colaborar para despertar as pessoas para uma conscientização da força da mãe natureza para uma maior qualidade de vida no planeta. Mora nas veredas por opção, não quer viver numa cidade grande. Na verdade, tudo nesse universo das veredas nos seduz, mas isso acontece porque Cao cria uma atmosfera para que tudo isso aconteça. A beleza poética da vida se encontra com um cineasta disposto a revelações e a descobrir mundos que o mundo não conhece ou finge não conhecer.   
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MORCEGO NEGRO
Dir. Chaim Litewski e Cleisson Vidal
COTAÇÃO: 8
Impressão: "Morcego negro" resgata um dos momentos mais bizarros da história política brasileira, a passagem meteórica e avassaladora do empresário PC Farias pelo governo Collor de Mello. Impressiona a montagem que encadeia as fases da vida misturando depoimentos de pessoas que conviveram com PC Farias com memórias vindas de arquivos audiovisuais e fotográficos de família e amigos. A história é contada seguindo a cronologia dos fatos, o que garante a atenção ao filme. Alguns momentos são tomados pela comédia, pelo inusitado que foi a trajetória desse personagem, que mesmo vindo de uma camada financeira mediana, ganhou milhões e influência em um momento em que as maracutaias se avolumaram no país. O filme nos mostra um espelho em que a imagem vista é cruel, de um país recém-saído de uma ditadura e que carrega ainda os resquícios dessa época. "Morcego negro" tem passagens criativas, em especial quando mescla músicas populares do período com Vivaldi e Mozart, que segundo alguns depoimentos, eram as prediletas de PC Farias. O filme de Chaim e Cleisson tem uma pesquisa de imagem exaustiva e não foge das discussões mais delicadas, como o da morte de PC, sua esposa e namorada. Os diretores também buscam depoimentos atuais para tentar dar novos ares tanto para os fatos quanto para trazer novas opiniões sobre o personagem. A maioria dos depoimentos são tão bem coletados que parecem ter sidos tomados como uma voz over de narração previamente escrita. Embora "Morcego negro" não esconda sua face televisiva de narrar a história, é daqueles documentários que conseguem prender a atenção do espectador durante os longos 135 minutos de duração.           
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PACIFICTION
Dir. Albert Serra
COTAÇÃO: 5
Impressão: "Pacifiction" é o filme menos arriscado de Albert Serra. A história de De Roller (Benoît Magimel), um político gelatinoso que representa o governo francês e que orbita entre as diversas camadas da sociedade de uma ilha da Polinésia, quase sempre segue uma lógica narrativa de um suspense político. Ao meu ver, ao sair do drama histórico intimista de seus trabalhos anteriores, como os ótimos "Liberté" (2019), "A história de minha morte" (2013) e "A morte de Luís XIV" (2016), Serra perde a mão e não consegue achar um tom para "Pacifiction", oscilando em personagens frágeis que se dispersam pela trama, sem nunca encontrarem um perfil mais definido. Talvez essa imprecisão dos personagens fosse a intenção de Serra, os desenhando algo perto do fugidio, para que não saibamos o que eles verdadeiramente representam. A melhor parte do filme fica a cargo de De Roller, com Benoît Magimel se impondo pelo carisma. Um dos pontos altos dos filmes de Serra é a mise-en-scéne extremamente sensorial, ditada por uma câmera perscrutadora, sempre disposta a procurar as nuances da interpretação ou do jogo fotográfico revelador de sombras muitas vezes inesperadas. A fotografia de "Pacifiction" busca uma artificialização do espaço natural da ilha da Polinésia Francesa, abusando muitas vezes de um vermelho antinaturalista que dialoga com a narrativa ao criar um ambiente deveras artificial. Há pairando no ar um suspense político a assombrar as relações entre os personagens, nada cheira muito à sinceridade e o tom farsesco contamina sempre os diálogos e os olhares trocados. O filme de Serra se restringe a essas intenções, ficando ao final uma sensação permanente de superficialidade da trama e dos personagens. Serra termina por revelar a mesquinhez da política, o inverso que fez em seus filmes anteriores, todos calcados na humanização de personalidades históricas. Ao mostrar o lado canhestro da política, o seu lado mais sombrio, Serra cai na denúncia pura e simples, esquecendo de priorizar a humanidade dos personagens, salientando a desesperança e a crueldade frente aos caminhos ditados pela política mundial das grandes potências e o tradicional viés colonizador que lhes é inerente.
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UMA BELA MANHà
Dir. Mia Hansen-Love
COTAÇÃO: 8
Impressão: Como é bom poder assistir a um filme de Mia Hansen-Love, essa jovem cineasta já com uma carreira sólida e profícua, e vendo ela voltar para os filmes com a sua marca indelével: os dramas românticos arranhados pela dureza da vida cotidiana, de um realismo que caminha entre a vontade de viver e sonhar e a difícil realidade de um mundo que impõe doenças e relacionamentos amorosos complicados. Ler crítica completa no link: 
UMA BELA MANHÃ (cinefialho.blogspot.com) 
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LOWNDES COUNTY AND THE ROAD TO BLACK POWER

Dir. Geeta Gandbhir e Sam Pollard

COTAÇÃO: 7

Impressão: "Lowndes County and the road to black power" é um documentário engajado politicamente sobre a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos nos meados dos anos 1960. O formato de documentário escolhido pelos diretores muito se assemelha aos vistos nas TVs por assinatura: entrevistas frontais dos personagens afro-americanos entremeadas por imagens de arquivo da época, em um encadeamento que segue a lógica temporal. Chega a um ponto em que essa simplicidade narrativa monocórdica causa um cansaço no espectador, que não chega a desistir devido ao relevante e fundamental material que é coletado, pois trata-se de um compilado memorialístico da mais alta importância, um registro oral que vem acompanhado de uma acurada pesquisa de imagens das lutas, algumas sangrentas para que os afro-americanos pudessem ter o direito ao voto, nesse distrito do Alabama chamado Lowndes County. Há ianda o registro das lutas pacifistas e a formação mais extremada dos Panteras Negras, grupo que não fugiu do confronto violento com uma sociedade que agrediu sistematicamente os afro-americanos nos Estados Unidos. Lá pelo final depoimentos emocionantes de dois militantes são ouvidos: um que admite que apesar de toda a luta e a vitória de pelo direito ao voto, pouco mudou as condições materiais efetivas do povo afro-americano de Lowndes County; e um outro, que diz sobre a importância da memória dessa luta para as novas gerações e da necessidade de se repetir à exaustão as lutas e conquistas dessa geração. Creio que essas duas ideias resumem bem o quanto relevante é esse documentário para a memória da luta de um povo pela sua emancipação, mesmo que o formato narrativo escolhido não ajude tanto a aumentar o brilho dessa produção independente. 

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FESTIM DIABÓLICO
Dir. Alfred Hitchcock
COTAÇÃO: 9
Impressão: Um grande clássico do extraordinário diretor Alfred Hitchcock, filmado em 10 planos sequências, que simulam um único. O filme é uma adaptação da peça teatral inglesa homônima de Patrick Hamilton e a ideia do plano sequência ocorreu para que fosse preservada minimamente a estrutura teatral que Hitchcock tanto admirava. O maior desafio da adaptação foi a de retirar o seu viés homossexual, apesar de Hitchcock deixar algumas sutis pistas em diálogos e olhares. De maneira geral, "Festim diabólico" é um thriller fantástico sobre uma tentativa de execução de um crime perfeito por parte de dois jovens (interpretados por Farley Granger e John Dall) alunos inspirados nas aulas de seu exemplar e competente professor (um James Stewart como sempre impecável e carismático). Apesar de Hitchcock se esforçar em manter a teatralidade da peça original, sua verve cinematográfica se sobressai em movimentos de câmera belíssimos, muito bem ensaiados de forma a salientar todos os mínimos detalhes dessa macabra história. A ideia dos dois jovens assassinos era matar um colega de classe antes de uma festinha oferecida a amigos em seu apartamento, esconder seu corpo em um baú na sala para depois na calada da noite joga-lo em algum lugar às escondidas. Essa ideia de receber um grupo com um morto dentro do baú, em nome de um crime perfeito, revela-se sinistro por demais e desvela um lado doentio do ser humano. Os dois assassinos tinham como objetivo por em prática uma perigosa ideia de que existem seres humanos superiores a outros. É interessante o quanto o professor desconstrói a perversidade de um pensamento que leva a uma prática de violência atroz. Ao filmar em planos ininterruptos, Hitchcock consegue extrair o máximo da dramaturgia, em especial o caráter psicológico das cenas. Friso aqui a mise-en-scène que permite aos atores o aprofundamento da ação e sublinhar a câmera como um elemento analítico, por buscar ângulos que enfatizam a complexidade dos personagens, suas contradições e nuances dos seus caráteres. Observem o quanto Hitchcock movimenta a câmera em algumas cenas para revelar detalhes importantes da história. Uma aula de como filmar um plano sequência extraindo o máximo da dramaturgia.   
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TETRIS
Dir. John S. Baird
COTAÇÃO: 5
Impressão: "Tetris" se enquadra em um estilo de filme que volta e meia a indústria hollywoodiana aprecia realizar: o que retrata a criação de computadores, softwares, redes sociais, jogos eletrônicos e seus congêneres. O que "Tetris", do diretor John S. Baird acrescenta à trama é o thriller de espionagem internacional. Dentro da proposta narrativa do diretor tudo está bem azeitado entre roteiro e direção, há eficiência no resultado geral, mesmo que os instrumentais cinematográficos soem desgastados e evoquem, em vários momentos, um imenso deja vú. A criatividade, definitivamente, não é uma característica que anda à solta na cena cinematográfica hollywoodiana. Ler a crítica completa no link: TETRIS (2023) Dir. John S. Baird (cinefialho.blogspot.com)
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PLEASE BABY PLEASE
Dir. Amanda Kramer
COTAÇÃO: 6
Impressão: "Please baby please" é um curioso filme que transita entre o musical, o drama e o romance queer. A trama se passa nos anos 1950, período em que a masculinidade sempre foi sublinhada e sublimada pelos princípios de fortaleza e violência, tanto que na cena de abertura, o casal protagonista, Arthur (Harry Melling) e Suze (Andrea Riseborough), presenciam uma cena brutal de violência da gangue de Teddy (Karl Glusman). Um dos aspectos que mais chamam a atenção é a fotografia que ressalta as cores inspiradas no néon, em especial o vermelho, o azul e o verde, o que torna o filme excessivamente estilizado. O que o roteiro frisa é a trama em que a masculinidade vai sendo desconstruída cena a cena, apesar de uma violência crua permear a todo o instante esse processo. Curiosamente, Teddy faz o tipo de personagem sexy cujo estereótipo é o mais másculo e violento, bem ao estilo do marinheiro gay de Querelle (umas das referências estéticas do filme). As interpretações são todas exageradas e perfazem tipos usuais dos anos 1950, muitas vezes condicionadas ao figurino, à maquiagem ou até aos cenários luxuosos e bregas. A diretora Amanda Kramer salienta tanto a estética kitsch e queer de "Please baby please" que a trama em si se perde como um apêndice de suas ideias visuais artificiais e de interpretações over dos atores, que sobressaem na maioria das vezes pelo seu viés caricatural. Há uma visível referência à "Veludo Azul", de David Lynch, onde perversão e estilo gráfico tomam conta da cena, mas falta à "Please baby please" elementos que nos levem para além de suas preocupações estilísticas. Ao final, fica uma sensação de cansaço e de que deglutimos um bolo cujo visual terminou por revelar um paladar não tão satisfatório quanto a sua bela aparência.
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ALICE GUY-BLACHÉ: A HISTÓRIA NÃO CONTADA DA PRIMEIRA CINEASTA DO MUNDO
Dir. Pamela B. Green
COTAÇÃO: 9 
Impressão: Assisti pela primeira vez ao documentário "Alice Guy-Blaché: a história não contada da primeira cineasta do mundo", no Festival do Rio de 2019. À época eu estava com muitas atribuições e mergulhado vendo cinco filmes por dia no festival, enfim, não me sobrou tempo para fazer uma escrita sobre esta valorosa obra. Mas creio que esta falta ficou ali, vez por outra me fustigando, como um erro irreparável, tão grave quanto o tempo que esse documentário fantástico demorou para ser realizado e dar um novo direcionamento para essa história de apagamento (mais uma dentre diversas que existiram e ainda existem). Felizmente, a plataforma digital do Sesc SP, uma das mais importantes hoje do país, resgata esse filme e o oferece à sociedade gratuitamente. Ler a crítica completa no link: ALICE GUY-BLACHÉ: A HISTÓRIA NÃO CONTADA DA PRIMEIRA CINEASTA DO MUNDO (2018) Dir. Pamela B. Green (cinefialho.blogspot.com)
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O URSO DO PÓ BRANCO 
Dir. Elizabeth Banks
COTAÇÃO: 7
Impressão: A diretora Elizabeth Banks consegue em "O urso do pó branco" misturar diversos gêneros como comédia escrachada, terror trash com gore, ação e filme de família, tudo no mesmo enredo. Ir ao cinema e assistir a algo diferente é tudo o que queremos como espectadores. Lógico que o filme não escapa da bizarrice e a diretora, tão presente como atriz nas comédias fora da curva dos anos 2000, mostra-se inteiramente adequada a estar à frente deste projeto inusitado e ousado. Em meio a tantas franquias, remakes e afins da grande indústria do cinema de hoje, o filme que parte de uma história real para ampliá-la e expandi-la por meio de gêneros consagrados do cinema comercial, se sai muito bem e arranca na frente de obras oportunistas e sem criatividade que andam invadindo as salas de cinema pós-pandemia. Crítica completa no link:  O URSO DO PÓ BRANCO (2023) Dir. Elizabeth Banks (cinefialho.blogspot.com)
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RAQUEL 1:1
Dir. Mariana Bastos
COTAÇÃO: 7
Impressão: "Raquel 1:1", filme de Mariana Bastos, aborda a influência da religião neopentecostal na juventude. É muito interessante o quanto a diretora não perde a um instante o foco da abordagem feminista do filme. Não chega a ser um filme de horror clássico, embora carregue alguns elementos na trama, como a música que inspira o mistério, a fotografia soturna ou um estranho machucado inexplicável na região do abdômen da protagonista. Raquel (Valentina Herszage) chega com o pai (Emilio de Mello) numa pequena cidade e rapidamente ela faz amizade com as meninas de uma igreja evangélica, onde a pastora é a mãe de uma delas. Raquel descobre uma casa abandonada e aos poucos vai reunindo as amigas para estudar a bíblia, se tornando uma líder religiosa, o que desagrada a pastora, ainda mais depois de afirmar que a bíblia devia ser revisada e atualizada para os nossos dias. Raquel tem os seus problemas emocionais devido à recente morte da mãe em situação violenta. Ao abordar a juventude e esse grupo de mulheres, temas como a submissão das mulheres, o estupro e outras violências, o filme avança nos tabus religiosos, o que faz os conflitos aumentarem. A rebeldia da juventude se alia à contestação e cena a cena o ódio contra Raquel vai sendo insuflado pela igreja evangélica, comandada pela pastora e sua filha. A estrutura narrativa de "Raquel 1:1" caminha sem grandes ousadias formais, mas prossegue até o fim com coerência e boas interpretações, enquanto a violência do passado e do presente abalam Raquel. A fotografia vai escurecendo e alguns casos chegando a quase anular os ambientes e se coadunando ao crescente discurso de ódio que só traz mais violências a Raquel e seu pai. A diretora Mariana Bastos se sai muito bem ao apostar em um roteiro com uma linguagem direta e que aponta contra a intolerância religiosa e a violência contra a mulher. Uma pena que o filme tenha passado batido pelos cinemas.
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REGRA 34
Dir. Julia Murat
COTAÇÃO:  3
Impressão: Depois de três filmes potentes como "Pendular" (2017), "Histórias que só existem quando lembradas" (2011) e "Operações de Garantia e da Ordem" (2017), Julia Murat não consegue emplacar um filme tão impactante quanto os seus três longas predecessores. A realidade é que "Regra 34" fica muito a dever e olha que tudo que cerca o filme promete muito, a defesa da liberdade sexual, independente da função profissional que a pessoa exerça. Em alguns momentos "Regra 34" até parece que vai engrenar, mas as cenas não conseguem criar o impacto esperado, mesmo nas cenas em que vemos a jovem advogada Simone (Sol Miranda), recém-formada como defensora pública, ora exibindo o corpo ora se masturbando pela internet, tudo fica muito solto, até sem energia, faltou na direção uma pegada mais firme, o filme não diz ao que veio, mesmo nas cenas teoricamente mais ousadas de masoquismo e sadomasoquismo, prevalece apenas o gráfico e tais cenas não causam choque algum. Nas cenas das aulas, as discussões não saem do raso, não são sequer bem filmadas, falta esmero. Julia Murat tenta expor uma contradição entre a prática da advogada contra a violência das mulheres e suas práticas clandestinas na internet, onde a violência e a autoviolência tornam-se o seu caminho para o prazer. Certo que somos todos contraditórios, mas dessa vez esses conflitos não saem da superfície. Fiquei pensando nos filmes anteriores sem acreditar o quanto esse não salta da tela, não provoca, embora essa fosse o principal objetivo. Personagens pretos, sexualmente abertos, enfim, tudo para ser desbravador, impactante, mas não, tudo é sempre insosso e asséptico.        
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A ESPOSA DE TCHAIKOVSKY
Dir. Kirill Serebrennikov
COTAÇÃO: 5
Impressão: "A esposa de Tchaikovsky" é um filme interessante, sobretudo em sua primeira parte. Depois nota-se uma queda no ritmo, devido a repetições que faz a história se arrastar e alongar mais do que devia, o que leva a uma saturação. O melhor do filme é a atuação de Alyona Mikhallova como a esposa do famoso compositor russo, que imprime uma verdade insana na personagem. Outro ponto positivo é a fotografia escura que se aproveita do cenário decadente e soturno dessa história tomada pela insanidade. Algumas atitudes da esposa são melhor entendidas depois que os créditos revelam informações importantes, o que nos leva a refletir retroativamente na história vista. "A esposa de Tchaikovsky" entrega pouco, não consegue verdadeiramente se aprofundar nos personagens e desperdiça boas atuações pela incoerência que o roteiro apresenta. 
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JOHN WICK 4 - BABA YAGA 
Dir. Chad Stahelski
COTAÇÃO: 6
Impressão: Assistir a "John Wick 4 - Baba Yaga" realmente pode ser descrito como uma experiência à parte. Não tem como negar que ali há um espetáculo, pelo menos um tipo de espetáculo. A mim ficava ecoando uma velha pergunta, aquela mesma que Andre Bazin pensou há mais ou menos setenta anos atrás: o que é cinema? Pode um filme como "Il buco", de Michelangelo Frammartino, ser nomeado com o mesmo nome que "John Wick 4 - Baba Yaga" dado as imensas distâncias de concepções narrativas e princípios entre os dois universos? Nota-se que eu nomeio aqui de universo, mas poderia ser algo cinematograficamente mais específico, dado ao imenso fosso que separa esses filmes. E um dado que agrava mais ainda essa discussão: ambos os diretores nasceram no mesmo ano (1968), embora em países diferentes. Chad Stahelski é o típico artesão da indústria hollywoodiana, trabalhou como dublê e como diretor em diversas unidades de filmes. Já Frammartino estudou arquitetura em Milão e depois estudou cinema, tendo começado como cenógrafo para videoartes, filmes e videoclipes, para depois iniciar carreira como cineasta realizando curtas-metragens e depois 3 longas premiados em festivais na Europa. Crítica completa no link:  JOHN WICK 4 - BABA YAGA (2023) Dir. Chad Stahelski (cinefialho.blogspot.com)
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PÂNICO VI
Dir. Tyler Gillett e Matt Bettinelli-Olpin
COTAÇÃO: 6
Impressão: "Pânico VI" pode ser considerado um dos bons filmes da franquia, algumas cenas são realmente um luxo de produção e execução, como a tensão no famoso metrô de Nova York e a brincadeira com a luz e a escuridão que criam a atmosfera perfeita para um crime. Mas creio que a melhor sacada desse sexto filme seja o museu sinistro e subterrâneo dedicado à série pelos vilões da vez. Apesar disso tudo, sinto que já sem quase o elenco original, agora que mais um foi assassinado, enfraquece a história, por mais que Sidney (Neve Campbell), a protagonista maior ainda esteja sendo guardada para um próximo filme. Há evidente em "Pânico VI" alguns sinais de fraqueza, como o excesso de referências que até o quarto filme ainda guardava sua graça, mas que começa a se desgastar agora no sexto. Não é mais uma questão se funciona ou não, mas sim aquele "lá vem de novo mais uma referência". Esse ardil está se banalizando, pois tem momentos que lembramos que estamos vendo "Pânico VI" somente por causa da máscara, que aparece a todo o instante. Talvez até se preserve ainda uma certa vontade de continuar a assistir a mais um filme da franquia, embora acredite que essa vontade não é mais tão forte quanto antes. Na altura do campeonato, o viés comercial já está gritante demais e chegamos ao fim sabendo que apesar de vermos mais um filme bem executado, bem roteirizado e satisfatório no geral, o mais sensato seria dar cabo a tudo isso. Mas sabemos que isso não será possível, Sidney ainda está por aí, protegida pela polícia e podendo voltar a qualquer momento para tentar resgatar o prestígio da franquia.
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INFINITY POOL
Dir. Brandon Cronenberg
COTAÇÃO: 9 
Impressão: Brandon Cronenberg, filho do mitológico cineasta David Cronenberg, é um nome para se guardar. Ao que tudo indica, ele herdou o talento do pai para histórias bizarras e bem narradas. "Infinity pool" é um filme de horror que desde o início, até quando tudo parecia ser uma mera história de amor, algo de subliminar já apontava um quê de tensão pairava no ar. Leia a crítica completa no link: INFINITY POOL (2022) Dir. Brandon Cronenberg (cinefialho.blogspot.com)                  
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NOITES ALIENÍGENAS
Dir. Sergio de Carvalho
COTAÇÃO: 7
Impressão: "Noites alienígenas" até fala de um outro planeta, o seu nome é Acre. É desse planeta que vem a primeira ficção de longa-metragem do Estado. O interessante é como o diretor Sergio de Carvalho analisa a violência do tráfico de drogas entre a juventude de uma maneira muito particular, sem esquecer da influência xamânica indígena presente na cultura dos Estados do Norte do Brasil e reverenciando a força imagética dessa parte do Brasil bastante esquecida pelo nossos cineastas. Crítica completa no link:  NOITES ALIENÍGENAS (2022) Dir. Sergio de Carvalho (cinefialho.blogspot.com)
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MEMÓRIA SUFOCADA
Dir. Gabriel Di Giacomo
COTAÇÃO: 8
Impressão: "Memória sufocada" trata da articulação entre DOI-CODI e as torturas ocorridas no Brasil durante a ditadura militar nos anos pós AI-5. O filme parte do julgamento do Coronel Ustra durante a Comissão da Verdade e mostra o Governo Bolsonaro como continuador do processo instaurado na ditadura. Esse laço entre passado e presente é um dos pontos mais interessantes do filme, que mostra como a anistia deflagrada em 1979, e reafirmada pelo STF em 2010, abriu caminho para a volta de muitos dos principais agentes ligados à tortura. O documentário vai passeando pelo tempo e revelando esses elos temporais. Interessante o resgate que "Memória Sufocada" faz das propagandas do governo sobre nacionalismo, família e outros temas que embasavam ideologicamente o regime ditatorial e lhe revestindo de uma capa moralista e pacífica, enquanto nos porões pessoas eram torturadas e mortas pelos militares. Se muitas imagens de arquivo já foram mostradas em vários outros filmes sobre a ditadura implantada em 1964 no Brasil, a grande contribuição de "Memória sufocada" é a relação que estabelece entre o presente e o nosso passado recente. Os depoimentos do torturador Ustra chegam à raia do nojento e quando o diretor Gabriel Di Giacomo resgata a imagem de 2016, do então deputado Bolsonaro a enaltecer o assassino de tantos presos políticos, nesse ponto, o documentário atinge o nível do insuportável e da repugnância de como chegamos à eleição de um presidente autoritário e defensor do regime de exceção pelo voto direto. "Memória sufocada" deixa claro a importância de retornarmos sempre às histórias da ditadura de 1964-79, e o quanto não devemos esquecer dos acontecimentos terríveis que aconteceram em 21 anos nefastos da nossa história, para que não deixemos mais que defensores desse processo aviltante não retornem à política. "Memória sufocada" mostra bem que a anistia ampla, geral e irrestrita absolveu não os exilados políticos, mas sim os assassinos que praticaram as maiores atrocidades nos porões da ditadura e os números do extermínio o filme de Gabriel Di Giacomo levanta e nos exibe para que não se tenha mais dúvida sobre os horrores ocorridos no país entre 1964-79, com o argumento mentiroso que eram um bando de terroristas comunistas que precisavam ser exterminados a todo o custo. Somente a ignorância ou a canalhice pode fazer alguém defender aqueles acontecimentos atrozes. Uma balela que infelizmente ainda hoje é alimentada por muitos na nossa sociedade. O final proposto por Gabriel é sensacional, com imagens de arquivo da resistência ao regime imposto em 1964 e a lembrança da música "Calabouço", de Sérgio Ricardo, outra vítima da ditadura militar. 
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OS CINCO DIABOS
Dir. Léa Mysius
COTAÇÃO: 5
Impressão: O segundo longa da diretora Léa Mysius discute temáticas atuais como racismo e lesbianismo sob o invólucro do sobrenatural. O filme tem como ponto de partida a história de uma família composta pelo bombeiro (interpretado pelo senegalês-italiano Moustapha Mbengue), uma professora de natação Joanne (Adèle Exarchopoulos), a enigmática filha Vicky (Sally Dramé) e Julia, a irmã misteriosa do bombeiro (Swala Emati). A trama é inusitada pois Vicky tem uma relação profunda com cheiros e quando a irmã do seu pai retorna à casa depois de 10 anos de ausência, ela descola um estranho perfume da tia que a faz enxergar o passado da mãe, do pai , da tia e da ex-namorada do pai. Assim, o filme de Léa Mysius transita entre o passado e o presente, com descobertas imprevisíveis, como a relação amorosa da mãe antes de casar com o marido bombeiro e algumas tragédias surpreendentemente ligadas a Vicky. "Os cinco diabos" faz referência a esses cinco personagens que formam um quinteto potente, em especial pelas histórias que cada um traz no seu passado. Julia, no passado, tinha visões de uma menininha, e assombrosamente, essa menina era Vicky, que ainda viria a nascer. Esse lado ligado ao aspecto fantástico do filme é o mais interessante da trama, que infelizmente se perde entre os cinco personagens, que nos 93 minutos de duração de "Os cinco diabos", pois Léa Mysius não consegue mergulhar no fundo desses ricos personagens, por mais que individualmente, todos defendam bem seus papéis. A certa altura ficamos nos perguntando qual é o personagem para o qual o filme está nos direcionando, por isso ficamos perdidos, já que Léa Mysius nos encaminha a cada momento para um deles, fragmentando demais a nossa atenção. Diversas cenas interessantes, que poderiam detonar discussões sobre racismo, bullying e amor lésbico, ficam à mercê da "novidade"  narrativa do fantástico.      
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O RIO DO DESEJO
Dir. Sergio Machado
COTAÇÃO: 6
Impressão: É sempre bom ver a Região Norte mostrada na tela grande e "O rio que desejo", inspirado em um conto de Milton Hatoum propicia isso, vermos algumas bonitas imagens amazônicas. A trama envolve um quarteto amoroso entre três irmãos (Daniel Oliveira, Rômulo Braga e Gabriel Leone) e a bela Anaíra (Sophie Charlotte), em meio ao caudaloso e belo Rio Negro. Desde o início há o prenúncio de tragédia à vista. As interpretações são convincentes, mesmo que nada avance em direção a uma maior profundidade, muito devido a preparação de elenco de Fatima Toledo, uma expert no assunto. Sergio Machado (Cidade Baixa) está a todo tempo amparado por profissionais de ponta, como o experiente fotógrafo de sucessos de nosso cinema, Adrian Teijido, que oferece uma imagem interessante (apesar do exotismo) que trabalha em constante referências às sombras, muito afinado por uma sóbria direção de arte de Adrian Cooper. Apesar de todo esse esmero visual e do bom acabamento que "O Rio do desejo" consegue expressar, fica uma ideia de uma Amazônia com tipos destoantes, afinal Daniel de Oliveira, Gabriel Leone e Sophie Charlotte passam longe do perfil amazônico, por mais que seus talentos tentem emular personagens verossímeis. Se a ideia de se ter uma mulher potente, a encarar os limites impostos pela sociedade machista, até possa ser um ponto a se destacar, no todo, a imagem de atores globais padronizados (Rômulo Braga sendo a única exceção do elenco principal) a representar tipos populares, onde caberia mais escolher atores locais (mas que dificultaria a venda do filme para o restante do Brasil). Mas fica uma impressão de que o Amazonas, pelo seu clima quente, se torna um local apropriado para retratar mais uma vez o Brasil como algo caliente, como um povo ávido por sexo, até mesmo incontrolável. O exotismo amazônico parece propício à traição, com suas águas calmas, seus barcos característicos e a morenice de suas meninas. Se "O rio do desejo" tem lá suas qualidades narrativas e técnicas, e isso não se discute, traz consigo de contrapeso uma visão idealizada ao enfatizar o lado instintivo de uma população ainda pouquíssima conhecida pelos brasileiros. Calor, corpos desnudos, angústia, traição e instinto são misturas que podem fazer o filme fluir cinematograficamente, mas pensar mais sobre a representação que a imagem do cinema produz também seria algo importante de ser pensado pelos realizadores, e nesse quesito, o filme ficou a dever.
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TORI E LOKITA
Dir. Luc e Jean-Pierre Dardenne
COTAÇÃO: 6
Impressões: "Tori e Lokita" é mais um filme realista dos premiados irmãos Dardenne que retrata a dura vida dos imigrantes vindos do Benin, Lokita é uma adolescente e Tori ainda é um menino. Como todo o filme da dupla de diretores, o objetivo é o de acompanhar a rotina desses personagens, suas dificuldades para sobreviver em meio a um território hostil, sendo utilizados por traficantes como aviões enquanto lutam para adquirir um documento que o protejam de serem devolvidos para o país de origem. No meio disso tudo, tem agressões e estupros, descritos com minúcias pelos diretores. Mas a verdade é que a cada novo filme dos irmãos Dardenne fica a impressão de que já vimos outras vezes a mesma obra. O estilo de filmar com a câmera na mão para aumentar a sensação de conflito e turbulência das relações diárias já está meio desgastada, pois ela é sempre reiterada obra a obra. A força da realidade da vida de Tori e Lokita vem do fato deles simularem serem irmãos, quando na verdade apenas participaram do mesmo lote de imigração para a Europa. Esse fato, ou melhor, essa mentira, mostra o quanto tudo é muito difícil para eles. Se o espectador jamais assistiu a outros filmes dos diretores, "Tori e Lokita" até passa, pois trará uma surpresa que o prenderá ao acompanhar a saga triste dos personagens. Mas se o espectador, já for um veterano nos filmes dos irmãos Dardenne, realmente ficará entediado nos primeiros 20 minutos de filme, pois o que os irmãos cineastas não fazem aqui é surpreender aos conhecedores das suas obras anteriores. São os amargos ossos do ofício de um crítico.
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UM CORPO QUE CAI
Dir. Alfred Hitchcock
COTAÇÃO: 10 
Impressão: Jean-Luc Godard certa vez disse que Alfred Hitchcock era um artista voltado mais para o cinema do que para o humano. "Um corpo que cai", filme de 1958 do mestre inglês, comprova indelevelmente essa ideia. Qualquer pessoa pode definir esta obra como a história de um homem que sofre de acrofobia (medo de altura), contratado como detetive por um amigo de infância para seguir a sua mulher e fica alucinado de paixão por essa mulher, e que ao final cai em uma armadilha preparada pelo amigo. Essa é uma sinopse realmente factível a ser dita sobre o filme, mas ela apenas mostra para quem assiste o quanto esta é uma obra rara, e que a tal sinopse não passa de um elemento enganador ou redutor do que acontece na tela. Não casualmente, "Um corpo que cai" é apontada como crucial da história, pois nela concentra-se a própria natureza essencial do cinema: o princípio básico da ilusão da imagem. Crítica completa no link: UM CORPO QUE CAI (1958) Dir. Alfred Hitchcock (cinefialho.blogspot.com)
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MEDUSA
Dir. Anita Rocha da Silveira
COTAÇÃO: 6
Impressão: "Medusa" é o segundo longa de Anita Rocha da Silveira, filme aguardado com expectativas depois do sucesso de "Mate-me por favor". Ela volta em "Medusa" ao tema da juventude, mas agora totalmente inebriada pela atmosfera conservadora imposta pelo último governo brasileiro. A temática religiosa e a trama calcada na excessiva estilização fotográfica, predominantemente neon, em que o verde, o azul e o rosa insinuam um mundo fantasioso, opressivo e tenebroso. "Medusa" é um filme de gênero que pretende pela atmosfera do horror, denunciar o fanatismo religioso de um grupo de meninas mascaradas que espancam outras meninas consideradas perigosamente "pecaminosas" e sexualmente vulgares, estimuladas por um pastor visivelmente picareta (numa interpretação novelesca de Thiago Fragoso). Desde as primeiras cenas o filme me remeteu esteticamente ao "Divino amor", de Gabriel Mascaro, não só pelo visual massivamente rosa e limpo quanto à temática de uma religiosidade evangélica que cava a sua própria deterioração. O quarto dos pacientes que estão em coma no hospital me lembrou à enfermaria sinistra e encantada do filme "O cemitério do esplendor", de Apichatpong Weerasethakul, inclusive a fotografia tomada pelo verde. Anita foge da trama realista e prefere arriscar em uma artificialização da história, embora assuma abertamente uma crítica social ao conservadorismo. Nem sempre o roteiro consegue encaixar com a direção, além de ser forçado em alguns momentos, como um beijo lésbico que cai de paraquedas, e o filme trava em algumas cenas, se embaraçando nas próprias pernas, tentando se esquivar por uma trilha musical esperta, dominada por sucessos da música pop brasileira e internacional. Outro fator que faz o filme ratear são as interpretações quase sempre pouco consistentes, às vezes beirando ao frágil. A atriz Mari Oliveira tem os seus momentos como a protagonista Mariana, mas os grupos evangélicos feminino "Preciosas do Altar" e masculino "Vigilantes do Sião" tem interpretações que comprometem o resultado final, mesmo que a ideia em si seja interessante e oportuna, de questionar esses grupos fundamentalistas que pregam a violência em nome do amor a Jesus. Mas há sem dúvida uma potência nessas mulheres e na emulação dos gritos típicos dos filmes de terror B travestidos em "Medusa" em um grito de resistência contra a opressão feminina. Um filme que vale conferir, inclusive nas suas imperfeições que lhe são inerentes, um filme de terror bem produzido, jovem, que guarda um certo frescor juvenil e traz uma evidente virulência política.      
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LIVING
Dir. Oliver Hermanus
COTAÇÃO: 6
Impressão: "Living" é uma livre adaptação do genial clássico "Viver", uma das obras-primas de Akira Kurosawa. Essa é a maior sombra que "Living" tem, estar sendo sempre comparado com a excelência que caracteriza a obra japonesa. Se a distância entre as duas vai se ampliando cena a cena, desfavoravelmente ao filme inglês, dirigido por Oliver Hermanus. O roteiro do escritor japonês Kazuo Ishuguro ("Vestígios do dia" e "Não me abandone jamais") tem lá seu esmero, mas as interpretações não chegam a entusiasmar, com exceção do protagonista Bill Nighy, indicado justamente ao Oscar de melhor ator. A crítica à burocratização do Estado está lá, embora não com a mesma precisão do que em Kurosawa que sabe usar melhor o elenco de apoio. Ao final fica-se a sensação de que assistimos a um filme correto, apesar de sem brilho e fica no ar a seguinte pergunta: para quê se refilmar uma obra-prima? A única consequência positiva é a de incentivar o público a conhecer ao clássico "Viver", filme genial e pouco visto de Kurosawa, realizado impecavelmente no longínquo ano de 1952.   
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O PIOR VIZINHO DO MUNDO
Dir. Marc Fosrter
COTAÇÃO: 4
Impressão: Tom Hanks é um tipo de ator da estirpe de um James Stewart e Cary Grant, uma mistura de carisma e técnica apurada na interpretação. Mas lembrando que esses atores de outrora trabalharam sob os auspícios de diretores do calibre de um Capra, Hitchcock, Hawks, que brigavam muito com os estúdios pelas suas histórias e abordagens. Hoje, com exceção de alguns medalhões como Spielberg, PTA, Scorsese, Coppola e poucos outros, me parece que no geral os diretores são mais permissivos às interferências e pressões de produtores e afins, interessados mais no lucro dos filmes do que dar liberdade aos criadores. Ou será que o que temos hoje é uma escola que impulsiona os roteiristas e diretores para fórmulas de sucesso? Enquanto pensamos sobre essas perguntas, vamos nos direcionar ao que interessa aqui, que é analisar o último filme de Tom Hanks. Crítica completa no link: O PIOR VIZINHO DO MUNDO (2022) Dir. Marc Forster (cinefialho.blogspot.com)
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CLOSE
Dir. Lukas Dhont
COTAÇÃO: 9  
Impressão: "Close" esbanja sensibilidade ao tratar temas socialmente espinhosos, como a das relações amorosas e sexuais na adolescência, do suicídio, do bullying, da culpa e da busca desesperada pelo perdão, mesmo quando este sequer seja necessário de ser pedido. Crítica completa no link: CLOSE (2022) Dir. Lukas Dhont (cinefialho.blogspot.com)
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RIO, NEGRO
Dir. Fernando Sousa e Gabriel Barbosa
COTAÇÃO: 6
Impressão: O documentário "Rio, negro" traz uma temática fundamental para se melhor entender a cultura não só carioca como brasileira, retomando discussões acerca da participação da população preta na história do país. Uma pena que os diretores Fernando Sousa e Gabriel Barbosa tenham sido tão esquemáticos na abordagem do filme. Leia a crítica completa no link: RIO, NEGRO (2023) Dir. Fernando Sousa e Gabriel Barbosa (cinefialho.blogspot.com)
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BELAS PROMESSAS
Dir. Thomas Kruithof
COTAÇÃO: 5
Impressão: "Belas promessas" pode ser definido como um filme esperto sobre os subterrâneos da política francesa. Clémence (uma Isabelle Hupert em visível piloto automático) é prefeita da terceira maior cidade francesa e almeja um ministério no governo federal, mas quando ela vê essa ambição ir para o brejo, decide disputar mais um mandato de prefeita, causando conflitos em seu partido que já havia escolhido outra candidata. Apesar de bem realizado, "Belas promessas" é um filme burocrático, cheio de intrigas palacianas daquelas que deixam o espectador sem entender exatamente o que está acontecendo, já que vários personagens apenas flutuam pela trama, aparecendo aqui e acolá. Em paralelo, há uma promessa de campanha de Clémence de reformar um grande condomínio da cidade, que não deslancha pelas confusas tramitações burocráticas e a falta de interesse dos políticos, mais preocupados com a manutenção de seus poderes. "Belas promessas" está inserido em um tipo de cinema francês contemporâneo muito lançado por aqui nos últimos anos: pouco ousado na forma e com um tema que desperta pouco interesse, pelo menos para quem nasceu e mora no Brasil. Aqui, nem Huppert salva.  
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MURIBECA
Dir. Alcione Ferreira e Camilo Soares
COTAÇÃO: 6

Impressão: "Muribeca" é um documentário que exala tristeza em cada frame. Ele trata de um imenso bairro, dominado por um imenso conjunto habitacional, situado em Jaboatão dos Guararapes, região metropolitana de Recife, onde moravam milhares de famílias até que a Defesa Civil condenou as estruturas de vários prédios, provocando uma debandada da população e proporcionando a decadência total e a quase extinção do bairro, embora o filme ainda registre alguns resistentes moradores que lutam para recuperar o bairro. Crítica completa no link: MURIBECA (2023) Dir. Alcione Ferreira e Camilo Soares (cinefialho.blogspot.com)
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UM LUGAR AO SOL
Dir. Gabriel Mascaro
COTAÇÃO: 7
Impressão: O filme de Gabriel Mascaro me parece rondar o tema do privilégio de classe e de certa maneira aceitar a naturalização dele. Aparentemente, essa estratégia traz uma complacência ou um clima amistoso na captação das entrevistas, em que moradores de coberturas falam e admitem serem merecedores especiais de morar em lugares que lhes dão poder e status. Mas creio que a ideia era essa mesma, deixar que os próprios moradores bem-sucedidos, falem à vontade sobre si mesmos, para que revelassem por meio de falas e atitudes as contradições desse mundo do viver com conforto e riqueza. A maioria quer justificar o injustificável que é o privilégio deles estarem ali e não tantos outros. Os argumentos mais óbvios vão se enfileirando: "meu pai ralou muito para ter isso aqui", sem ao menos dizer o que o pai dele efetivamente fez de diferente para ter essa distinção em relação aos outros. "Morar na cobertura faz as pessoas olharem diferente para você", diz outro entrevistado. Curioso como Mascaro não os nomeia, não os legenda, apenas sabemos que são pessoas abastadas. Há um certo constrangimento nas entrevistas, ninguém está minimamente à vontade à frente da câmera, como se falar desse privilégio fosse em si um ato de autodesmascaramento. Apenas um entrevistado diz: "é muito importante você retratar esse universo, a maioria dos documentaristas só retratam a pobreza". O que mais gosto no documentário de Gabriel Mascaro são alguns detalhes que ele consegue captar na imagem, como a dos edifícios enormes a deixar feixes de sombras sob as areias da praia, retirando delas até o sol que seria o direito básico de quem frequenta um lugar público. Mascaro deixa bem claro no início do filme de como foi difícil arrumar entrevistados para o projeto, algo surreal para aqueles que "batalharam" tanto para poder exibir no ato de morar uma reafirmação de seu poder e riqueza. No fundo, todos parecem querer dizer nas entrelinhas: "os pobres que se fodam, eu só quero saber que eu vivo bem", uma frase que resumiria bem a visão de quem no Brasil mora como um autêntico privilegiado.
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MANTO DE GEMAS
Dir. Natália Lopez Gallardo
COTAÇÃO: 8
Impressão: Por conta de um explícito conflito de classes, "Manto de gemas", produção mexicana dirigida por Natalia Lopez Gallardo me remeteu muito ao filme brasileiro "Propriedade" (Daniel Bandeira), embora aqui haja espaço para uma leitura mais diversa, já que a câmera funciona incógnita entre as cenas e personagens, enquanto o som vagueia revelando nuances do território. A própria diretora admitiu em uma entrevista que ela quis falar da pesada questão dos narcos no México assumindo o olhar de estranhamento e passividade de uma pessoa privilegiada como é o caso dela na sociedade mexicana. O resultado foi um filme rico, reflexivo, que procura não julgar as populações miseráveis que se engajam nessas estruturas paralelas às oficiais para sobreviver. Até as forças policiais não estão isentas nesse processo, participando de várias bandalheiras e atos de corrupção. Mas devemos pensar no painel interessante das personagens femininas, de como o filme percorre todas as classes sociais e gerações para aferir o quanto essa organização social as fere profundamente, as deixa indefesas e frágeis. Todos os filmes que vejo que são permeados pela violência dos narcos, possuem a mesma característica  de não conseguir apontar um caminho imediato para a reconstrução de novos valores ou de alteração mínima dessa triste realidade, em que grupos criminosos dominaram inteiramente o país, e de tal forma, que recentemente uma pesquisa mostrou que quase metade das cidades socialmente mais violentas eram mexicanas. É assustador. 
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ENTRE MULHERES
Dir. Sarah Polley
COTAÇÃO: 6
Impressão: Pensa em um filme que expõe a opressão e a violência patriarcal sobre todas as mulheres de um pequeno povoado rural nos dias de hoje? Essa é a saga de "Entre mulheres", com direção da Sarah Polley (Entre o amor e a razão). O filme é um dos 10 indicados a melhor filme no Oscar 2023. Durante à noite as mulheres são dopadas por homens que as estupram no interior de uma comunidade menonita. Polley expõe sua trama feminista mostrando apenas essas mulheres conversando entre si, os homens ficam excluídos (apenas o jovem August é permitido, por ser filho de uma que já morreu, mas mesmo assim para somente escrever a ata das reuniões), pois é a hora das mulheres discutirem as agressões sofridas justamente por uma sociedade opressora. "Entre mulheres" mostra essas mulheres com toda as suas contradições tanto geracional quanto comportamental, umas são mais conservadoras enquanto outras são mais ousadas nas discussões. Elas devem votar entre ficar, lutar ou fugir. Não há como negar acerca da relevância dessa obra, por tratar frontalmente um dos temas mais fundamentais do mundo contemporâneo: o da emancipação feminina. Entretanto, algumas estratégias narrativas me incomodaram, como uma insistente narração em off de uma menina, que talvez funcionasse no livro homônimo de Miriam Toews, mas aqui torna-se cansativo, ainda mais que o filme retrata basicamente o falatório sem fim das reuniões entre as mulheres abusadas. É bom registrar que o título original é bem mais sugestivo e propício do que o adotado no Brasil: "Women talking". O filme de Polley não condena nem julga a religiosidade que rege filosoficamente esse grupo de mulheres e que também é um dos sustentáculos do regime opressor que essas mulheres vivem. Seria tão mais interessante se a diretora tivesse incluído uma personagem que se demonstrasse crítica à tradição religiosa menonita (já essencialmente castradora). Assim, o filme caminha sem grandes arroubos, com cenas que mostram as discussões entre elas, ora em tom de desabafos (às vezes excessivos), ora com choros, desejos de luta de algumas e muito afeto entre elas, com destaque para as performances de Rooney Mara (Ona), Clara Foy (Salome) e Jessie Buckley (Mariche). "Entre mulheres" coloca explicitamente que não devemos mais silenciar às opressões, nem tão pouco aceita-las, nem que para isso seja necessário decidir que o melhor caminho a seguir é o do risco de se embrenhar mundo afora.
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AGITAÇÃO
Dir. Cyril Schäublin
COTAÇÃO: 8 
Impressão: "Agitação" é uma bela e rara oportunidade de se assistir a um interessante filme suíço, aqui dirigido por Cyril Schäublin, sobre um momento político envolvendo o movimento anarquista na Europa no final do século XIX, mais especificamente na Suíça, berço da tecnologia dos relógios. "Agitação" delimita um novo modo de marcar o tempo, de se organizar o capital e o sistema fabril. Não existe propriamente um protagonista, mas sim uma profusão de personagens que representam os diversos setores da sociedade. A desigualdade social é abordada com leveza por uma câmera que documenta mais do que comenta o trabalho das relojoeiras e dos patrões. Há um flagrante de um sistema fabril em que cada funcionário possui uma função na montagem do relógio, que fazia os empregadores pagar segundo a lógica do custo da parte do relógio montada por cada trabalhador e trabalhadora. Durante as eleições em Berna pode-se reparar o quanto elitista é o processo de votação, com as mulheres impedidas de votar, assim como as pessoas que não conseguiam pagar os aviltantes impostos cobrados pela prefeitura. A perseguição dos anarquistas aparece como algo politicamente importante para os poderosos locais, que descobrem quais são os adeptos às organizações anarquistas e os mesmos são sumariamente demitidos e impedidos de frequentar os tabernas da cidade. O filme é montado seguindo o ritmo do funcionamento de um relógio e a estrutura fragmentada da narrativa tenta dá conta das diferentes facetas da conservadora sociedade que queria controlar o tempo e a vida das pessoas. Mas "Agitação" ao mesmo tempo, quer registrar a nascente luta anarquista para acabar com o Estado e o sistema fabril opressor. Há uma fina ironia que relaciona o agitar do relógio, sua mecânica que busca a precisão, com o caos na qual a vida acontece, o relógio sem o homem ele para de movimentar e perde a sua finalidade. A invenção do despertador, é outra dado irônico no filme, pois ao mesmo tempo que ele funciona como uma lembrança do patrão para despertar o funcionário para ele não atrasar a entrada na fábrica, não deixa de ser uma metáfora para acordar o trabalhador que é hora de perceber o quanto é explorado no trabalho.           
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TOP GUN: MAVERICK
Dir. Joseph Kosinski
COTAÇÃO: 4
Impressão: Para mim, é difícil falar de "Top Gun: Maverick" sem observar o espectro ideológico que para muitos pode até passar batido, mas que ao meu ver salta aos olhos. Por trás de um filme de aventura muito bem realizado, diga-se de passagem, está escamoteado mensagens e formas de ver e sentir o mundo nada conectados com a minha maneira de ver e viver a vida. A ideologia militarizada ao extremo, aqui não me refiro somente ao personagem de Tom Cruise, mas a todos sem exceção, me incomoda, me agride mesmo. Nada contra filmes que retratem a dureza da vida, mas existem várias maneiras de se fazer isso. A visão supremacista branca, hétero top, típica da cultura Estatal dos Estados Unidos (aí independente se o filme tem personagens coadjuvantes pretos e mulheres) é propagada em todas as cenas, as estratégias de vencer o inimigo, de competição entre iguais, o ato de representar a bandeira do país, enfim, tudo ali está para exaltar um tipo de ideologia de Estado na qual eu não só não concordo, como também combato. Para mim, esse aspecto militarista pertence ao filme de tal maneira que eu não consigo realmente me conectar, mesmo reconhecendo ali uma aventura super bem filmada, apesar que me incomoda muito também que boa parte do filme seja realizada por meio de simuladores de voos. Quem acha que cinema é só diversão, apertar o play e relaxar na poltrona de casa ou do cinema, sem saber quais ideias estão engatadas à obra, tudo bem, vai fundo e divirta-se. Esse papo de missão dada é missão comprida, independente de quem esteja no alvo de mira, se uma escola ou uma arma letal e perigosa, também não me apraz. Importa sim saber quem está ali, que inimigo é esse a ser combatido, o filme parte da ideia que os Estados Unidos sabem o que deve ser combatido e se eles estão a jogar uma bomba eles tem razão e ponto final. Só uma coisa eu posso garantir: não é para mim, e isso não me diverte nem me entretém. Não nasci para ser sadomasoquista e ponto final. Notem como o personagem Pete "Maverick" Mitchell (Tom Cruise) está sempre pronto a provar a sua plena masculinidade, seja com o seu passado de combatente seja na cama com o affair Penny Benjamir (Jennifer Connely). Porém, podem argumentar que o roteiro do filme exemplifica muito bem as ideias do livro "A jornada do herói", de Joseph Campbell, a ponto de poder até ser incluído como um típico arquétipo de herói. A isso só tenho a dizer: parabéns, vocês estão vencendo! De resto, haja paciência.   
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A BALEIA
Dir. Darren Aronofsky
COTAÇÃO: 4  
Impressão: O famoso barroquismo do diretor Darren Aronofsky mais uma vez é reafirmado em seu último filme, "A baleia", baseado no livro homônimo de Samuel D. Hunter e roteirizado pelo mesmo. Se em "A mãe", o diretor vinha demolindo cena a cena a casa da protagonista, aqui ele faz o mesmo, só que agora a demolição é do personagem Charlie, interpretado com o máximo de entrega possível por Brendan Fraser. O ator ganhou muito peso para fazer esse papel, em que vive um professor de redação que sofre de obesidade mórbida e dá aula on line para poder esconder a imagem. O filme se passa todo na casa de Charlie, entre a sala, o quarto e a pequena varanda da frente, além de na tela de um computador. Leia a crítica completa no link: A BALEIA (2022) Dir. Darren Aronofsky (cinefialho.blogspot.com)
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EXCLUÍDOS
Dir. Nathaniel Martello-White
COTAÇÃO: 4
Impressão: "Excluídos" é um filme de suspense produzido pela Netflix e dirigido por Nathaniel Marcello-White. Neve (Ashley Medekwe) forjou uma vida perfeita para si, um marido dedicado e um casal de filhos. Mas um outro casal surge em sua vida para ameaça-la. O filme leva essa tensão até um determinado momento, até que descobrimos a identidade dos perseguidores. Como acontece na maioria dos filmes com essa trama, há o momento de queda de interesse. Na minha visão, o enredo parte de uma ideia ingênua e banal, de uma mulher que foge de sua própria família. Como o diretor Nathaniel encaminha o filme, o suspense se colocando acima da própria discussão temática, torna tudo muito vazio e insosso. As interpretações são um pouco over, o que também abala a qualidade final da obra, porque elas soam forçadas na maior parte do tempo. Mais uma obra da Netflix decepcionante, com fórmulas narrativas já pisadas e repisadas em vários outros filmes. No todo, apenas algumas cenas de suspense se salvam. Por ser uma história de família, esperava-se alguma tentativa de discussão antes de tudo se encaminhar para ser um simples filme de vingança.            
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MEU NOME É CHIHIRO
Dir. Rikiya Imaizumi
COTAÇÃO: 9

Impressão: Todos que me acompanham meus texto aqui no blog sabe o quanto é difícil que filmes com o selo de produção Netflix pouco me agradam. Mas devo abrir uma exceção: "Meu nome é Chihiro", filme japonês intimista que se passa em uma pequena cidade litorânea. Somente os japoneses conseguem realizar obras como esta, marcadamente sutis, extremamente sensíveis e que batem lá no fundo da gente pelo enorme senso de humanidade que eles conseguem atingir. O filme é baseado numa série de mangá escrito por Hiroyuki Yasuda. Leia a crítica completa no link: MEU NOME É CHIHIRO (2023) Dir. Rikiya Imaizumi (cinefialho.blogspot.com)
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MATO SECO EM CHAMAS
Dir. Adirley Queirós e Joana Pimenta
COTAÇÃO: 10
Impressão: "Mato seco em chamas" é o novo filme distópico do cineasta Adirley Queirós e codirigido pela portuguesa Joana Pimenta, fotógrafa de "Era uma vez Brasília" e também deste agora. A obra vem acumulando um número significativo de prêmios tanto internacionais quanto nacionais. Adirley narra uma história em que privilegia o olhar periférico e desta vez com protagonistas inteiramente femininas. A maior diferença que reparei de "Mato seco em chamas" para seus trabalhos anteriores é o maior engajamento político dos personagens. A maior semelhança está na adoção de uma perspectiva de moradores da Ceilândia (Comunidade Sol Nascente, a maior concentração populacional de Brasília), região marginalizada e bem distante do Centro de Brasília.  
   
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NA SUA CASA OU NA MINHA?
Dir. Aline Brosh McKenna
COTAÇÃO: 4
Impressão: A mais comum das características de uma comédia romântica é a leveza da sua trama. Nesse aspecto, "Na sua casa ou na minha?", dirigido por Aline Brosh McKenna, está totalmente em dia com o gênero. Mas leveza não significa dizer que não haja aprofundamento dos personagens, e nesse sentido, o filme derrapa feio. Uma pena não se aproveitar a expertise da dupla Reese Witherspoon e Ashton Kutcher no gênero, aqui, praticamente separados, unidos apenas por uma tela dividida em dois. A tentativa de uni-los durante a trama revela-se frágil demais. Na verdade, nada nos prende muito à essa história batida e sem encantos de dois amigos que depois de transarem ficam 20 anos sem se encontrarem, apesar de falarem sistematicamente por telefone. Quando Debbie (Reese Witherspoon) precisa fazer um curso em NY é o amigo Peter (Ashton Kutcher) que vai acudi-la ficando com o filho Jack. Sinceramente não consegui entender o que realmente os ligou durante os 20 anos, já que o filme começa com a tal única transa entre eles e o que vemos é um homem falando sem parar na cama, isto é, um fracasso só. O filho da personagem de Reese, Jack, é mais insosso que comida sem sal, o que também não ajuda muito para o filme emplacar. Mas o que falta mesmo é um roteiro que faça a história fazer sentido e sair da banalidade. O mais triste é quando vemos que os personagens coadjuvantes acabam brilhando mais que os protagonistas, caso de Minka (Zoë Chao) e Alicia (Tig Notaro). E só a título de constatação: o que é o personagem Zen, interpretado pelo ator Steven Zahn? Eu diria que é apenas mais um indício de que algo deu muito errado em "Na sua casa ou na minha?". 
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O MIADO DO GATO
Dir. Peter Bogdanovich
COTAÇÃO: 7
Impressão: "O miado do gato" é um típico filme de Peter Bogadnovich, por concentrar duas vertentes bem evidentes do seu cinema: o filme de época e de intriga envolvendo a história do cinema ou das artes, basta pensar em "No mundo do cinema" (1976), "Um sonho, dois amores" (1993), "A misteriosa morte de Natalie Wood" (2004) e "Um amor em cada esquina" (2013). Neste "O miado do gato", filme de 2001, o diretor aborda a misteriosa morte envolvendo um dos maiores produtores do cinema mudo, Tom Ince. Durante os anos que sucederam essa morte, muitas polêmicas foram sustentadas, muitas contraditórias entre si. Bogdanovich aposta na tese de que o milionário William Randolph Hearst não só foi o assassino, como errou o alvo, pois o que ele queria mesmo no ensejo era matar o famoso cineasta Charles Chaplin, que estava tendo um caso com a sua amante Marion (Kirsten Dunst). Bogdanovich explora bem as contradições que afloram desse momento histórico onde o poder da grana era mais explícito e personalizado. Uma produção luxuosa, com ótimas interpretações e um roteiro que sabe onde quer chegar.
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BATALHA REAL
Dir. Kinji Fukasaku
COTAÇÃO: 7
Impressão: Os japoneses são muito competentes quando o gênero é o terror. "Em "Batalha Real", o diretor Kinji Fukasaku realiza um terror gore se mistura à comédia ácida em algumas cenas. O filme foi adaptado do polêmico livro "Battle Royale", lançado em 1999, um ano antes do filme. Na trama, há um franco sentimento de rebeldia entre os jovens e o governo implanta uma lei que permite um jogo que se passa em uma ilha afastada e distante, onde 42 jovens de um mesmo segmento escolar se guerreiem até sobrar apenas um deles como vencedor. Creio que esse filme funciona como uma metáfora sobre a manipulação que a sociedade exerce sobre os jovens para estancar a propensão à união entre eles. Se explora uma ideia que o sistema escolar investe na divisão entre os jovens, com receio do que pode acontecer se eles juntarem rebeldia e espírito de solidariedade. Jogar um contra o outro revela-se uma estratégia e tanto de dividir para reinar. A violência do sistema instala-se então entre os jovens e as cenas passam a ser dominadas pelo vermelho do sangue. Há cenas em que o trash domina tanto na interpretação quanto na encenação. Destaque para a participação especialíssima do astro Takeshi Kitano, interpretando um autoritário professor que possui o seu sobrenome, Sr. Kitano e esse é um dos elementos cômicos desse "Batalha Real"., basta lembrar que Kitano antes de ser cineasta consagrado mundialmente, foi o comediante mais popular do Japão, com um programa de televisão "Two Beat", de 1986 a 1989.
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QUANDO VOCÊ TERMINAR DE SALVAR O MUNDO
Dir. Jesse Eisenberg
COTAÇÃO: 7
Impressão: "Quando você terminar de salvar o mundo" é um típico filme de personagens, em especial da relação entre o adolescente Ziggy (Finn Wolfhard) e sua mãe Evelyn (Julianne Moore). Ziggy quer ser música, na verdade ele já é, tem 20 mil seguidores, que volta e meia lhe dão modestas contribuições financeiras, tudo isso sob o olhar desconfiado e descrente de seus pais. Julianne Moore como uma assistente social está como sempre muito bem, principalmente como uma mãe preocupada com o futuro do filho e de Kyle, um dos internados na instituição que Evelyn mantem. Evelyn quer transformar Kyle no que ela não conseguiu com seu filho, um estudante universitário. O filme discute o conflito de gerações e a luta de Ziggy pela aceitação de seu ofício como cantor de folk/rock perante seus pais. O jovem ator Finn Wolfhard segura seu papel com galhardia, enquanto seu personagem tenta seduzir a engajada colega de turma, uma militante de esquerda de causas sociais, que não se empolga muito por Ziggy, apenas interessado em viabilizar financeiramente a sua música. A personagem de Evelyn vive uma contradição profunda, pois enquanto acolhe pessoas advindas de problemas de assédios familiares ela trata funcionários e filho com certa frieza. Entre decepções, militâncias e amores não correspondidos a estreia do ator Jesse Eisenberg como diretor se mostra competente e se esforça no desenvolvimento das personagens. A personagem de Evelyn descobre que precisa conhecer melhor o trabalho do filho para resgatar a relação deles, depois de se decepcionar com as decisões do jovem Kyle. "Quando você terminar de salvar o mundo" mostra o quanto o exercício do amor é a única redenção possível nesse mundo tão difícil de se viver.
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DOENTE DE MIM MESMO (SYK PIKE)
Dir. Kristoffer Borgli
COTAÇÃO: 6
Impressão: O filme parte de uma premissa absurda. Signe (Kristine Kujath Thorp) não se conforma com o sucesso midiático do namorado (Eirik Saether), um artista visual contemporâneo que cria arte a partir de objetos roubados. Tudo aqui é doentio e bizarro. Signe começa a se autoagredir até chegar a deformidade. Sua transformação facial é de tal ordem que ela acaba chamando a atenção da mídia. O filme critica uma sociedade egocêntrica, profundamente infantilizada, em que as pessoas se submetem a diversos absurdos para chamarem a atenção. Depois de um certo momento, lá para o último terço, o filme não consegue mais desenvolver o próprio absurdo a que se propôs e perdendo consideravelmente o ritmo inicial. A postura da direção me parece muito cômoda em relação aos fatos bizarros alinhavados. Tudo é tratado com muita naturalidade. Tem uma cena esdrúxula em que ele faz um discurso em meio a um jantar da alta sociedade e Signe justamente começa a passar mal nessa hora, ele não só ignora como diz que precisa terminar a sua fala. Ao meu ver, esses filmes que se utilizam de uma proposta realista para tentar ultrapassa-lo, ao exagera-lo, lhe conferindo um tom sempre acima, soam muito forçados e querem se promover por meio do choque, embora não consigam desenvolver realmente as ideias que foram colocadas à mesa nos minutos iniciais. "Doente de mim mesmo" passeia por esse universo, mesmo não sendo um dos mais radicais nessa concepção do exagerar para chamar a atenção, e até tem alguns momentos bem-sucedidos que vale a pena conferir.
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BEIJOS DE AÇÚCAR
Dir. Carlos Cuarón
COTAÇÃO: 7
Impressão: O diretor Carlos Cuarón é irmão do famoso Alfonso que já ganhou dois Oscar de direção ("Gravidade" e "Roma"). "Beijos de Açúcar" é uma fábula urbana imersa em uma sociedade extremamente violenta, em plena Cidade do México. Dois pré-adolescentes, Nacho (César Kancino) e Mayra (Daniela Arce) vivem uma atração e um namorinho pra lá de inocente, em meio à corrupção de seus responsáveis. O diretor Carlos Cuarón narra essa história com um máximo de realismo, sublinhando o cotidiano violento dessas duas famílias, ambas envolvidas em esquemas pra lá de duvidosos. Nacho sofre com as agressões do padrasto, enquanto Mayra com as da mãe e irmão (que tenta sistematicamente abusa-la). Cuarón transforma todo esse drama numa aventura tensa e romântica. A cena final com os adolescentes saltando no ar, se transforma numa metáfora poderosa acerca da condição instável e desesperada na qual os jovens namorados estão sujeitos. Um filme sobre apegar-se ao outro como salvação no meio ao caos e a falência das relações humanas. A direção de Cuarón se esforça por criar um espaço para que o amor floresça, bem do tipo da lama pode nascer uma flor. "Beijos de Açúcar" também fala de esperança, do poder que só as novas gerações possuem, de mudar os destinos de um pais soterrado por práticas violentas e corruptas. Um final que muito me lembrou ao célebre e libertário filme "Thelma e Louise", de Ridley Scott.
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AVATAR: O CAMINHO DAS ÁGUAS
Dir. James Cameron
COTAÇÃO: 5
Impressão: 13 anos depois do estrondoso sucesso de "Avatar", o diretor James Cameron retorna com a continuação "Avatar: o caminho das águas", porém sem conseguir alcançar o mesmo impacto, em parte porque as inovações tecnológicas que Avatar trouxe em 2009, em especial a inserção do Real 3D, já estão hoje perfeitamente incorporadas à indústria do cinema. As esticadas 3 horas e 12 minutos tornam o filme cansativo, mesmo que visualmente haja momentos subaquáticos sublimes. Muito se tem falado do abandono de Cameron em relação aos Metkayina, que iniciam o ataque no final do filme e depois somem inteiramente da batalha, em que aparecem apenas os personagens Na'vi lutando. Seria um furo de roteiro ou da montagem? Apesar desse fato realmente ocorrer e ser problemático para o desenvolvimento da trama, gostaria de pensar o filme em outro viés, o da representação, pois do ponto de vista da realização técnica, tanto da imagem quanto do som, é muito bem feito e resolvido. O que me incomoda profundamente em "Avatar" (e essa não é só uma questão que vem da concepção, lá do primeiro e se mantém agora no segundo) é a maneira exótica em que os personagens originários (não só os Na'vi, mas os Metkayina e outras civilizações que aparecem nesse Avatar 2) são retratados, com cores de peles e outros traços físicos não humanos. Também não gosto quando em um filme longo não trabalha que mundo é esse que quer destruir a flora e a fauna dos ambientes naturais, preferindo apenas dicotomizar o mundo entre os bons (os povos originários) e os maus (o povo do céu). Acredito que quando se arma povos que vivem harmonicamente com a natureza e em paz, igualamos esses povos aos homens destruidores que se mostram violentos e cruéis. O fim desse massacre aos povos originários deveria ser feito pela organização civilizatória do povo do céu. Este sim deve impedir e lutar contra os seus habitantes poderosos, aqui representados por uma ambiciosa e rica corporação privada (possivelmente associada a um governo conservador e privatista, sem interesse público) para que se respeite os povos originários, que se garanta o direito deles viverem de acordo com suas culturas e tradições seculares. Basta pensarmos em nossos indígenas. São eles que tem que se armar contra os grileiros, fortemente armados e treinados para roubar e matar, ou somos nós, pertencentes a essa mesma civilização (que elege seus governantes e líderes), que devemos exigir que os governos protejam os povos originários que sempre viveram apenas em contato direto com a natureza, e sempre extraíram dela apenas sua subsistência? Essa distorção está gravemente presente em "Avatar" e creio que esse equívoco de fazer dos povos originários também matadores armados, atirando contra quem quer que seja, revele um desvio grave de concepção, e mesmo sendo "Avatar" somente um filme de cinema, não podemos fechar os olhos que há ideologias que o circundam e construções sobre ordens sociais importantes para serem debatidas, e que muitas vezes passam batidas e são invisibilizadas pela beleza das imagens digitalizadas e límpidas do cinema da grande indústria.
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MAYA (peça -filme)
Dir. Cavi Borges e Patrícia Niedermeier
COTAÇÃO: 9
Impressão: Se você nunca viu Patrícia Niedermeier em ação em um palco, não sabe o que está perdendo. Agora, se já viu, sabe do que eu estou a falar, então corre para ver "Maya" no saguão do Estação Net Rio. Patrícia é uma artista brilhante, sua inteireza é contagiante, inebriante para quem participa como espectador do seu estar no palco. "Maya" é antes de tudo um ritual, mas um ritual dominado pelo hibridismo de duas personagens maravilhosas, Maya Deren e Patrícia Niedermeier. É como se Patrícia tivesse encontrado sua alma gêmea no palco das representações e da arte. Não por acaso, o meu amigo e crítico Carlos Alberto Mattos, sabiamente a denominou de Patrícia Niedermaya, tamanha a entrega e cumplicidade que domina a cena do saguão do cinema. 
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ANDANÇA: OS ENCONTROS E AS MEMÓRIAS DE BETH CARVALHO
Dir. Pedro Bronz
COTAÇÃO: 9
Impressão: Que obra estupenda esse documentário de Pedro Bronz, afora a grande personalidade que foi Beth Carvalho, que creio que qualquer filme sobre ela não conseguiria fugir, esse "Andanças..." mescla arquivos de programas de TV, depoimentos em áudio com os vídeos realizados ora pela própria Beth Carvalho ora pelo seu motorista que registravam todos as saídas as rodas de samba que ela tanto gostava de prestigiar. Logo no primeiro vídeo, no saudoso e tradicional Bip Bip, um dos sambistas já vai logo detectando: "Beth Carvalho, nossa cineasta". E a própria Beth, logo depois sublinha: "documento a vida dos outros e a minha. Minha casa é um arquivo." O diretor Pedro Bronz, desde o início prescreve qual será a base de seu filme, os arquivos pessoais da própria artista. Leia a crítica completa no link: ANDANÇA: OS ENCONTROS E AS MEMÓRIAS DE BETH CARVALHO (2022) Dir. Pedro Bronz (cinefialho.blogspot.com)

BATEM À PORTA
Dir. M. Night Shyamalan
COTAÇÃO: 5
Impressão: "Batem à porta", novo trabalho do cineasta indiano (quase norte-americano) M. Night Shyamalan reafirma o seu diferencial como diretor de tramas de suspense, embora decepcione quanto ao conteúdo. Desde o início sentimos o suspense atracando na tela. Enquanto a menina Wen, de 8 anos, brinca no aprazível jardim de uma casa alugada pelos pais em plenas férias, vemos a chegada inesperada Leonard, um estranho que puxa conversa com ela. Há uma tensão apavorante nesta cena e ela vem muito da interpretação da jovem Kristen Cui, do olhar sensível e das pausas que ela faz. O temor logo virar terror e a tensão a partir daí só aumenta. 
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TUDO EM TODO O LUGAR AO MESMO TEMPO
Dir. Daniel Kwan e Daniel Scheinert
COTAÇÃO: 6
Impressão: "Tudo em todo o lugar ao mesmo tempo", dirigido pela dupla Daniel Kwan e Daniel Scheinert, é um filme profundamente gráfico e expositivo. Tudo o que ele quer dizer está quase o tempo todo na maneira como os diretores pensaram a sua construção imagética. E isso quer dizer o quanto ele se impõe a fórceps ao espectador, o filme nos é literalmente empurrado goela abaixo. Mas se você consegue sobreviver à velocidade dele, a sua avalanche, lá pela terceira parte tudo vai clareando e o resultado disso é você enxergar o quanto tudo nele é bem óbvio, nada complexo como se imaginava a princípio. ver a crítica completa no link: TUDO EM TODO LUGAR AO MESMO TEMPO (2022) Dir. Daniel Kwan e Daniel Scheinert (cinefialho.blogspot.com) 
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TRIÂNGULO DA TRISTEZA
Dir. Ruben Östlund
COTAÇÃO: 3















Impressão: Se em "The Square" o superestimado diretor sueco Ruben Östlund abusou das metáforas, em "Triângulo da tristeza" a mensagem é bem mais direta, com direito à escatologia e um humor rasteiro e óbvio. Confesso que até prefiro, ou aturo melhor, essa forma direta, pelo menos elimina a incômoda tarefa de pensar nas possíveis simbologias mirabolantes e pretenciosas do diretor. Só duas coisas unem "The Square" e "Triângulo da tristeza": a Palma de Ouro em Cannes e a pretensão à grande obra. Se na primeira existia um chiste conceitual, na segunda nem isso. Em "Triângulo da tristeza" acompanhamos um jovem casal, ele modelo e ela uma influencer digital, um relacionamento complicado, em que há uma severa desconfiança se haveria conveniência ou amor verdadeiro na relação deles. Em meio a essa crise, o casal vai parar em um cruzeiro com milionários, que naufraga, com os sobreviventes (além do casal, alguns milionários e funcionários do navio) indo parar em uma ilha, onde as hierarquias sociais são invertidas. Tudo é muito óbvio, em alguns momentos escatológico e muito humor sem graça. Há uma participação especial do ator Woody Harrelson, como um excêntrico capitão do navio, um inusitado adorador das frases de Karl Marx e Lênin. Em "Triângulo da tristeza" sobra o patético e o superficial, uma crítica pobre ao capitalismo e suas ramificações sociais. Há um tipo de surto doentio em Cannes por idolatrar sistematicamente um diretor tão vazio quanto Ruben Östlund. 
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TILL - A busca por justiça
Dir. Chinonye Chukwu
COTAÇÃO: 4
Impressão: "Till" é um filme que aborda um dos temas sociais mais importantes: o racismo. E ainda sendo mais específico, o dos Estados Unidos nos anos 1950, momento em que a tensão racial chegou ao máximo por lá. A trama se passa no Mississipi, um dos Estados mais racistas, basta lembrar do filme de Allan Parker de 1986, "Mississipi em Chamas". Mas "Till" demora muito a engrenar, há pelo menos uns 30 a 40 minutos que poderiam ser facilmente cortados. Logo após a morte de Till o filme parece que morre com ele, é como se o filme decretasse um luto pelo personagem e não mais quisesse sair desse ponto, lembrando que a proposta narrativa de Chinonye está totalmente alicerçada numa perspectiva clássica, tendo como ponto de virada a decisão da Mamie Till-Mobley (Danielle Deadwyler) em enfrentar a Corte de Justiça para exigir punição para os assassinos de seu filho. A interpretação de Danielle Deadwyler é sem dúvida o ponto alto dessa trama e o que a sustenta. "Till" é um bom exemplo de uma montagem mal feita, que deixa o filme esmorecer e perder a sua força dramática, sem falar que o roteiro escorrega muitas vezes no melodrama deveras adocicado e sensacionalista, reforçado por uma música que sublinha essa característica dramatúrgica. A imagem lavada vinda tanto da fotografia quanto dos figurinos e cenários também salienta a criação de uma obra que acaba por reafirmar a ideia eugênica daquela sociedade racista que o filme quer tanto questionar e contradizer. Deu até vontade de revisitar "Mississipi em Chamas".  
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PERLIMPS
Dir. Alê Abreu
COTAÇÃO: 8
Impressão: "Perlimps", novo trabalho de Alê Abreu (de "Garoto Cósmico" e o consagrado "O Menino e o Mundo") é o mais intimista de suas animações. Na história, dois seres aparentemente híbridos (Claé e Bruô) e antagônicos (um do mundo sol e outro do mundo lua, dois reinos em guerra) se encontram na mata em busca de seres mágicos chamados Perlimps. Nessa busca, eles encontram João-de-Barro, um ser mais idoso que já foi do mundo dos gigantes, mas que preferiu se refugiar na floresta para viver em comunhão com as estrelas e poder usufruir do mistério da vida. "Perlimps" vai lentamente avançando em um ritmo de contemplação. Ao que parece, algo mágico pode acontecer a qualquer momento. Alê mais uma vez cria uma animação que beira o lisérgico com suas cores inebriantes e nos provoca sensorialmente, onde o lilás e o verde se harmonizam com rara beleza. Se o roteiro demora um pouco a engatar, pois a primazia de Alê está nas sensações, aos poucos, Alê vai nos alimentando e envolvendo sonora e imageticamente com a magia de seu mundo animado. Alê quer primeiro nos fisgar pela pele, aguçando os sentidos, para só depois do meio para o fim, nos desvelar mais da história que quer contar. O princípio de Alê é bem evidente, primeiro devemos sentir, embarcar na viagem, depois passamos para o pensamento,  à mensagem. Os filmes de Alê são uma espécie de espelho que está ali para nos lembrar quem somos. Ao final, o discurso vai se evidenciando, as pontas vão se amarrando e vamos descobrindo o mundo artificial, nefasto e belicoso que enquanto humanidade criamos para viver. É mais uma ode contra as guerras e os muros que construímos contra nós mesmos, afinal somos todos seres que precisamos um do outro e podemos viver harmonicamente em um coletivo. A maior prova disso é a amizade que as crianças, esses perlimps, travam naturalmente, quando estão distantes dos seus belicosos pais. Sim, é possível conviver na diferença, afinal, o sol e lua cada qual tem o seu papel em nossas vidas. Mais uma vez, Alê quer despertar em nós a criança que deixamos adormecer. Essa é a sua marca indelével como autor. A primeira exibição do filme foi no Festival de Annecy (o mais famoso festival de animação do mundo), em 2022.  
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PEARL 
Dir. Ti West
Onde: Cinema
COTAÇÃO: 8
Impressão: Segundo filme da trilogia de terror que iniciou com "X - a marca da morte" (2022), "Pearl" traz cenas no melhor estilo gore ao resgatar o slasher para a sua trama. "Pearl" trabalha de forma enviesada com um cinema que cultua a fantasia como uma visão de mundo possível. Tudo filmado com elegância, se esforçando por desviar de uma estética trash. O filme trata da crescente insatisfação da personagem Pearl (com interpretação inebriante e eu diria até possuída de Mia Goth), uma moça muito jovem cujo marido está servindo na guerra e cujo sonho de vida é a de se tornar uma estrela de cinema, em especial um filme com dança. Mas a vida austera na fazenda, com o pai doente e a mãe conservadora a explorar sua mão de obra, parecem a deixar muito longe de seus maiores desejos, fatos que vão transformando a personalidade da jovem. A relação dela com um projecionista sedutor a incita mergulhar ainda mais nos seus sonhos e pesadelos. "Pearl" traz uma metáfora poderosa sobre o efeito da guerra (no caso a 1ª Guerra Mundial) como uma das maiores anomalias humanas, como um assassinato consentido de milhares de pessoas, ainda tendo uma pandemia de gripe espanhola como pano de fundo, lembrando que o filme foi filmado em plena pandemia da Covid-19.
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BABILÔNIA
Dir. Damien Chazelle
COTAÇÃO: 8
Impressão: "Babilônia" são três horas de alucinação que flerta com permanentemente com o delirante, bem ao modo do diretor Damien Chazelle. Reconheço que tenho uma grande má vontade em relação a pelo menos dois de seus filmes, como "La La Land" (2016) e "Whiplash" (2014), em especial pelos exageros inerentes tanto na dramaturgia quanto no próprio roteiro. Mas confesso que "Babilônia" me surpreendeu positivamente. O filme se passa durante a passagem do cinema mudo para o falado, desde o final da década de 1920 até o início dos anos 1950, quando o cinema de Hollywood atingiu o apogeu. Talvez o exagero habitual de Chazelle se justifique no tema escolhido, pois a época inicial do cinema nos Estados Unidos nos anos 1920 a indústria ainda estava em construção e havia muito espaço para a loucura. "Babilônia" explora muito bem esse momento em que o cinema mudo começa a perder espaço para o falado ao mostrar o quanto a incerteza e a decadência de uma Era permeia a história. 

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ME BUSCO LONGE
Dir. Diego Lublinsky
COTAÇÃO: 7
Impressão: Desde "Elena" (2012), de Petra Costa, que virou uma febre incontida se fazer filmes a partir de sua própria família. Mais de 10 anos depois nos chega "Me Busco Longe", de Diego Lublinsky. Tal como em "Elena", esse documentário também possui a narrativa em off de alguém (o próprio diretor Diego Lublinsky) tentando entender o mundo a partir dos seus, aqui no caso, o objeto de estudo é Graziele, a cunhada do diretor, lésbica que vai morar na Argentina com medo do que possa ocorrer com ela depois da eleição do governo conservador e homofóbico de Bolsonaro. 
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IMPÉRIO DA LUZ
Dir. Sam Mendes
COTAÇÃO: 5
Impressão: O diretor Sam Mendes tem todos os ingredientes para realizar um grande filme: orçamento, ótimos atores e ótima história, mas é notório que algo não funciona. "Império da luz" é morno do início ao fim, falta uma força cinematográfica. Tudo é tão correto e certinho, Sam Mendes parece um burocrata batendo o ponto e carimbando um rotineiro documento de um escritório. Talvez a maior fragilidade da história deve ser o diretor abraçar duas frentes de discussões em "Império da Luz": a primeira com a depressiva Hilary, gerente de um cinema decadente, interpretada pela sempre ótima Olivia Colman; a segunda com Stephen (Michael Ward), um jovem preto que almeja entrar para a faculdade e aceita provisoriamente trabalhar no cinema. O racismo sofrido por Stephen e os problemas psiquiátricos de Hilary dividem a trama o tempo inteiro, o que de certa maneira não leva o filme realmente para algum lugar mais consistente. No todo, "Império da luz" é uma obra que carece de ritmo, embora seja passável e até prazerosa de ser assistida. Tem alguns bons momentos, como o da agressão racista a Stephen dentro do cinema e um interessante desmascaramento que Hilary faz com o administrador do cinema (vivido por Colin Firth), um abusador sexual e um homem com posturas autoritárias. Alguns personagens apenas flutuam pela história, como Ruby (Crystal Clarke), a ex-namorada de Stephen, assim como alguns funcionários do cinema. O filme se passa numa cidade pequena e costeira da Inglaterra, Sam Mendes explora implicitamente uma ideia de provincianismo e de decadência, que acaba por não ser bem-sucedida dramaturgicamente, pois na maioria do tempo as informações ficam desconectadas, inclusive a presença do racismo, que surge sempre muito forçada na trama, assim como a própria doença psíquica de Hilary. Ao final, tudo soa como um desperdício de talentos e energia.
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DEUS TEM AIDS
Dir. Fabio Leal e Gustavo Vinagre
COTAÇÃO: 6
Impressão:  Gustavo Vinagre e Fabio Leal são dois importantes diretores que sempre abordam nos seus trabalhos temas ligados à sexualidade do universo LGBTQIA+. Conforme indica o próprio título "Deus tem Aids",  o documentário discute o vírus HIV nos tempos atuais. Um dos enfoques é mostrar como o tema tão debatido e cercado de preconceito e homofobia há 20 anos atrás, hoje está em um limbo, como se não mais existisse, um silêncio invisibilizador e torturante para quem é positivado. O documentário se divide em duas propostas: uma, colher depoimentos de performes e atores que convivem com o vírus do HIV, e outra, com performances que representam o assunto em práticas artísticas. O que a dupla de cineastas não faz é procurar especialistas médicos na área. Assim, o enfoque fica com os portadores do vírus que narram como convivem com amigos, amantes e os estigmas provenientes do preconceito que continua a rondar suas existências. As performances que vemos são variadas, algumas mais sensoriais, outras mais carnais e provocativas, além de uma que considero a mais simples e interessante, quando o artista vai às ruas com uma placa que diz: "vamos conversar sobre HIV/AIDS"? Creio que essa ideia é a que mais sintetiza essa proposta bem simples do ponto de vista formal de "Deus tem Aids", trazer à baila essa velha discussão, que hoje devido aos remédios, propicia uma qualidade de vida a quem tem o vírus, além de atualizar algumas questões antigas hoje já superadas. Ao final, o filme traz diversas estatísticas e mostra o desemparo no qual o governo passado relegou à doença, suspendendo todos os incentivos que a lei sempre prestou aos infectados. A ausência de uma vacina depois de 20 anos é um alerta que o filme aponta como grave e que muito diz sobre o desrespeito e descaso oficial em relação aqueles que vivem atormentados com a sombra permanente da Aids e todos os preconceitos que ainda teimam a cercar esse controvertido tema.
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RRR (Revolta, rebelião e revolução)
Dir. S.S. Rajamouli
COTAÇÃO: 8
Impressão: Muito bom eu poder escrever sobre "RRR" logo depois de "Pantera Negra: Wakanda para sempre", pois mostra o quanto minhas críticas à essa mega produção de Hollywood não se deu só pela magnitude de recursos financeiros ou por preconceito à narrativa, mas sim pelas escolhas cinematográficas e ideológicas desse filme. "RRR" é igualmente uma mega produção cinematográfica, não resta dúvida, com custo superior a 300 milhões de reais, a maior da história do cinema indiano (um terço a menos do que "Pantera Negra: Wakanda para sempre). O filme tem duas sub-histórias: na primeira, uma menina é sequestrada por uma riquíssima e poderosa família inglesa, por puro capricho e crueldade e o tio Bheem (N. T. Rama Rao Jr.) não mede esforços para reintegrá-la à família. Na segunda, que só descobrimos mais tarde, narra a história de um menino Raju (Ram Charan) que promete ao pai morto pelos ingleses numa guerra desigual, que armará toda a população para derrubar o sistema colonial inglês. Essas duas histórias se encontraram mais à frente para caminharem juntas até o fim. 
Leia o texto completo no link: RRR (Revolta, Rebeldia e Revolução) 2022 Dir. S.S. Rajamouli (cinefialho.blogspot.com)                        
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PARA LESLIE
Dir. Michael Morris 
COTAÇÃO: 6
Impressão: "Para Leslie" é um típico filme independente dos Estados Unidos, com uma história de baixo orçamento, balizada por um trabalho que se sustenta na interpretação dos atores. Aqui temos uma trama pessoal que se mistura com a familiar. A atriz Andrea Riseborough, indicada com justiça ao Oscar de melhor atriz, que interpreta Leslie, uma mulher que mesmo depois de ter tido um filho, precisa se reencontrar na vida, em especial depois que ganha uma bolada na loteria e gasta tudo em farras e cai no alcoolismo. "Para Leslie" caminha pelos caminhos mais tortuosos que uma pessoa pode atravessar, mostra o quanto é difícil recomeçar em uma cidade onde quase ninguém acredita mais em você. Por menor que seja, sempre existe uma fresta para vermos o mundo de outra forma e transformar nossa existência. Esse é um filme sobre encontros, desencontros e reencontros e a câmera a cada cena respeita esses momentos específicos, como quem sabe que é preciso se ter calma para quem precisa descobrir atalhos que permitam novas visões sobre o mundo. Quando Leslie encontra dois homens que administram um pequeno motel numa beira de estrada, mal podia imaginar as surpresas que a vida ainda lhe reservava, muito maiores que os milhares de dólares que ganhou na loteria. O realismo dessa história nos prende a ação, em especial pela interpretação precisa e no ponto certo de Andrea Riseborough, embora o final atabalhoado e forçado em felicidade atrapalhe o trajeto até então tão bem percorrido pelo diretor Michael Morris. No auge do sofrimento, Leslie reencontra a alegria de viver em uma guinada bem inesperada. De uma hora para outra, Leslie abandona o alcoolismo (de maneira bem rápida), faz as pazes com inimigos antigos e reencontra o filho. Esse escorregão acontece apenas no final e ele acarreta um baita tombo narrativo, capaz de quebrar a perna de um roteiro que vinha caminhando com tanta harmonia. Uma pena.          
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PANTERA NEGRA: WAKANDA PARA SEMPRE
Dir. Ryan Coogler
COTAÇÃO: 3
Impressão: Nem sempre um filme precisa de continuação. Depois do bom Pantera Negra (2018) e a morte do ator Chadwick Boseman, essa continuação é visivelmente forçada e descabida. E olha que à luz da cena final podemos quase afirmar que haverá a terceira parte desse que já pode ser considerado mais uma franquia da gigante Marvel. Bem, o que podemos afirmar é que essa segunda parte nem deveria existir. Primeiro porque as premissas de "Pantera Negra: Wakanda para sempre" são todas equivocadas, a começar por explorar uma guerra entre uma população negra e uma ameríndia, quando que a maior contradição no enredo é provocada pela ambição do Estados Unidos interessado em uma substância que pode trazer mais poder para o país. O mais incrível nessa nova versão é colocar os governo dos Estados Unidos como secundário e trazer para o protagonismo duas civilizações (uma de origem africana e outra na cultura asteca) que brigam entre si. A cultura ameríndia é frontamente vilanizada, o que é ideologicamente muito complicado e questionável. O filme é ainda muito longo, a história vai se arrastando e os mesmos conflitos parecem ficar estagnados para no final serem resolvidos pelo consenso entre os povos aparentemente oponentes, depois de muita guerra, mortes inúteis, vazias e mal filmadas. As imagens insistentes do ator Chadwick Boseman soam como apelativas tanto no início quanto no final do filme, como se elas por si fossem capazes de salvar esse equívoco chamado "Pantera Negra: Wakanda para sempre". Nem as presenças radiosas de Lupita  Nyong'o e Angela Bassett salvam esse inútil filme do fracasso. 
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HOLY SPIDER (2022)
Dir. Ali Abassi
COTAÇÃO: 6

Impressão: "Holy Spider" consegue misturar em seu enredo o filme de serial killer, típico e popular na cultura cinematográfica de Hollywood e o filme de crítica social, bem comum no cinema do Irã. Ali Abassi, diretor do inusitado "Border" (2018), aqui caminha mais pela narrativa realista ao basear sua história em um caso real ocorrido no Irã. O personagem do serial killer Saeed (Mehdi Bajestani) é um cidadão aparentemente comum, casado e com dois filhos, mas fanatizado pelo fundamentalismo religioso, que não consegue lidar com as contradições sociais do regime que defende. A maior questão do filme de Ali Abassi é mostrar que todas as prostitutas estão nessa para não passar fome, o que acaba por envolver também um julgamento moral sobre essas profissionais, como que quisesse justificar o ofício delas pela necessidade. Essa é uma questão certamente delicada, mas que precisa ser melhor colocada, ainda mais em um filme vindo de um país tão moralista e cercado de proibições em relação ao corpo da mulher. Assim, o filme de Ali Abassi se centra mais em entender esse homem do que realmente se aprofundar na questão de ser mulher nessa sociedade opressora. A personagem da jornalista Rahimi (Zar Amir Ebrahimi) é de uma mulher urbana, que vem de Teerã para colaborar com a polícia local, apesar de não encontrar eco, apenas endosso do machismo imperante na sociedade, numa cena clássica de tentativa de estupro. O mais interessante em "Holy Spider" é quando finalmente a jornalista Rahimi com sua tenacidade consegue prender o assassino, mas logo descobre que há um forte movimento na sociedade e na justiça em defesa dele, como uma espécie de justiceiro a acabar com as putas que poluem o convívio social. Esse aspecto podre entranhado na sociedade, muito me lembrou do fascismo brasileiro, em que encontramos uma boa parcela da sociedade, no caso de pessoas, muitas delas nossos vizinhos e familiares, defendendo valores antidemocráticos, a homofobia, o racismo, o ódio religioso, entre outras coisas abomináveis. Não sei se cabe à arte tentar entender o ódio enraizado nessas pessoas envenenadas por questões religiosas ou históricas mesmo. Acredito que devemos denunciar e pedir que a justiça intervenha com radicalidade. Por isso, considero que o maior mérito de "Holy Spider" é mostrar que o serial killer é somente parte de algo maior, o que muitas vezes o filme de Hollywood não o faz ao tratar esses personagens apenas como sendo eles a anomalia, livrando a formação histórica e social de responsabilidades.
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5 CASAS (2021)
Dir. Bruno Gularte Barreto
COTAÇÃO: 9
Impressão: "5 Casas" é um filme sobre a finitude e o quanto é difícil lidarmos com isso, embora o diretor Bruno Gularte Barreto nem sempre explicite essa ideia, pois o filme a princípio parece ser sobre um processo de autodescoberta, e de certa forma também o é, apesar de que camadas vão se juntando a esse eixo inicial de um homem que volta à pequena cidade natal numa tentativa de entender melhor não só a si mesmo, mas também o mundo da sua infância, e porque não dizer o mundo presente. O primeiro baque do diretor acontece quando se depara com o esqueleto de sua casa. Tal como um corpo sepultado, ela está lá, com os seus restos mortais, pronta para ser redescoberta pelo "paleontólogo" Bruno Gularte Barreto. Cada uma das 5 casas que o diretor visita revela uma nova camada à história e reafirma o quanto é cruel a passagem do tempo e o seu efeito sobre as pessoas e as coisas. Na sua casa de infância há a descoberta de um passado dolorido pela perda dos pais, em especial a da mãe, pela qual Bruno nutre um especial afeto. As fotos vão despertando tanto saudades de fatos e momentos (acho especialmente belo quando Bruno relembra detalhes dos preparativos de uma das foto) quanto uma necessidade de se apegar a elas como se fora uma luta do diretor contra a própria finitude. Bruno vai prendendo as fotos como pode às paredes decrépitas dos restos mortais de sua antiga casa e esse gesto está eivado de justeza, melancolia e apego a si mesmo. Somos o que somos também pelas referências que somamos durante a vida. Assim, Bruno vai encontrando personagens importantes para a sua formação, como a professora, a diretora da escola, um homem que sempre viveu só no campo e um amigo gay. A imagem remanescente da forte diretora Amélia se transformou, agora ela está debilitada pela velhice e pelo desprezo das irmãs atuais que a descartam como se fora um pano usado que não serve mais sequer para fazer a limpeza. Ainda tem a antiga professora afetuosa que agora briga com uma construtora para manter a sua antiga casa com seu quintal frutífero e tão valoroso ainda para ela. O amigo gay expõe o quanto suportou preconceitos por conta de sua orientação sexual, o quanto foi agredido pela sociedade homofóbica que jamais o aceitou como era. Assim, lentamente, o Brasil mais profundo vai mostrando a sua cara mais conservadora e intolerante. "5 Casas" é sobre essas várias finitudes, sobre valores de amizade, respeito, reciprocidade e amor que como as casas igualmente vão se deterioraram com o tempo. Se Bruno Gularte parte da materialidade das casas, sua investigação vai além delas até chegar nas pessoas. "5 Casas" fala de muitas coisas, mas sobretudo de um país que se entregou ao ódio e agora busca se reerguer a partir dos escombros físicos e espirituais, sem esquecer que eles também fazem parte dessa história.     
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O ACONTECIMENTO
Dir. Audrey Diwan
COTAÇÃO: 7
Impressão: "O acontecimento", baseado no livro "Happening", da recém ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura Annie Ernaux, bem que poderia se chamar "A saga", porque é bem disso que se trata, a saga de uma jovem, muito promissora como estudante, para realizar um aborto em pleno ano de 1963, que ainda era considerado crime na França. Cinematograficamente, o filme me marcou por dois elementos: primeiro pela escolha dramatúrgica guiada pela tensão, e depois, pela câmera na mão que divide o estrelato com a protagonista Anne (AnaMaria Vartolomei), em uma ação persecutória implacável, o que faz sublinhar ainda mais o suspense da trama. O filme se estrutura como uma saga feminista e isto está posto desde o diálogo inicial onde Anne com mais duas amigas se preparam para uma festa. Essa é a grande marca que "O acontecimento" deixa para nós espectadores, de uma mulher a lutar, mesmo que seja por caminhos sinuosos, pelo direito à autodeterminação. Assim, a diretora Audrey Diwan constrói personagens masculinos de maneira unidimensionais (pra mim, o maior senão do filme), todos são extremamente machistas, já as femininas são mais matizadas e multidimensionais. Um filme em que a tensão vai se avolumando até o ponto de estourar, tal como ocorre nos bons thrillers de suspense, só que aqui transformado em um potente thriller realista. A obra aborda um fato do passado, embora se utilize de um discurso muito justo e atual: o das mulheres terem o direito a deliberarem sobre o seu próprio corpo, o que faz com que "O acontecimento" se torne um poderoso tratado sobre os corpos femininos. Em um momento político como o nosso, em que a educação sexual foi considerada pornográfica pelo governo de extrema direita de Bolsonaro, o filme ganha mais relevância ainda por trazer a emergência de se discutir temas em torno do sexo na juventude. "O acontecimento" ganhou o prestigiado Leão de Ouro no Festival de Veneza, em 2021. 
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OS FABELMANS
Dir. Steven Spielberg
COTAÇÃO: 8
Impressão: Desde a primeira cena, "Os Fabelmans" deixa claro que o cinema é o maior personagem do filme. Spielberg inspirando-se em sua autobiografia realiza uma obra sensível, familiar, que pode ser vista como uma ode ao cinema. É como se Spielberg fosse montando não só um quebra-cabeça da sua relação com o cinema, mas também como o cinema o foi escolhendo. Primeiro, quando muito pequeno, sentiu o medo do gigantismo do cinema, depois o impulso irremediável de reproduzir a cena que mais o impactou no filme. "Os Fabelmans" narra a descoberta dessa paixão pelo ato de filmar, e vai mais fundo ainda quando descobre o poder intrínseco das imagens filmadas na vida de sua família, inclusive o poder de destruição que elas podem atingir. No momento mais importante da trama, no maior ponto de virada, me lembrou muito de "Blow-Up" (1966), filme do mestre Michelangelo Antonioni, quando o protagonista ao fotografar um parque descobre um assassinato. Mas nada se equipara a sequência final, onde a homenagem ao cinema se expande a olhos vistos. Primeiro com o encontro do jovem aspirante a diretor com o ídolo maior, o mestre John Ford. Segundo, na mesma sequência Spielberg nos presenteia com a imagem de Ford representada de maneira magnífica e icônica por outro mito do cinema contemporâneo, David Lynch. Terceiro, a aula que o veterano Ford oferece ao jovem aspirante sobre como filmar o horizonte em um filme. E por último, nesta mesma sequência, vemos uma série de cartazes dos filmes de Ford pendurados na parede até que avistamos o cartaz da obra-prima "O Homem que matou o facínora", o mesmo em que o protagonista Sammy (um alter ego de Spielberg) já havia visto na adolescência antes de assistir ao filme em um cinema. "Os Fabelmans", ao meu ver, é um dos grandes trabalhos de Spielberg para o cinema.
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CORSAGE
Dir. Marie Kreutzer
COTAÇÃO: 8
Impressão: O que liga o século XIX ao XXI no ótimo "Corsage"? Ouso dizer que a temática das doenças psiquiátricas e a diretora Marie Kreutzer faz isso com a beleza contemplativa da música contemporânea da cantora e compositora Camile Dalmais. Amei o silêncio que por vezes esse filme emana e o viés assumido de narrar a história de uma rainha não pelo esnobismo que o cargo inspira, mas na sua conduta na vida, como mulher inserida numa determinada ordem social injusta e belicosa. "Corsage" aponta a câmera e discursa frontalmente sobre o aprisionamento opressor da liturgia hipócrita e vazia do que é ser uma rainha no século XIX, mesmo que a estética seja a mais a contemporânea possível. Marie Kreutzer aborda com coragem cinematográfica o tema da enfermidade psiquiátrica, que aqui é também social e atual (pensemos nas síndromes de burnout de hoje em dia), de uma estrutura que não dá conta sequer das elites, forçadas e enquadradas em um teatro farsesco. A personagem Elizabeth (um trabalho fenomenal da atriz Vicky Krieps), a imperatriz do Império Austro-húngaro, vai lentamente se esvaziando quando percebe o significado de seu cargo, o do seu corpo usado para um casamento de conveniência para salvar interesses políticos e econômicos. Marie Kreutzer centraliza na dor da imperatriz o seu filme e consegue abrir uma importante reflexão acerca de uma verdadeira inadaptação aos papéis forjados socialmente para as mulheres. Uma obra fundamental, profunda e chocante por trazer uma visão nitidamente feminina sobre a dificuldade de ser mulher na sociedade, independente da posição que ocupe, seja como rainha ou como plebeia. Um filme que consegue falar muito do hoje, apesar de se passar integralmente no final do século XIX.
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TÁR
Dir. Todd Field
COTAÇÃO: 6
Impressão: Pelo o que o próprio título sugere, "Tár" é um filme de personagem, aqui no caso, de uma personagem. Nele, acompanhamos o sucesso e a derrocada da carreira da maestra Lydia Tár. Um filme sobre estar no poder e os desafios de como se manter nele. Mais uma interpretação inquestionável de Cate Blanchett, que deve levar a sua 8ª indicação ao Oscar e quem sabe a terceira e merecida para sua galeria de troféus. 

O que chama a atenção para a construção narrativa ficcional de "Tár" é como o diretor Todd Field (de "Pecados Íntimos" 2006 e 'Entre quatro paredes" 2001) surpreende ao costurar a longa trama desta obra, começando por narrar os fatos que levarão a maestra à ruína. Todos os atos de Tár soam como corriqueiros, como se fizessem parte da vida cotidiana de um maestro, inclusive aos poucos vamos entendendo como funciona os bastidores de uma filarmônica, porque Field vai lentamente montando um quebra-cabeça complexo, em que os subterrâneos falam mais do que as apresentações grandiosas que vemos das grandes orquestras. 

Ler a crítica completa no link: TÁR (2022) Direção Todd Field (cinefialho.blogspot.com)

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FILHO DA MÃE
Dir. Susana Garcia e Ju Amaral
COTAÇÃO: 8
Impressão: "Filho da Mãe" é uma homenagem emocionante ao nosso maior humorista deste século. O documentário resgata alguns bastidores de seu último espetáculo que fazia com a mãe e o mescla com depoimentos atuais de pessoas que de alguma forma foram muito chegadas a ele durante a bem-sucedida carreira no humor brasileiro. A mãe assume o merecido protagonismo por ser a grande inspiração para os seus personagens, inclusive da peça "Filho da Mãe". O filme ainda resgata a figura do pai, que muitos achavam que estava morto devido a um vídeo que Paulo Gustavo gravou para trolar com os fãs. "Filho da Mãe" é ótimo para aquele dia em que você está precisando renovar suas energias e dar boas risadas. Paulo Gustavo foi um talento inato e mais uma das 700 mil vítimas da Covid-19 no Brasil. O documentário preserva o caráter cômico que marcou a presença de Paulo Gustavo na vida dos brasileiros e mostra a riqueza da personalidade de um homem muito ligado à família e aos amigos e emociona em vários momentos, tanto pela sua presença como D. Hermínia quanto pela presença da original D. Déa. Pena que os 110 minutos do filme passem muito rápido e nos leve mais uma vez Paulo Gustavo para longe de nós.            
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TRÊS TIGRES TRISTES
Dir. Gustavo Vinagre
COTAÇÃO: 9
Impressão: Preciso desabafar: que filme maravilhoso é "Três Tigres Tristes"! Uma das melhores comédias já produzidas no país e com uma interpretação melhor do que a outra. Até às participações especiais são fenomenais, com destaque para a sensacional Gilda Nomacce em um papel pra lá de hilário e Cida Moreira numa performance espetacular tanto como cantora quanto como atriz. Gustavo Vinagre está inspirado como diretor nesse walk movie com um roteiro brilhante e diálogos perfeitos. A câmera passeia viadamente em cena, flutuando tanto quanto nós espectadores, um deleite, um libélulo LGBTQIAP+ contagiante, uma construção de personagem impecável e uma mise-en-scène muito bem orquestrada, que deixa os personagens fluírem. Vinagre toma de tal forma a narrativa para si que sai do realismo para a fantasia gay sem cerimônia, com uma naturalidade impressionante. Há uma sacada genial e metafórica de manter/subverter nossa recente neurose pandêmica ao substituí-la por  uma nova doença, na qual o paciente perde temporariamente a memória, uma analogia perfeita com os últimos 4 anos de nossa política, como se precisássemos esquecer o que vivemos e sofremos. "Três Tigres Tristes" tem uma vibe espiritual que lembra a atmosfera leve e deliciosamente subversiva dos primeiros filmes de Almodóvar, apesar de preservar intacta a sua originalidade tanto narrativa quanto interpretativa. Os três protagonistas estão soberbos, integrados, carismáticos e cativantes. Saímos do cinema querendo conhecê-los e sair pelas ruas de Sampa na companhia deles. 
Acesse a crítica completa no link: https://cinefialho.blogspot.com/2023/01/tres-tigres-tristes-2022-direcao-de.html?m=1
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DECISÃO DE PARTIR
Dir. Park Chan-Wook
COTAÇÃO: 5
Impressão: "Decisão de Partir" foi um filme que me dividiu, ora enfadonho ora com alguma graça, mas bem longe dos melhores momentos da filmografia de Park Chang-Wook. Faz parte de um universo bem comum do cinema: o de retratar amores impossíveis e irreconciliáveis. Tem metáforas interessantes, como a da mulher imersa pela água (quem já viu entenderá) e a dos aparelhos celulares como uma tecnologia traiçoeira para nós humanos. No início, a trama parece, volta e meia, querer se desvencilhar do público, acho que é proposital, uma vontade deliberada de causar uma sensação de desconforto em relação aos personagens. Em "Decisão de Partir", Chan-Wook mescla vários gêneros como a investigação policial fora da curva, a comédia desconcertante, o romance inusitado, o suspense claudicante e o drama casual, numa miscelânea que por vezes cansa um pouco, além de alongar por demais a trama. Me pareceu um filme que lembra um cachorro correndo atrás do próprio rabo e uma proposta de entretenimento que fica no meio do caminho, pois exige muita atenção para no fim não entregar muita coisa, o que acaba nem divertindo inteiramente a plateia (apesar que em alguns momentos até que sim) nem tão pouco nos fornece grandes oportunidades para a reflexão, ou um aprofundamento, nem sobre a vida nem sobre os personagens. Enfim, um roteiro mirabolante que provoca muito barulho por pouco.
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OTTO: DE TRÁS P/ DIANTE
Dir. Helena e Marcos Ribeiro
COTAÇÃO: 8
Impressão: Filme poético sobre o grande escritor Otto Lara Resende, que faria 100 anos em 2022, realizado pela filha Helena e por Marcos Ribeiro. Me agradou como não há uma necessidade de tentar abarcar tudo da vida do escritor e com isso ganha espaço uma fluência narrativa interessante. Os diretores usam uma variedade de tipos de arquivos como programas de TV, fotos e registros familiares como cartas trocadas dentro de casa no dia a dia, que servia como uma fonte rica de educação dos filhos. Achei interessante como são trabalhados os textos no documentário de maneira a valorizar e sublinhar o trato e a intimidade que Otto tinha com as palavras. O filme também mostra o talento que Otto tinha quando o assunto era as relações humanas, de um lado a afetividade no ambiente familiar, e de outro, os grande amigos que fez durante a vida, desde a infância em São João Del Rey até se tornar um reconhecido escritor, fazendo amizades duradouras e permanentes com Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino e Helio Peregrino. "Otto: de trás p/ diante" opta por falar mais da personalidade de Otto do que elencar, a esmo, inumeráveis fatos de sua vida, que nos chegam mais a reboque do que como objeto de pesquisa. Muitos o conhecem pelo veio de cronista, mas há uma atenção dos diretores em relação aos romances de Otto, que embora sejam mais desconhecidos do grande público possuem o reconhecimento dentro do universo de escritores que o admiravam sobretudo pelo talento para a prosa mais longa. O filme ainda destaca a aptidão de Otto como frasista e como inspiração a diversos escritores do seu tempo, como Nelson Rodrigues que deu nome de um de seus livros de "Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas ordinária".       
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LULA, O FILHO DO BRASIL
Dir. Fabio Barreto
COTAÇÃO: 6
Impressão: Ontem revi em uma sessão especial, o filme "Lula, o filho do Brasil", que confesso não ter gostado quando assisti pela primeira vez em vídeo lá pelos anos 2010, mas que agora subiu na minha avaliação, embora ainda me traga alguns incômodos. Mas é interessante notar a importância que tem um determinado tema em cada contexto e a sua influência na percepção dos filmes. Ontem tinha se passado apenas 3 dias da terceira posse de Lula como presidente, sendo que nesta que ocorreu domingo, expurgamos o pior presidente da história do poder. Outro fator a ser ressignificado ainda pelo contexto, foi o fato da cópia ser uma em 35mm, vista no telão do templo do Estação Botafogo, com uma plateia em sua capacidade máxima e com a presença do produtor Luiz Carlos Barreto (conhecido como Barretão) já com 94 anos e falando com grande desenvoltura sobre essa experiência que foi fazer o filme. Talvez uma implicância que eu tinha antes, fosse com o título: "Lula, o filho do Brasil", que ainda continua pelo o que traz de vago, porque a rigor todos somos, de uma forma ou de outra. Barretão, em sua fala, diz que Fabio queria fazer um filme sobre o homem Lula, não o político. Entendo essa ideia e onde ela quer chegar, mas não posso negar que ela me incomoda por trazer uma separação do homem Lula com o do político, o que não é nada possível, ainda mais que a última imagem do filme traz, em contradição, Lula assumindo o cargo de presidente em 2003. 
O filme em si é um épico calcado em fatos dramáticos elevados ao melodramático, isto porque o que se salienta a todo o momento são aspectos das várias tragédias ocorridas na vida de Lula (alcoolismo do pai, perda de um dedo, morte da esposa e filho) e Fabio as amplifica por meio de uma trilha musical que salienta a melancolia dessas cenas. Ainda que forçado aqui e ali, o filme vai se construindo de maneira fluente, sempre destacando os aspectos mais difíceis da vida do futuro presidente. Creio que a participação no roteiro de Denise Paraná, autora do livro que originou o filme, muito ajudou Fabio Barreto a contar sua história preservando o essencial que havia no livro. Creio que mostrar logo na primeira imagem de onde veio a família Silva foi um dos elementos fundamentais para amarrar o público à história e um bom convite para permanecesse até o final feliz. Como imaginar que um menino que veio da pobreza extrema poderia se tornar presidente tendo como principal formação a luta sindical, que possibilitou logo depois o surgimento do Partido dos Trabalhadores. Dentro desse universo que parte da vontade de superação de um homem, "Lula, o filho do Brasil" vai cena a cena levando o público na mão e muito reafirma a criação dessa lenda que envolve a figura carismática de Lula, um homem desde sempre conciliador e com um objetivo claro de tirar o povo da pobreza extrema. Vê-lo após o governo fascista de Bolsonaro dá um alento de que somente um homem vindo das profundezas do abandono, posição na qual os poderosos relegaram caprichosamente os pobres brasileiros, pode se resgatar a esperança de mudança. Esse é um caso típico de um filme ressignificado pela história.
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X - A MARCA DA MORTE
Dir. Ti West
COTAÇÃO: 9
Esse filme mostra a força que um roteiro bem estruturado pode fazer para alavancar uma proposta cinematográfica baseada na narrativa clássica. Cada imagem e som de "X - a marca da morte" produz um sentido, faz o filme ganhar uma amplitude impressionante. Logo no início há uma curiosa e inesperada homenagem a "Cidadão Kane", clássico maior de Orson Welles, quando na entrada da fazenda lemos uma placa dizendo "Não ultrapasse", tal como também está no portão da mansão do filme de Welles, um tipo de convite às avessas, daqueles que apenas nos instiga e estimula a conhecer mais o porquê da proibição. Ti West realiza uma obra saborosa que flerta sedutoramente com o masoquismo ao escolher planos rápidos e em close de assassinatos, todos plasticamente muito bem filmados, uma marca da produtora A24, que vem acumulando prestígio nos últimos anos. "X - a marca da morte" é um dos grandes filmes de terror dos últimos anos, com um estilo slasher seco, cortante e direto. Antes de desconfiarmos de qualquer cena que sugerisse terror, ainda na estrada, os jovens veem uma vaca atropelada, completamente trucidada por um trator. Ti West filma com naturalidade os carros esmagando as tripas, como se o carro estivesse apenas passando por maços de papel. Esse é o primeiro indício de que mais do que a morte em si, o que veremos está para além, um certo ritual que só o cinema sabe fazer. Ti West tem a noção desse valor íntimo que esse cinema de gênero estabelece com a morte, o quanto ele é permissivo com a liturgia do ato de matar. Não à toa, filme de terror e masoquismo andam tão próximos. 
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RUÍDO BRANCO 
Dir. Noah Boumbach
COTAÇÃO: 3
Impressão: Um filme pouco inspirado de Boumbach, que dá uma volta danada para no fim tratar de uma crítica pretensamente ácida de uma família média norte-americana. Personagens mal desenvolvidos, que não saem da superfície, um exercício fracassado de uma obra nonsense, mas que ao final ficamos indagando qual a relação entre a nuvem tóxica e o tratamento médico secreto da esposa, ambos centrais na trama. Baumbach aparentemente nos joga em um filme catástrofe, só que essa trama meio paranoica de repente se esvai e torna-se bem secundária no final das contas. Um Adam Driver perdido no papel do pai de família enquanto Greta Gerwig se esforça e se sai um pouco melhor. "Ruído branco" no quesito orçamento de produção extrapola os usuais e econômicos cenários de outras produções da Netflix, uma pena que o roteiro caótico pouco ajude o filme a amarrar as diversas frentes nas quais o filme trabalha, em especial quando trata de temas humanos interessantes e misteriosos como o da morte, o do ciúme e o da felicidade. 
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COBERTURA ON LINE DA 6ª MOSTRA LUGAR DE MULHER É NO CINEMA

Cobertura da mostra Luas, no 6° Festival Lugar de Mulher é no Cinema, que acontece na Bahia (de 05 a 09/2023), na Sala Walter da Silveira e que homenageia a grande atriz Lea Garcia. A mostra traz somente filmes dirigidos, ou codirigidos, por mulheres, cujas temáticas igualmente perfazem o espectro e a visão de mulheres sobre o mundo que vivem. Os filmes privilegiam temáticas urgentes da nossa sociedade contemporânea, como o enfrentamento do estupro, o feminicídio, o machismo estrutural, a transfobia, a religiosidade ancestral, a sexualidade, o assédio, dentre outros que mostram um olhar específico das mulheres sobre o mundo e as relações estabelecidas a partir de uma perspectiva histórica opressora do feminino pelo capitalismo, sistema estruturado por homens brancos. A heteronormatividade também está no foco de muitos filmes, que denunciam práticas e ideias que precisam ser repensadas e transformadas. O Festival "Lugar de mulher é no Cinema" se consubstancia como fundamental por pensar o cinema por esse viés interrogativo e reflexivo, por fortalecer a ideia de que o cinema e o mundo precisam parar e ouvir o que as mulheres têm a dizer sobre a humanidade. O festival torna-se então um poderoso espelho e um importante instrumento de autoconhecimento, e por isso precisa ser visto por mulheres e homens.

TODAVIA SINTO
Dir. Evelyn Santos
COTAÇÃO: 7
Impressão: Filme muito sensível que aborda o difícil tema do aborto. A narrativa se coloca imageticamente muito solta, enquanto vozes over quase delineiam um caminho mais preciso, entre discussões, conversas e mensagens trocadas. O filme visa despertar muitas sensações nos espectadores, algumas físicas como o contato com a água, que remete à gravidez e ao próprio corpo feminino, filmados em planos detalhes da pele. Mas há a todo o instante a difícil decisão que envolve diretamente ao futuro da personagem, pois ter ou não um filho causará transformações profundas para os envolvidos, em especial para a mulher. A angústia é o principal sentimento que a diretora Evelyn Santos nos instiga e "Todavia sinto" captura e reconstrói esse momento decisivo que divide tanto as mulheres quanto à sociedade, embora a última não devesse se intrometer nessa escolha, já que esse momento se configura como terrível para uma mulher, que precisa decidir sobre o seu corpo, sua vida e uma outra vida. 
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MANDINGA UM FILME DE RAIDOL
Dir. Adriana Oliveira
COTAÇÃO: 7
Impressão: "Mandinga" é um filme curioso, com uma narrativa toda assentada por uma espécie de videoclipe musical queer, do artista Raidol. O personagem principal é um entregador de aplicativo que ronda uma cidade do Pará (não fica claro qual) realizando entregas inusitadas. "Mandinga" investe nessa inclinação musical paraense, assim como na relação ancestral tanto a indígena quanto a afrobrasileira. Embora a primeira imagem seja a de um quadro de Jesus, o que acompanharemos depois é uma transbordante aventura desse entregador, regada a um ritual sexual e religioso em que prevalece uma energia positiva, uma leveza onde corpos passeiam harmonicamente pela tela, exalando paz e amorosidade. Mais um bom exemplo de como a narrativa cinematográfica pode dialogar com o universo peculiar e múltiplo da música paraense, antes visto também no documentário "Terruá Pará", de Jorane Castro, além de expandir temas em voga, como a da sexualidade e religiosidade contemporâneas. 
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MEDUSA IN.CONSERTO
Dir. Bruna Lessa
COTAÇÃO: 6
Impressão: "Medusa in.conSerto" é um típico manifesto cinematográfico feminista, performático, cômico, diferente, musical, teatralizado (às vezes até demais) e verborrágico. O curta começa com as quatro roteiristas, que também são as atrizes do filme, estudando e atualizando a mitologia de Medusa, o que já expõe o quanto revisionista esse trabalha se anuncia. Interessante ver o mito de Medusa sob uma outra perspectiva e com uma linguagem contemporânea, com direito a gírias e alguns palavrões. A parte do depoimento das atrizes como Medusa é um pouco menos potente do que as outras, assim como a do ritual nas pedras. No todo, as partes musicais são as mais interessantes, e as mais teatrais as menos bem-sucedidas do ponto de vista cinematográfico.
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DAMAS.COM
Dir. Carmen Lopes
COTAÇÃO: 4
Impressão: Documentário sobre quatro mulheres trans que falam de suas vidas diretamente para a câmera. O formato delas se alternando em suas falas cansa o espectador, mesmo que a inserção de trechos animados, utilizados na abertura e numa espécie de transição sobre as falas, alivia o cansaço que o formato enseja, porque fica tudo muito entrecortado, embora as histórias sejam interessantes e diferentes entre si. O que mais torna tudo pouco atrativo são as reiteradas repetições formais que engessam no todo a narrativa do filme, em especial porque já existem muitos filmes que usam esse mesmo formato com depoimentos realizados diretamente para a câmera, como se faz nas entrevistas do jornalismo televisivo. Não se pode negar que "Damas.com" tem um conteúdo super importante, apesar de optar por uma narrativa quadrada e pouco inventiva.
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À BEIRA DO RIO DAS ALMAS
Dir. Taíze Inácia 
COTAÇÃO: 4
Impressão: "À beira do rio das almas" é uma ficção que se assemelha muito a um docudrama. O filme tem muitos problemas na sua concepção narrativa. Há uma voz over insistente que incomoda pelo desejo de tudo traduzir as imagens que vemos, e conceitualmente, uma imagem televisiva que não permite um maior engajamento do espectador ao filme. Os planos são meramente descritivos, não acrescentam camadas à narração, já que carecem de criatividade, mesmo que em alguns momentos a fotografia esboce bonitos planos, mas que precindem de alma. Ainda que a parte musical contemple momentos de beleza, ela se perde em meio a elementos dramatúrgicos pouco atrativos e originais. Esse é um filme que precisava de uma pesquisa mais acurada que desse mais substância à dramaturgia.
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LES DAUPHINS (GOLFINHOS)
Dir. Rubi Demargot
COTAÇÃO: 8
Impressão: "Les dauphins" é um misto de um filme denúncia e sobre um sentimento. A denúncia é contra os métodos utilizados por alguns professores de teatro com o intuito de sublinhar a dramaticidade nas encenações. Mas na prática, esses métodos só revelam uma forma de violência e poder. A protagonista é uma jovem mulher preta, que narra a insatisfação de ter que lidar com essa relação de abuso e assédio. Em português, o título do filme significa "Os golfinhos", animais que domesticados, aprendem com seu mestre em troca de um peixinho. A fotografia em preto e branco sem contrastes diz sobre os sentimentos de opressão sentidos pela protagonista. A câmera na mão não mostra o rosto do professor e está sempre a buscar o rosto da jovem protagonista. Um filme áspero, direto e necessário para se refletir sobre os processos educacionais autoritários.
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ITINERÁRIO DE CICATRIZES
Dir. Gloria Albues
COTAÇÃO: 8
Impressão: "Itinerário de cicatrizes" narra a história dos incêndios criminosos ocorridos recentemente no Pantanal, que afetaram drasticamente a vida dos povos indígenas, da flora e fauna da região. São imagens de animais mortos e depoimentos dos moradores que falam sobre as perdas incontáveis da qualidade de vida e da força da natureza que a cada nova chuva vai reflorescendo. Uma denúncia contundente sobre a ambição de homens criminosos que contrastam com os rostos em close da população local que resistiu ao pior momento. Foram milhões de animais, os mais variados foram mortos, um verdadeiro genocídio na rica fauna do Pantanal, um dos maiores biomas do planeta. As imagens aéreas feitas por Gloria Albues são impressionantes, revoltantes, tristes, tocantes, e de certa maneira, despertam um sentimento de desesperança profunda na humanidade. Esse é um documentário impactante onde a voz em off da população comove pela simplicidade e verdade em sua emissão enquanto assistimos imagens de grande destruição. A maior esperança vem justamente dos depoimentos dos povos originários, sempre impregnados da sabedoria ancestral.
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A ESPERA 
Dir. Ana Célia Gomes
COTAÇÃO: 3
Impressão: "A espera" narra um imenso caminhar pelas praças, ruas, estradas e campos sob o ponto de vista dos cachorros. Durante mais da metade do filme é isso que vemos, uma câmera baixa filmando trajetos realizados pelos cães. Até que dessas imagens dá para extrair alguma poesia, mas que por se prolongarem em demasia, acabam ficando um tanto enfadonhas. Entretanto, no momento em que o texto poético adentra no filme, tudo tende para o limite do insuportável. Isso porque a poesia se revela frágil em sua construção métrica e vernacular e torna o que já era complicado, algo caótico. Nem a sequência final com imagens de cachorros fofos, consegue aliviar a realidade de que os elementos que compõe o filme não se articulam satisfatoriamente entre si. 
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NÃO CORPO
Dir. Maria Andris
COTAÇÃO: 4
Impressão: "Não-corpo" almeja ser uma performance poética sobre um corpo de mulher trans, mas em sua cíclica jornada, a combinação música, câmera e performance da atriz infelizmente não chega a dar a liga pretendida. A escolha da música também não ajuda na jornada ao dar um tom quase fúnebre à encenação. Algo incomoda na perspectiva adotada pela diretora Maria Andris, essencialmente o tom passivo, de uma silenciosa aceitação de que esse corpo não está circunscrito pela heteronormatividade. Se o tema sobra em relevância, afinal discutir o corpo trans cinematograficamente é para lá de necessário e potente. Mesmo assim, apesar da urgência do tema, o filme não consegue abrir um diálogo com o público, apenas acaba o apresentando, ficando apenas preso em uma performatividade fria e insossa, graças a uma fotografia que pouco dialoga com os cenários e com a atriz.
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FLOR DE MURURE
Dir. Marcos Corrêa e Priscila Duque
COTAÇÃO: 8
Impressão: "Flor de Murure" é uma paródia política, performática, candomblecista e não binária, vinda do Pará e serpenteada pelo molejo fogoso do Carimbó. A narrativa ora se esquiva pela cativante sonoridade de uma locutora arretada de rádio, ora pela própria canção de um carimbó. Há na encenação uma predominância do elemento performático que se põe acima do próprio enredo, ainda mais que o filme de Marcos Corrêa e Priscila Duque tem uma camada simbólica potente para denunciar o feminicídio e o transLGBTIcídio em sua sucinta trama, que termina com uma cômica vingança. As cores desse filme saltam aos olhos pela beleza e combinação, ainda que algumas mensagens políticas explícitas inseridas soam dispensáveis e implícitas durante a trama (além de uma inserção publicitária do distrito de Icoaraci, em Belém). Bem surpreendente o utópico início, com um coletivo de mulheres na Presidência da República e Gabi Amarantos como Governadora do Pará. O Pará, cada vez mais, mostra que realmente está na vanguarda do Brasil e em busca de uma linguagem bem própria, tendo a música local como um elemento fundamental na construção narrativa do enredo.
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CACICA - FORÇA DA MULHER XAVANTE
Dir. Jade Rainho - codireção Cacica Carolina Rewaptu e com direção artística e musical de Estela Ceregatti
COTAÇÃO: 10
Impressão: "Cacica", filme lindo, com imagens muito bem produzidas e com uma sensibilidade telúrica impressionante. Cacica Carolina Rewaptu é uma personagem única e iluminada. Ela vai narrando em voz off suas ideias, seus sentimentos e sua aptidão para o existir singelo. A música enigmática e penetrante de Estela Ceregatti vai nos envolvendo em uma teia. São duas vozes inebriantes: a da Cacica, que inspira doçura, e a de Estela, a embalar tanto o filme quanto nós espectadores. Na narrativa, Carolina Rewaptu conta parte de sua trajetória e da sua aldeia. São ensinamentos de vida e ideias assentadas na ancestralidade xavante, além da força incansável para lutar pela cultura de seu povo, que habita na região da Chapada dos Guimarães (MT). Cada fala sua, irradia o poder feminino, como uma semente a florir o que está em volta. Lindas as cenas de reflorestamento e de consciência do papel dos povos originários para a humanidade. Um filme que ilumina com imagens, sons e falas graciosas e inteligentes, mas sem esquecer de denunciar as mazelas da história de opressão dos homens brancos. Uma dádiva de filme.
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TIA ZEZÉ, PRESENTE!
Dir. Carolina de Cássia
COTAÇÃO: 5
Impressão: "Tia Zezé, presente!" é um típico filme de família. O filme visivelmente não dispôs de muitos recursos para ser feito, e se sustenta muito no carisma da protagonista, mesmo assim, a diretora Carolina de Cássia conseguiu reunir um material bem expressivo da tia. O papel de Tia Zezé para o desenvolvimento da família é imenso, desde o trabalho na casa de ricos que exploraram a força de seu trabalho dos 12 aos 20 anos. Sua presença foi fundamental na alfabetização da família e na manutenção das tradições ancestrais, como o jongo. Talvez com uma equipe maior, a diretora conseguisse organizar melhor o material que dispunha e realizar uma montagem mais eficiente, que amarrasse melhor os acontecimentos da vida de Zezé.
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NUNCA PENSEI QUE SERIA ASSIM
Dir. Meibe Rodrigues
COTAÇÃO: 6
Impressão: Esse é um filme que se encaixa numa tentativa de autodescoberta da diretora Meibe Rodrigues. Há nele uma certa inconstância, mas que se deve ao fato dela registrar fatos e episódios soltos no tempo, embora todos estejam ligados a sua ancestralidade ou são momentos relacionados ao passado. Desde o acompanhamento do pai, já idoso e doente até lembranças da mãe já falecida. Ficamos na dúvida a todo o tempo de qual seria realmente o foco central do filme, mas aos poucos vemos que o central é a vida dela com os pais, de um país cuja história relegou aos pretos a vida dura e às mulheres o estupro e a violência. Por isso, se justifica a frase contundente de abertura, cujas palavras fortes de Conceição Evaristo servem de base para o que veremos: "A nossa escrivivência não pode ser lida como história de ninar os da casa-grande, e sim para incomodá-los em seus sonos injustos." 
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TORTA DE LIMÃO
Dir. Vitória Mantovani
COTAÇÃO: 4
Impressão: "Torta de limão" trata de um dos temas mais delicados que envolvem as mulheres, a possibilidade da gravidez após serem vítimas de um estupro. Apesar do tema ser muito difícil, pois é muito doloroso para as vítimas ter que abordar com qualquer pessoa sobre a violência sofrida. A diretora Vitória Mantovani opta por caminhos dramatúrgicos muito convencionais, deixando quase tudo explicado nos diálogos, dando pouca margem para que as imagens deixem algo a ser pensado pelos espectadores. As interpretações tanto de Thaís Almeida como a protagonista Nanda (dona de um restaurante) quanto de Priscila Esteves como Sofia, sua funcionária e crush não comprometem, embora as maiores limitações estejam no roteiro e na direção, ambos sem muito brilho de Vitória Mantovani, que não conseguem fugir das situações mais banais, pois fica pairando no ar que basta uma pessoa compreensível e amorosa ao lado para tudo ficar bem novamente. Evidente que o filme não pretendia isso, mas infelizmente foi para esse caminho que a dramaturgia acabou indo e nos entregando algo não muito original e pouco reflexivo. O próprio simbolismo da torta de limão se perde nesse turbilhão de uma visão em que o mundo cor de rosa de duas mulheres lésbicas de classe média termina por se impor às dificuldades reais da vida.
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RESERVADO 
Dir. Ana Amélia Arantes
COTAÇÃO: 6
Impressão: "Reservado" mostra a perspectiva de uma mulher trans, Sol Markes, no uso dos banheiros públicos, ainda vistos do ponto de vista binário, sem a preocupação com as pessoas trans e não binárias. O filme é curto e bem direto. Sol relata algumas experiências em banheiros tanto masculinos quanto femininos e expõe a dificuldade de se sentir à vontade em ambos. No campo das imagens, vemos vários planos fixos e encenados, como fotografia still, de um banheiro público. No que tange às emoções, o medo é o sentimento predominante, com Sol entrando no banheiro e se fechando nas cabines até não ter ninguém mais no banheiro. Sol discorre ainda sobre estratégias de uso para tentar quebrar o gelo nas relações interpessoais no ambiente. O filme não busca depoimentos de outros frequentadores, prefere centrar apenas na visão de Sol, o que é uma escolha bem interessante.
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ESSA TERRA É MEU QUILOMBO
Dir. Rayane Penha
COTAÇÃO: 5
Impressão: "Essa terra é meu quilombo" parte de vários depoimentos de mulheres do interior do Amapá, região de Curralinho e Curiaú sobre as suas relações com a terra, em especial no desenvolvimento de hortas. Falam da luta pela terra de seus descendentes e do amor pela agricultura e da preservação de tradições. Apesar de ter bons personagens em mãos, a diretora Rayane Penha não consegue extrair um conteúdo que crie um sentido maior ao documentário. São informações e falas que ficam dispersas pelo caminho, deixando apenas o amor à terra das mulheres dessa região. Além dos depoimentos, vemos também alguns personagens andando pelos seus terrenos. 
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CÉU 
Dir. Valtyennya Pires
COTAÇÃO: 9
Impressão: "Céu" é um documentário em homenagem à memória da ceramista, ativista quilombola e líder comunitária Maria do Céu, vítima de feminicídio. O filme é envolto de uma imensa emoção, filmado em parte na Associação Comunitária das Louceiras Negras da Serra do Talhado, Santa Luzia (PB), com a família e as amigas de Céu. Os depoimentos são fortes e as personagens enaltecem o papel de Céu para o coletivo, da ajuda incansável a quem precisava. A primeira cena é linda: a câmera vem do céu e encontra um lindo jarro feito por Maria do Céu, um objeto muito jeitoso. O filme narra a história de Céu que se mistura com a própria comunidade da Serra do Talhado. "Céu" é um documentário especial e emocionante sobre uma personagem fundamental, colaborativa e voltada para as necessidades de sua comunidade. Um dos pontos altos é o depoimento de Jovelina, que entoa um lindo cântico religioso. Outro ponto forte é quando sua prima Zezé chora ao lembrar do feminicídio do qual Céu foi vítima. A mãe colocando as flores no jarro que vimos lá no início é uma delicada homenagem à memória de Céu. Uma pintura de filme.
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IMÃ DE GELADEIRA
Dir. Carolen Meneses e Sidjonathas Araújo
COTAÇÃO: 6
Impressão: "Imã de geladeira" é um filme que se enquadra no cinema fantástico e se passa na periferia de Aracaju. Pode-se dizer que a geladeira funciona como uma espécie de elemento simbólico na trama, que diz muito sobre a situação de vulnerabilidade de brasileiros que residem na periferia, no caso aqui, um casal de pretos cuja geladeira velha enguiça de vez. Na trama, fenômenos estranhos acontecem, largamente inspirados na ficção científica, com personagens sendo abduzidos por uma força enigmática vinda da geladeira. O roteiro força determinadas situações, como o enguiço da geladeira do casal e a abdução, em paralelo, da geladeira possuída sabe lá por qual força misteriosa. A geladeira, ou seria o ímã, parece conferir um tipo de poder Black Power. Há nessa metáfora uma boa dose de humor, é evidente, ligada ao poder da população que vive ali sempre no limite, numa eterna corda bamba, de precisar buscar forças sobrenaturais para sobreviver no mundo cão, cujo os grandes beneficiários estão se lixando para os que moram no eterno aperto. Isso não deixa de soar interessante.
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JOANA DAS MULHERES DE NEGÓCIOS
Dir. Nilza Lima
COTAÇÃO: 3

Impressão: O título do filme vem da estação de trem em que várias mulheres organizam uma feira para poder ganhar algum dinheiro e assim garantir suas sobrevivências. Falta a esse documentário uma forma mais criativa para expor o seu tema. Ficamos assistindo a depoimentos das comerciantes sobre a visão delas da feira e a importância dela para a vida de cada uma. Fica ainda no ar um clima de que somos todas empreendedoras, e não subempregadas (elas chegam a dizer um discurso decorado sobre acreditarem que são empreendedoras), em busca de sobrevivência, e a diretora busca depoimentos de redenção, depois que a feira passou a dominar a vida delas. Subempregadas efetivamente dialoga com a realidade dessas  mulheres, e se caracteriza como uma forma de exploração da mão de obra das trabalhadoras, pois elas comercializam produtos fabricados por outrem. Voltando à forma do filme, a música colocada entre as entrevistas também colabora para um marasmo narrativo, que predomina durante a projeção e dificulta uma fruição mais orgânica do conteúdo.
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A HUMANIDADE QUE ME RESTA
Dir. Kiesa Fran Nascimento
COTAÇÃO: 4
Impressão: O filme pode ser visto como uma visão pessimista, ou se preferir, com excessivas doses realistas. Pode ainda ser visto como um alerta a preconceitos como o racismo, a gordofobia ou à feiúra (apesar dessa ser socialmente um desdobramento das outras duas). Mas confesso que o filme não me ganhou, pois essa prevalência de uma visão que vê o mundo apenas de maneira negativa, sem abrir uma brecha para a luta antiracista, gordofóbica ou até mesmo contra os valores de beleza socialmente aceitos, que são construídos e instituídos cotidianamente, pela grande mídia, seja ela televisiva, da internet ou de revistas de modas e famosos. A fotografia igualmente não me disse nada, chega a ser óbvia em seu subjetivismo exagerado, embora a ausência de cor soe coerente com a proposta. Mas mesmo assim, fiquei com uma pergunta me martelando: afinal, quem está equivocado, o mundo com sua exclusão ou a personagem que aceita tudo e encara a vida com sua autocomiseração? De certo, todos nós temos lá nossos dias de desacreditar em nós mesmos, e o filme mostra isso, uma mulher jovem com uma indignação, embora na prática, essa atitude enseja um imobilismo paralisante.
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ANA RÚBIA
Dir. Diego Baraldi e Íris Alves Lacerda
COTAÇÃO: 6
Impressão: "Ana Rúbia", uma produção do Mato Grosso, mostra a luta carinhosa da personagem-título pelos direitos das mulheres trans por meio de um livro que quer colaborar para que a transfobia seja diminuída socialmente. É um trabalho de formiguinha, desde palestras para lançamentos em igrejas (locais tradicionalmente homofóbicos e transfóbicos) até em universidades. O filme não tem planos exuberantes nem grandes arroubos de linguagem, muito pelo contrário, a parte técnica é simples, mas funcional. O filme cumpre bem a ideia da necessidade de se discutir abertamente o tema para tirá-lo da invisibilidade e trazer para luz um tema ainda cercado por muitos tabus.
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MÓRULA
Dir. Cristal Obelar
COTAÇÃO: 4
Impressão: "Mórula" se constrói com uma jovem mulher narrando a sua experiência para retirar um bebê indesejado e o direito de levá-lo para casa e dar a ele um enterro digno. A narração é sempre ouvida em uma voz em off enquanto vemos imagens dela nua deitada com uma flor no ventre ou enquanto vemos um médico retirando diversas agulhas de um pote esterilizado. O relato possui sim uma contundência, já que é fruto da experiência de uma mulher que passou por aquela situação. Pena que tudo seja muito linear na narração e pouco explorado em termos de imagens, o que faz o filme perder bastante enquanto cinema, mesmo que valha enquanto depoimento. 

FIM DA COBERTURA DA 7ª MOSTRA LUGAR DE MULHER É NO CINEMA.
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INÍCIO DA COBERTURA DO FESTIVAL DE CINEMA DE VASSOURAS 2023

COELHITOS E GAMBAZITAS
Dir. Thomas Larson
COTAÇÃO: 7                  
Impressão: "Coelhitos e Gambazitas" é uma animação, que trata com humor e leveza, os tempos atuais das famílias em que as crianças vivem conectadas em seus celulares e aparelhos eletrônicos, deixando de vivenciar experiências coletivas de brincadeiras. O filme mistura animação com a estética videogame, com traços simples nos desenhos, mas que funcionam dentro da proposta de criar uma comunicação direta com as crianças. Outro ponto interessante é o da família ser multiétnica, em que o pai é coelho e a mãe é uma gambá e os filhos uma se parece com a mãe e os filhos com o pai. O curta busca salientar a importância das brincadeiras coletivas e da comunicabilidade familiar, lembrando que na contemporaneidade, pais e filhos estão mais imersos em seus mundos do que interagindo uns com os outros. (texto produzido por Carmela e Marco Fialho).
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ROSA: A NARRADORA DE OUTROS BRASIS
Dir. Valmir Moratelli e Libário Nogueira
COTAÇÃO: 4
Impressão: "Rosa: a narradora de outros brasis" é um documentário em homenagem à carnavalesca, figurinista, cenógrafa e professora Rosa Magalhães. Uma pena que o filme não esteja à altura dessa grande artista do nosso Carnaval, retratada praticamente em um único plano, o que torna o registro enfadonho em diversos momentos. Faltou ainda vermos imagens dos desfiles conforme a carnavalesca falava sobre eles ou de croquis a mostrar suas ideias e concepções sobre a arte carnavalesca. Ler a crítica completa no link: ROSA (2023) Dir. Valmir Moratelli e Libário Nogueira (cinefialho.blogspot.com)
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HORIZONTE
Dir. Rafael Calomeni
COTAÇÃO: 8
Impressão: Desde o primeiro e longo plano-sequência que dura doze minutos e meio, "Horizonte", dirigido por Rafael Colomeni, diz para que veio. O filme tem duas partes bem definidas. Na primeira, acompanhamos a dureza da vida de Rui, um homem de 72 anos de idade que viveu poucas aventuras, que leva uma vida sem-graça e sem riscos. Na segunda parte, Rui se lança em uma promessa de nova vida. "Horizonte" pode ser lido por meio desse confronto entre essas duas partes que muito falam sobre a construção desse personagem e da importância do lúdico na nossa vida. Ler a crítica completa no link: HORIZONTE (2022) Dir. Rafael Calomeni (cinefialho.blogspot.com)
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ERA UMA NOITE DE SÃO JOÃO
Dir. Bruna Velden
COTAÇÃO: 8
Impressão: A animação "Era uma noite de São João" foi realizada em um período em que as festas juninas não puderam acontecer durante a pandemia e esse fato só faz aumentar o encantamento que este trabalho provoca no espectador. O seu traço é todo inspirado na arte naif, o que acentua ainda mais o seu caráter popular. Tudo nele é envolto de carisma e beleza. O filme é todo realizado sem diálogos e a narração é inteiramente acessível, o que torna o curta um presente não só para os que viveram isolados durante a pandemia, mas também para aqueles que possuem deficiências auditiva ou visual. A animação narra a história de uma senhora idosa e viúva, Dona Dorinha, que não pode estar junto aos seus familiares e apenas possui o celular como meio de comunicação, que se utiliza de sua memória para relembrar histórias de outras festas de São João e o quão alegres essas foram para ela. O mais bonito e tocante dessa história é a liberdade narrativa que a diretora estabelece para colocar passado, presente e todos os vizinhos da senhora (que de certa maneira representa todos nós) juntos com diversos artistas do nordeste ligados ao São João. De Sivuca a Chico César vão desfilando pelas varandas da vizinhança grandes nomes da nossa música popular, separados em suas casas, porém unidos a preparar um espetáculo possível de São João. Essa é uma obra sobretudo que versa acerca do papel que as artes desempenharam durante ao período mais difícil de nossa história no que tange à sociabilidade e a importância da memória e da afetividade em nossas vidas. Um filme emocionante, que toca não só uma música que muito diz sobre nossos costumes, a clássica "Que nem jiló", do nosso rei do baião, como atinge a alma bem lá no fundo e mostra a força da animação brasileira.
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O VOZERIO 
Dir, Igor Bastos
COTAÇÃO: 7
Impressão: Se atentarmos para a palavra que está no título, vozerio, logo entenderemos que o cerne da ideia que fomenta o filme de Igor Bastos não são somente as vozes, mas sim como essas vozes se colocam, umas intercaladas à outras. No dicionário, vozerio quer dizer "muitas vozes juntas" e um dos sinônimos possíveis encontramos a palavra algazarra. Vozerio aqui expressa um amontoado de vozes que não se somam, mas que antes de tudo se chocam e se misturam sem formar um sentido audível ou claro. Evidente que há um duplo sentido no título, afinal estamos a falar de dublagem, de umas vozes sobre as outras, embora também vozerio nos remeta a confusão. Ler crítica completa no link: O VOZERIO (2023) Dir. Igor Bastos (cinefialho.blogspot.com)            
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UM CERTO CINEMA GAÚCHO DE PORTO ALEGRE
Dir. Boca Migotto
COTAÇÃO: 8
Impressão: O longa documentário "Um certo cinema gaúcho de Porto Alegre" aborda a saga do cinema de Porto Alegre dos anos 1980 (Deu pra ti, Inverno e Coisa na roda) a Tinta Bruta (2018), baseado na pesquisa de doutorado do próprio diretor Boca Migotto. Por meio de muitos depoimentos, o filme vai acompanhando as diversas fases do cinema de Porto Alegre, desde a primeira fase do super-8, em que a turma da posterior Casa de Cinema de Porto Alegre arriscou os primeiros passos, em especial Carlos Gerbase e Giba Assis Brasil, numa espécie de movida cultural (para além do cinema) ou como uma nouvelle vague gaúcha, essencialmente urbana nas temáticas e cheia de experimentos narrativos. Ler a crítica completa no link: UM CERTO CINEMA GAÚCHO DE PORTO ALEGRE (2023) Dir. Boca Migotto (cinefialho.blogspot.com) 
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CABOCOLINO
Dir. João Marcelo
COTAÇÃO: 9
Impressão: "Cabocolino" é um filme de rara sensibilidade, que aborda momentos da vida de João de Cordeira, sempre com uma ternura comovente e temas como ancestralidade, territorialidade, memória e afetos. O mais interessante é como o diretor João Marcelo consegue com simplicidade e ludicidade abraçar um personagem que emana amor e que como o próprio diz: "o caboco tira a gente do abismo". É bela a consciência do personagem em focar sua vida na preservação de uma tradição cultural popular. Enquanto o filme passeia delicadamente por nós, ganhamos de brinde o som maravilhoso da Banda de Pífanos de Surubim. Um filme que se vê com os olhos alagados.
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VERMELHO MONET
Dir. Halder Gomes
COTAÇÃO: 3
Impressão: 
O cinema de Halder Gomes sempre me incomodou pela maneira como construiu a inserção da cultura popular nas suas narrativas, reforçando a ideia caricatural de um povo para o qual tudo sempre acaba em uma grande brincadeira e uma paródia, ação narrativa essa que evoca as chanchadas e comédias da época da Atlântida e da Cinédia, e mais adiante, os filmes dos "Os Trapalhões", cujas histórias sempre foram pastiches referenciadas em algum sucesso do cinema internacional. Felizmente, outras abordagens do popular foram construídas nos últimos anos em nosso cinema. Ler a crítica completa no link: https://cinefialho.blogspot.com/2023/06/vermelho-monet-2023-dir-halder-gomes.html
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FANTASMA NEON
Dir. Leonardo Martinelli 
COTAÇÃO: 8
Impressão: "Fantasma Neon" é um dos filmes mais premiados de 2022 e isso é compreensível, afinal a inventividade é a maior característica do curta de Leonardo Martinelli. O filme mistura dança, performances, números musicais, drama, comédia, passinho, forte crítica social entre os seus elementos. Me lembra muito na parte musical ao filme de Juliana Rojas de 2014, "Sinfonia da Necrópole", com os toques melódicos muito próximos à vanguarda paulista dos anos 1980. Mas fora isso, "Fantasma Neon" é muito carioca no seu jeito de ser atrevido, leve e solto, mas sempre deixando comentários ácidos como "entregar comida com fome é foda" ou "nem de neon eles enxergam a gente", e depoimentos em off sobre as várias furadas nas quais os entregadores de aplicativo estão sujeitos dia e noite afora. O filme vai caminhando entre a comédia e a tragédia, entre a vida e a morte, entre a leveza e a contundência, em um movimento que pode incomodar a uns e fascinar a outros. O filme caminha sempre se alimentando dos contrastes: ou entre a bicicleta e a motocicleta, ou entre a visibilidade neon das mochilas e a invisibilidade como indivíduos dos entregadores. Um dos pontos cativantes desse curta é a presença sempre luminosa e neon do grande ator Silvero Pontes, não esquecendo das inesperadas performances que muito diz sobre a capacidade de resiliência e resistência de nosso povo frente a exploração de um sistema econômico que chama de empreendedores trabalhadores que não possuem nenhum direito trabalhista. Só dançando mesmo para suportar as desigualdades sociais sempre naturalizadas por quem se aproveita da mão-de-obra barata dos desprovidos que precisam trabalhar para sobreviver nesse mundo cão.
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AREIA - MEMÓRIA E CINEMA
Dir. Letícia Damasceno Barreto
COTAÇÃO: 7
Impressão: "Areia - memória e cinema" é um híbrido de documentário e ficção, que narra a história do projecionista, do Cine Teatro Minerva, Gutemberg Barreto, situado em Areia, cidade do interior da Paraíba, que vem com a esposa morar no Rio de Janeiro. O ator Buda Lira, irreconhecível sem barba, faz encenações como Gutemberg e está muito bem em cena. O filme tem lá suas recaídas melodramáticas, até justificáveis, já que a diretora Leticia é neta do personagem. Mas a história tem pontos charmosos, como a morte silenciosa do protagonista em uma sessão de cinema no Odeon, no Centro do Rio de Janeiro. Mesmo afastado de sua ocupação de projecionista, o velho Gutemberg jamais deixou de reservar as terças-feiras para ir ao cinema, enquanto a esposa ia rezar no Convento de Santo Antônio. Apesar de conter uma dose de exagero dramático, a cena final com Chaplin e Gutemberg tem lá a sua graça. "Areia - memória e cinema" tem sim seus encantos, além de ter uma grande dose de afeto em cada frame filmado, pode ser considerado também um bonito filme-homenagem de uma neta para o avô.
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OS ESQUECIDOS
Dir. Rodrigo de Souza
COTAÇÃO: 7
Impressão: O documentário "Os esquecidos" trata da participação dos seres escravizados na construção da riqueza do Vale do Café, papel que lhes foi tirado pela elite local, que jamais os mencionaram como a mão-de-obra que levantou e construiu a riqueza da sociedade comandada pelos Barões do Café. "Os esquecidos" conta com depoimentos de diversos professores de história de hoje, que recolocam cada personagem em seu devido lugar na história local. "Os esquecidos" torna-se importante por mostrar o papel dos historiadores para a ampliar a nossa visão acerca da participação dos agentes sociais do passado, possibilitando que no presente consigamos enxergar os traços do passado ainda presentes na sociedade de hoje e colocar em evidência, um processo que conecta o que somos hoje com a nossa formação histórica. O filme ainda narra a tentativa de branqueamento por parte dos fazendeiros com a chegada de trabalhadores europeus no Brasil, baseados em teorias que afirmavam que essa ação levaria o país mais rápido ao progresso social e econômico. Esse é um filme, que apesar de soar convencional por demais em sua narrativa cinematográfica, com muitos historiadores relatando fatos como se estivessem em sala de aula, revela-se fundamental para que as novas gerações possa conhecer uma história que tire da invisibilidade os trabalhadores pretos e escravizados, personagens que embora não estejam com seus nomes estampados no nome das ruas, foram os protagonistas no processo de construção de riqueza do que hoje chamamos de Vale do Café.         
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CINEMA É DROPS
Dir. Aline Castela
COTAÇÃO: 5
Impressão: "Cinema é drops" tem como mote fazer um painel da história das salas de cinema da Cidade Imperial de Petrópolis. O filme apresenta uma ótima pesquisa histórica de imagem, apenas se perde em uma profusão de informações sobre diversas salas que abrem e fecham no decorrer do século XX e o documentário fica girando em torno de episódios contados sempre superficialmente, um atropelando o outro, faltando um pouco sair do clima nostálgico para uma análise mais consistente desse passado. Assim, informações interessantes vão ficando pelo caminho, em meio a baleiras, pipoqueiros, drops, lanterninhas e demais fatos corriqueiros amontoados em uma narrativa que pouco entrega além de imagens interessantes e factuais sobre a sociedade petropolitana. Ainda assim, deve-se destacar a importância da pesquisa de imagem desse Curta-metragem.
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VENTOS DO VERÃO
Dir. Alex Pizano
COTAÇÃO: 4
Impressão: "Ventos do verão" é uma rara oportunidade para se conhecer um filme realizado em Roraima. O diretor Alex Pizano é conhecido no Estado pelas suas histórias de faroeste em meio a realidade fronteiriça típica do Norte do Brasil. Entretanto em "Ventos de verão" o tema é outro, o que prevalece é uma narrativa voltada para o romântico e o nostálgico. Surpreendente a qualidade de fotografia e som sob a batuta de Claudio Lavôr, que servem de suporte para imagens e paisagens que lembram quadros impressionistas. Pena que há uma história pouco consistente e bastante previsível, sobre as memórias saudosas de uma jovem viúva. Alguns planos detalhes, e outros mais gerais são bonitos, mas a já batida história com contornos espíritas não chega a empolgar e soa até meio apelativa, embora seja louvável o esforço em desenvolver uma obra poética, telúrica e embalada por um viés mais imagético e sonoro do que assentada em diálogos. A impressão é que a obra bate na trave, sobretudo por deslizar no roteiro não consegue dar à trama um contorno que sustente a excelente parte técnica do filme.
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ALICE ATRAVÉS DA TELA
Dir. Plínio Lopes
COTAÇÃO: 2
Impressão: "Alice através da tela" tem como objetivo atualizar a clássica história de Lewis Carroll, mas perde a oportunidade de atualizá-la criticamente perante a sociedade que retrata: a tradicional e escravista região do Vale do Café. O filme se equivoca ao fazer escancaradas propagandas de um hotel fazenda da região, local conhecido por ser o centro nervoso do regime de opressão, e perde a oportunidade de usar o ambiente das fazendas para denunciar o sistema escravista que serviu de alicerce para invisibilizar homens e mulheres pretos da região. Tal como é narrado, o filme reafirma o processo de discriminação e subjugação dos pretos na sociedade de hoje. A maneira como a empregada da família e sua filha são inseridas na trama reafirmam a visão arcaica de uma história claramente opressora, mesmo que o viés esperto da narrativa ágil e moderninho da produção camufle as desigualdades sociais gritantes  que o filme ecoa. Quem dera a questão das telas fosse a que devesse chamar a nossa atenção e não um enredo que não consegue se colocar criticamente perante o seu tema. Fica muito difícil hoje falar das fazendas de café sem lembrar do contexto histórico no qual estão inseridas. A atuação da jovem atriz que interpreta Alice e a da chapeleira salvam o filme da tragédia total, afinal elas não podem pagar pelas escolhas narrativas e pela visão histórica desatualizada da direção.
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MARIA - NINGUÉM SABE QUEM SOU EU
Dir. Carlos Jardim
COTAÇÃO: 6
Impressão: Para os fãs de Maria Bethânia, o documentário "Maria - ninguém sabe quem sou eu" vai causar uma sensação contraditória. Se por um lado existe a felicidade de ver a cantora em cena com sua exuberância contumaz cantando em imagens de arquivo, por outro, há uma decepção pelo fato do título não entregar o que prometeu: revelar algo desconhecido dela. Para quem acompanha Bethânia por anos a fio, poucas informações novas vai realmente levar ao final da sessão. Ler a crítica completa no link: https://cinefialho.blogspot.com/2023/06/maria-ninguem-sabe-quem-sou-eu-2022-dir.html?m=1
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AS TRÊS VIDAS DE FRIEDA WOLFF
Dir. Pedro Gorski
COTAÇÃO: 7
Impressão: 
"As três vidas de Frieda Wolff", dirigido por Pedro Gorski trata da vida do casal Egon e Frieda Wolff, dois judeus alemães refugiados no Brasil à época do regime nazista de Hitler. Esse é um documentário denso, com extensa pesquisa de material de arquivo, realizado com muito zelo e amor pelos personagens. O trabalho do casal Wolff, hoje, é reconhecido como a maior contribuição à história do povo judeu no Brasil. Deixaram mais de 60 escritos sobre o tema, um número realmente expressivo. O filme se organiza em três partes: a primeira, que narra o contexto do encontro do casal; a segunda, quando o casal se estabelece sua vida; e a terceira, em que Frida precisa tocar a vida após a morte de Egon.
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CAMPOS CONQUISTADOS
Dir. Jéssica Gomes
COTAÇÃO: 7


Impressão: "Campos conquistados" é um documentário de curta-metragem que enfoca a difícil atuação de mulheres como árbitras de futebol no Brasil, os preconceitos históricos de uma profissão e um esporte totalmente dominado pelos homens. O filme trabalha basicamente com depoimentos de árbitras e bandeirinhas que revelam as enormes barreiras que enfrentaram para poder enfrentar o machismo inerente à profissão. Ver a crítica completa no link: CAMPOS CONQUISTADOS (2021) Dir. Jéssica Campos (cinefialho.blogspot.com) 
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MULHERES DO VALE
Dir. Beatriz Vidal
COTAÇÃO: 7
Impressão: Uma das coisas mais fascinantes em acompanhar um festival no interior é poder assistir e descobrir a filmes produzidos na própria região, "Mulheres do Vale", dirigido por Beatriz Vidal e produzido por Laysa Costa, é um desses exemplos a ser destacado. Importante salientar o viés do filme em potencializar as vozes de mulheres cruciais para a formação de uma sociedade historicamente patriarcal e excludente em vários aspectos. Ler a crítica completa no link: MULHERES DO VALE (2022) Dir. Beatriz Vidal (cinefialho.blogspot.com)
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PITANGA
Dir. Beto Brant e Camila Pitanga
COTAÇÃO: 7
Impressão: "Pitanga" é um filme que tem uma alma familiar. Não à toa é dirigido pela filha Camila Pitanga junto com o prestigiado diretor Beto Brant. Mais do que uma obra sobre Antônio Pitanga é sobre o que o ator fez e faz de melhor na vida, promover encontros e diálogos em torno da cultura afro-brasileira. Cada encontro é uma festa, um acontecimento, pois assim é permanentemente a vida para ele, uma eterna festa. Ler crítica completa no link: PITANGA (2014) Dir. Beto Brant e Camila Pitanga (cinefialho.blogspot.com)
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CASA DE ANTIGUIDADES
Dir. Pedro Paulo Miranda Maria
COTAÇÃO: 8
Impressão: Depois de vários curtas-metragens premiados internacionalmente ("A moça que dançou com o diabo", "Command action" e "Meninas formicida"), inclusive no Festival de Cannes, o diretor João Paulo Miranda Maria assombra o mundo com o seu primeiro longa-metragem, "Casa de antiguidades". É muito importante ficar atento a esse diretor vindo de Rio Claro, interior do Estado de São Paulo, como uma indubitável promessa do cinema brasileiro dos últimos anos. Seu estilo seco de filmar surpreende, pois parece um veterano, de tão convicto e firme que seu trabalho se revela na tela grande. Ler a crítica completa no link: CASA DE ANTIGUIDADES (2020) Dir. João Paulo Miranda Maria (cinefialho.blogspot.com)   
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NÃO SEI QUANTAS ALMAS TENHO
Dir. Cavi Borges
COTAÇÃO: 9
Impressão: De certa forma, mesmo estando em pleno século XXI, podemos dizer que todo o filme de vampiro é uma homenagem ao amplo universo da cultura fantástica. A história da literatura e do cinema estão repletos desse tema tão sedutor e atrativo. "Não sei quantas almas tenho", dirigido pelo criativo casal Patrícia Niedermeier e Cavi Borges não é diferente ao optar lidar poeticamente com esse mundo dominado pelo imaginário fabular, e que flerta com elementos tão díspares da existência como o erotismo e a morbidez. O mais interessante no filme é como os diretores trabalham o tema de maneira bastante fragmentada, explorando mais a atmosfera misteriosa típica das histórias de vampiro do que o desenvolvimento do enredo em si. E isso é possível notar desde o início, onde as cenas filmadas esparsamente, juntamente com uma rica trilha musical que acentua um tom ameaçador, estão ali para construir uma ideia acerca de como eles aportarão no cinema fantástico. Ler a crítica completa no link: 
NÃO SEI QUANTAS ALMAS TENHO (2022) Dir. Patrícia Niedermeier e Cavi Borges (cinefialho.blogspot.com)
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CAPITÃO ASTÚCIA
Dir. Felipe Gontijo
COTAÇÃO: 5
Impressão: Um dos elementos mais interessantes de "Capitão Astúcia" é a valorização do protagonismo de um personagem da chamada terceira idade e a sua promoção ao valoroso status de super-heroi. Outro destaque é a presença no elenco do carismático ator Fernando Teixeira como o protagonista do título, e a sempre leve e precisa aparição da atriz Nívea Maria, que infelizmente, fez pouco cinema em sua carreira. Há algo que destoa ambas interpretações do restante do elenco, que não consegue sair do caricatural. O perigo desse tipo de encenação na qual "Capitão Astúcia" se propõe é a de sempre caminhar entre o arriscado fio tênue da aventura e o da comédia, que pode a qualquer momento descambar para o superficial, armadilha na qual o diretor Felipe Gontijo acaba derrapando e caindo feio. "Capitão Astúcia" não consegue por isso emplacar, sair da promessa de uma boa sinopse e mergulhar na alma de seus personagens ao apenas salientar as suas ações, esquecendo de atribuir um mínimo de subjetividade ao seu precioso protagonista. A própria estética dos quadrinhos evocada no filme podia ser melhor explorada, pois fica muito solta no enredo. Assim, ao sairmos da sala de cinema, de imediato, esquecemos o que vimos, já que o filme não consegue ir além do próprio escapismo no qual se transformou.

FIM DA COBERTURA DO FESTIVAL DE CINEMA DE VASSOURAS 2023
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ESPECIAL 26ª MOSTRA DE CINEMA DE TIRADENTES - 2023 - COBERTURA 

PROPRIEDADE
Dir. Daniel Bandeira
COTAÇÃO: 9
Impressão: "Propriedade" (filme que será exibido na mostra Panorama do Festival de Berlim) pode até não ter uma radicalidade cinematográfica, mas não se pode negar a sua radicalidade temática. Poucos filmes são tão cientes da sua mensagem e se esforçam tanto por realizá-la com tamanha força e competência. Daniel Bandeira, seu diretor, soube construir um thriller exemplar, ele consegue tocar a história para frente a cada cena, aprofundando a tensão a tal ponto que em certo momento aceitamos isso como inerente ao seu processo de filmagem. Ouso dizer que "Propriedade" tem um quê de "Bacurau", de Kleber Mendonça Filho, em especial, a força de unir uma comunidade contra os desmandos geracionais e históricos, embora vá além na concretude da mensagem. Lembra ainda "Bacurau" em uma necessidade imperiosa de comunicar uma ideia de se dar um basta na exploração, de que não se aceitará mais o autoritarismo dos poderosos, mesmo que se reconheça (e a última cena representa isso) o quanto difícil seja extingui-lo. 
Leia a crítica completa no link:
https://cinefialho.blogspot.com/2023/01/propriedade-2022-dir-daniel-bandeira.html?m=1
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A VIDA SÃO DOIS DIAS
Dir. Leonardo Mouramateus
COTAÇÃO: 8
Impressão: "A vida são dois dias" é um filme sobre relações humanas e arte, o quanto elas podem resistir ao caos da vida. Durante a projeção fui remetido constantemente a algumas narrativas do cinema português de Manoel Oliveira, em especial um de sua safra final como "Singularidades de uma rapariga loura" (2009). Mas a forma como os corpos se apresentam, a teatralidade de gestos e ações dos personagens são algo muito próprios de Mouramateus, esse jovem realizador que vem sedimentando um trabalho potente. Porém algo de Oliveira esteja ali evocado. Talvez a graça da maneira cômica de narrar, sedutora e estranha, atenta aos detalhes e repetições, ali encravada entre o teatro e a literatura, em uma narração em off que mais do que contar, comenta com gracejos a história. Há um quê de pitoresco nas obras de Mouramateus, um humor jovial, sustentado tanto no cênico quanto na palavra. As palavras soam fortes na dramaturgia de Mouramateus, ela nos aproxima para depois nos afastar, estabelece um jogo cinematográfico interessante, um mix entre ironia e estranhamento, pois aquele mundo é o nosso não sendo, há um pitada lúdica que se interpõe, que nos faz lembrar da encenação. A ideia de duplo já está posto desde o título, embora durante a projeção ele se expanda sedutoramente, nesses gêmeos Orlando e Rômulo (Mauro Soares, também coroteirista com Mouramateus) que se somam pelas diferenças que lhes são inerentes. O que mais seduz em "A vida são dois dias" é mesmo o seu humor constante, debochado perante aos fatos corriqueiros que nos chegam com o toque do inusitado como o simbólico jogo sobre naufrágios onde ganha quem perde primeiro ou ainda o insólito enlace entre a música e o acidente que vai desencadear toda a história e introduzir a performática personagem de Mariah Teixeira. A coragem de assumir o insólito talvez seja um dos dispositivos mais potentes da curta e chamativa filmografia deste cineasta que ainda promete entregar mais preciosidades no futuro. 
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ALEGORIAS
Dir. Leonel Costa
COTAÇÃO: 7
Impressão: "Alegorias" retrata com leveza (e até alegria, mas não só) as históricas contradições sociais existente no Brasil, a partir de duas mulheres pretas (Francisca e Thamiris) que trabalham para Reinaldo, um típico empresário escroto e milionário brasileiro que tem como pretensão acabar com o Carnaval no país e que odeia a cultura popular e despreza o livro de Câmera Cascudo que Francisca lê em paralelo ao trabalho. A família de Thamiris já trabalha por gerações para a família de Reinaldo, o que já mostra um estranho hábito de se herdar a riqueza e a pobreza no país, ainda mais quando sabemos que a mãe de Thamiris se suicidou no horário de trabalho na casa de Reinaldo. A primeira e longa cena do filme (talvez uma das mais interessantes) se passa em um samba de roda das Pastoras do Rosário onde reconhecimento, reciprocidade e afeto estão firmemente presentes. "Alegorias" se constrói tanto por uma narrativa quanto por um discurso ambos diretos, o que por vezes tira a possibilidade de um encanto maior, já que tudo está ali muito às claras, sem grandes surpresas. A única exceção está no personagem do anjo que paira pela história como uma espécie de amuleto protetor do samba e suas manifestações. Outro fator que nos prende ao filme são as ótimas interpretações da bela e carismática dupla de atrizes Thamiris Mandú e Francisca Paz, como empregadas domésticas e amantes do samba. Há passagens interessantes sobre a história da Unidos do Peruche, como a homenagem que o filme presta a um de seus baluartes, o Carlão da Peruche, um dos mais importantes sambistas da Escola de São Paulo. Achei interessante a preocupação de se olhar para São Paulo sob o viés de seu samba, que já conta com diversos nomes importantes da nossa música e nunca é lembrado ou reconhecido pelo seu valor. Uma das cenas que mais gosto é quando o filme aborda a destruição da quadra da Escola de Samba Vai Vai e se descobre a existência do quilombo Saracura, uma importante referência da cultura negra e resistente no país. "Alegorias" é uma ficção que documenta muito bem tanto o presente quanto o percurso histórico de uma sociedade assentada na profunda desigualdade entre os seus habitantes.   
*Obs. muito bom ver o amigo Bruno Carmelo se virando em um improviso como figurante.
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CERVEJAS NO ESCURO
Dir. Tiago A. Neves 
COTAÇÃO: 5


Impressão: O início de "Cervejas no escuro" é de certo modo enganador. Lá assistimos um enterro de um homem enquanto alguns amigos bebem numa mesa de bar colocada no quintal. Tudo o que vem depois adquire um tom de uma comédia quase rasgada. Com a morte do marido, a esposa se propõe não só a continuar mas ressignificá-la por completo. O filme se envereda na ideia metalinguística de fazer um filme como uma forma de renascimento. Filmar passa a representar uma nova forma de se ver a vida e a ideia de resgate do passado faz parte desse processo. Essa ideia não dá certo, apesar das trapalhadas do amadorismo dos envolvidos render boas risadas da plateia. Creio que o filme perde um pouco o ritmo quando a protagonista resolve mudar a temática do filme do pessoal para o histórico. O humor perde um pouco de sua força, além da imagem cair em uma abordagem mais recorrente do cinema paraibano, como o de discutir o cangaço, mas aqui ele soa um pouco forçado.
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O CANTO DAS AMAPOLAS
Dir. Paula Gaitan
COTAÇÃO: 9
Impressão: Imagens surgem em flash na tela. Tentamos apreender o que vemos, mas tudo passa muito rápido pelos nossos olhos, parecem imagens de um apartamento. Ficamos desnorteados, sem prumo. Esse será o nosso estado até o final do filme, mesmo depois que duas vozes em off começam a conversar sobre uma mulher do passado, pelo que tudo indica ela não está mais entre nós. Ficaremos até o final curiosos por ver alguma imagem dessa conversa, porém isso não vai ocorrer, até o fim, à deriva será o melhor estado para nos definirmos. "O Canto das amapolas" se guia por uma dessincronia persistente causadora de um estranhamento poético, que exige uma concentração permanente do espectador para acompanhar esse embate entre imagem de solidão e narração oral. 

Ler crítica completa em: 
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CAMBAÚBA
Dir. Cris Ventura
COTAÇÃO: 8
Impressão: Para começar, podemos dizer que "Cambaúba" traz à baila uma discussão bastante pertinente: a do embate da cultura popular oprimida contra a cultura acachapante e aprisionante dos colonizadores europeus e o faz a partir de uma pequena comunidade em Goiás Velho, moradores da Rua Cambaúba. E a diretora Cris Ventura se utiliza dos próprios moradores (moradoras seria mais preciso aqui) para filmar um documentário com traços de ficção, ou seria o inverso, uma ficção com traços documentais? Pois é, essa graciosa indefinição tem lá seu encanto, já que esse pensamento híbrido estrutura o filme. A personagem Cris, homonimamente interpretada pela própria diretora, está a pesquisar aspectos culturais de Cambaúba para fazer um filme (uma metalinguagem?) e essa pesquisa põe em xeque os fantasmas que representam a história dos vencedores, como o do bandeirante Bartolomeu Bueno, nome o qual o carteiro teima em chamar a rua em que mora Cris, que por sua vez prefere chamá-la de Cambaúba (nome de origem indígena). O filme atua fortemente no campo simbólico, embora todas  as questões levantadas pela trama sejam encaradas na vida cotidiana da comunidade. Cris Ventura opta por trabalhar com um elenco de não atores, o que torna tudo orgânico, a exemplo de alguns célebres filmes do neorrealismo italiano ("Terra Treme", de Visconti me vem de súbito à lembrança) que muito se utilizaram dessa prerrogativa. "Cambaúba" opta pelas falas improvisadas com membros da comunidade, o que dá uma leveza descontraída. Mas há em "Cambaúba"um pensamento cinematográfico abrangente que forja algo para além do próprio cinema ao instaurar e propor um outro viés histórico para  aquele território. Mas um grande mérito da obra está na sua abordagem dos mitos e lendas de Goiás Velho e na convicção de que o passado opressor precisa ser redimensionado para que o futuro expresse a vitória da simbologia popular, negra, indígena e feminina, antes dominada pela visão dos descendentes dos europeus, que sempre estiveram interessados apenas na exploração das riquezas naturais do lugar e dos minerais do rio vermelho. Por isso não são só as pessoas que se revoltam, o rio com o seu fluir caudaloso também reage aos anos de exploração e assoreamento. Quanto aos moradores, eles resistem alegremente com suas práticas culturais (o samba, as rezas e outros manifestações) e reafirmam o nome Cambaúba contra o fantasma da destruição simbolizada pelo bandeirante Bartolomeu Bueno. As bombas presentes na história simbolizam a destruição e o peso do passado e reforça a fantasmagoria tão marcante durante a projeção do filme. O que "Cambaúba" nos mostra é que é preciso mudar as narrativas históricas sobre o passado no presente, para que a cultura popular prevaleça e seja aceita no futuro.         
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XAMÃ PUNK
Dir. João Maia Peixoto
COTAÇÃO: 3
Impressão: Trabalhar a partir de uma ideia distópica tal como o diretor João Maia Peixoto se propõe desde as primeiras cenas de seu "Xamã Punk" são fartas no cinema, não só no brasileiro como no mundial. Confesso que a ideia da sinopse me surpreendeu e encantou mais do que o resultado final do filme. Imagina uma comunidade viver 300 anos imersa em um bunker até que um de seus membros resolve se aventurar pelas quebradas de um mundo cercado pelas ruínas de uma fracassada sociedade de consumo? Uma pena o filme se dispersa tanto e não chega a grandes soluções nem de roteiro nem cinematograficamente. O que mais me prendeu no filme foram as criativas camadas sonoras do filme, que transformam o espaço fílmico em um ambiente de selva, com sons ensurdecedores de insetos a preencher a tela. Creio que o menos interessante seja a experiência com os atores que performam aleatoriamente pelos cenários com diálogos rasteiros que não levam o filme a nenhum lugar. A captação do som dos diálogos também incomodou bastante, porque às vezes foram as legendas em inglês que salvaram o entendimento do que era dito em cena. Apesar da proposta experimental, "Xamã Punk" não consegue sair da ideia inicial, a de dois jovens que saem pelo mundo desconhecido para descobri-lo ou revelar um algo mais, nem que fosse a beleza de se caminhar pelo mundo. 
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O CANGACEIRO DA MOVIOLA
Dir. Luis Rocha Melo
COTAÇÃO: 6
Impressão: Temos sempre que celebrar um filme que fala sobre personagens do cinema, em especial quando se contempla uma função que não é nem a da direção nem da atuação, essas mais comuns, embora igualmente importantes. "O Cangaceiro da Moviola", dirigido por Luiz Rocha Melo traz a figura de Severino Dadá, um dos montadores mais assíduos do cinema brasileiro. O filme foi construído a partir de depoimentos tanto do próprio Severino (quase sempre em off) quanto de profissionais que tiveram o prazer de trabalhar com o prestigioso montador pernambucano. Trata-se de mais uma pesquisa acurada de imagens de Luis Rocha Melo, que consegue dar um colorido cuidadoso nesse material de arquivo. O filme abrange desde a infância em Pedra, pequeno município de Pernambuco, até o sucesso profissional de Severino no eixo Rio/Sampa, com destaque para o encontro decisivo com o mestre Nelson Pereira dos Santos. Interessante conhecer esse personagem tão tipicamente brasileiro, que dizia que cortava o filme na moviola com um facão e com uma luta política muito intensa, inclusive na formação do STIC (Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Cinematográfica) e nas campanhas políticas sobretudo de Miguel Arraes como locutor. Só achei um excesso colocar depoimentos de personagens falando de Severino Dadá, creio que explorar apenas esse grande personagem que ele é, com sua argúcia e graça aprofundaria mais a abordagem dele, pois deve-se considerar o quanto já foram por demais invisibilizados em suas carreiras. Mas é bom que se deixe registrado o quanto é fundamental para a memória do nosso cinema a valorização de personagens que muitas vezes aparecem apenas em rápidos lampejos nos créditos finais ou iniciais dos filmes. Que venham mais obras sobre esses personagens invisibilizados do nosso cinema.
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AS LINHAS DA MINHA MÃO

Dir. João Dumans

COTAÇÃO: 9

Impressão: Ao assistir "As linhas da minha mão" me lembrei muito do mestre Eduardo Coutinho a nos seduzir com suas conversas, apesar de que, em "As linhas da minha mão" o diretor não apareça diretamente como personagem. O interessante aqui é o quanto a própria Viviane inclui o diretor Dumans através de suas narrativas. Ao final não sabemos se ela está a seduzir Dumans, a nós ou se ambos. Adoro a passagem em que Viviane canta a música "Boi Voador", do Chico Buarque, por ela se identificar com a canção, onde um boi era capaz de voar e por isso era reprimido. Viviane aborda a sua própria "loucura", sua necessidade de tomar remédios e da dificuldade de ser artista e ter uma estabilidade financeira. Mais para o fim, Dumans nos oferece imagens lindas em P&B de Belo Horizonte ao som de um belo cool jazz. Ainda tem uma história mirabolante de Viviane com um albanês que transam em um banheiro do trem e outra de que ela recebe uma rosa de Tom Jobim. 

ver a crítica completa em: 

AS LINHAS DA MINHA MÃO" (2023) Dir. João Dumans (cinefialho.blogspot.com)

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ALEGRIA É A PROVA DOS NOVE"

Dir. Helena Ignez

COTAÇÃO: 9

Impressão: "Alegria é a prova dos nove" é mais um manifesto feminista potente de Helena Ignez, a mais jovem cineasta do Brasil. O filme é uma ode libertária e iconoclasta de uma mulher que acredita no viver e na felicidade plena da mulher. Logo no início é dito uma frase do poeta francês Arthur Rimbaud "o verdadeiro mundo não está aqui" que para mim sintetiza o espírito desse trabalho único de Ignez. Essa frase ecoa a necessidade de se viver a utopia, esse não lugar que nós humanos podemos e precisamos inventar para nós mesmos. 
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CORPO PRESENTE

Dir. Leonardo Barcelos

COTAÇÃO: 5 

Impressão: Mais uma vez a curadoria da mostra propõe um diálogo interessante entre os longas exibidos um em seguida ao outro, agora com "Terruá Pará" e "Corpo Presente". Ambos possuem traços em comum, como a performatividade das cenas e uma preocupação com o corpo e o movimento como instrumentos de resistência e formas do viver. Dito isso, agora analisaremos o filme "Corpo Presente". A obra começa com uma imagem perturbadora, a de uma penteadeira largada numa beira-mar, como se algo estivesse fora do lugar, e evidente que está. O diretor Leonardo Barcelos se propõe a perscrutar um desequilíbrio social e histórico a partir de uma pesquisa acerca do corpo. Assim, Leonardo divide em 5 atos que dão a dica acerca das organização de suas ideias. Mas o diretor explora essa temática a partir de três princípios básicos: a da performatividade das ações (tendo o corpo da performer Ludmila Ramalho como condutor através da sua própria historia); a da narração de pensadores que refletem o corpo na contemporaneidade; e por fim, por meio do universo sonoro, esse comandado pelo experiente grupo mineiro "O grivo". O maior desafio dessa concepção é a de concatenar todos esses elementos e dar algum sentido dentro da proposta. Há um perigo eminente nessa ideia de se fazer uma genealogia do corpo tendo a performance como um dos guias narrativos. Mas o filme me despertou alguns senões. Um deles é a da busca que a imagem seja mais um elemento fluido e simbólico sobre o que ouvimos nos depoimentos em off do que instaurar uma lógica verdadeiramente dialógica entre esses elementos. O filme recita muitas vezes enunciados eivados por discursos fáceis como "o corpo feminino é discursivo" ou "o corpo é sagrado", ou ainda "o corpo se alimenta do outro".  Dentro dessa perspectiva, o som do grupo "O grivo" foi o que mais me impressionou no filme, por ele ser o elemento mais livre e criativo, embora o campo imagético e textual não acompanhem as ousadias sonoras que ouvimos. Creio que o filme meio que se desorienta na sua ambição de dar conta de uma história que é muito ampla, como é a da discussão do corpo, suas possibilidades e perspectivas, historicidade, violências e lutas. O corpo textual que o filme propõe, como roteiro, acaba por permeá-lo de narrações que se completam por si e que cria um todo pouco harmonioso , em especial com com as imagens. Como o filme se propõe a potencializar experimentações e performar sobre o corpo, acaba por se esquematizar e aprisionar as próprias ideias nos didáticos 5 sub-blocos temáticos, o que prejudica a própria fruição da obra.
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TERRUÁ PARÁ

Dir. Jorane Castro

COTAÇÃO: 8

Impressão: Jorane Castro traz do Pará a essência da música que é produzida por lá e para isso vai resgatar as profundezas das terra, dos rios e do céu amazônicos. Não casualmente ela começa seu filme no interior da floresta amazônica, deixando que os sons mais recônditos invadam a tela e criando uma empatia espontânea. Vemos e ouvimos tudo extasiados, pois a multiplicidade da música realizada no Pará começa nos seus caudalosos rios e vão parar (com a licença do trocadilho) em um caldo, uma mistura insólita sem igual no país. Jorane vai aos poucos costurando os elementos naturais e culturais que sedimentam uma música que está sempre em eterno movimento, que não para de se misturar, que jamais se estagna. Assim, alguns artistas como Jaloo, Manoel Cordeiro, Dona Onete, Keila, Toni Brasil, Léo Chermont vão discursando e performando em lugares onde as suas músicas fazem sentido. Interessante como Jorane começa no interior da floresta para depois colocar sua câmera virada para uma cidade urbana a princípio longínqua, vista apenas ao fundo e isso não ocorre uma vez, se repete como se a diretora quisesse nos dizer que esse movimento tem origem que o seu deslocamento se deu da floresta para o centro urbano e que a música ouvida hoje em Belém, seja no Centro ou nas periferias, tem ecos vigorosos da floresta. Jorane costura e celebra tradições híbridas, do balanço e colorido do boi bumbá, passando pela ladainha de São Benedito e pela missa em latim cabocla até chegar no fenômeno das guitarradas, do tecnobrega, da tecnoguitarrada e dos surpreendentes aparelhos. Como diz Léo Chermont, as coisas eletrônicas já estão incorporadas à tradição, já são nossas. O que guia tudo é o movimento, a dança, o corpo como escritura cultural. A riqueza aqui é tão caudalosa quanto os mananciais dos rios e da chuva amazônica (fenômeno presente no filme e que quem já presenciou sabe o que é). De alguma maneira tá tudo ali, a mistura afro, indígena, caribenha, das Guianas, do eletrônico, do brega e do que mais vier. É como diz a carismática cantora Keila que tudo é um misto de autenticidade, energia e tristeza. Sim, se o samba carioca é a tristeza que balança, imagina a música paraense onde o movimento está na essência de tudo e o corpo combina instrumento e ancestralidade. Se o Brasil do Sudeste se fechou a tudo isso problema dele, agora aguente e receba essa potente tromba d'água nas fuças, mesmo sem continuar a entender de onde veio tanta riqueza e informação musical de uma só região. Ao final, o documentário de Jorane Castro nos faz querer mais, conhecer muito mais, nos faz querer comprar uma passagem aérea e ir direto para o Pará conhecer de perto todo esse manancial cultural inesgotável e rico.     
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CAIXA PRETA

Dir. Saskia e Bernardo Oliveira

COTAÇÃO: 6

Impressão: Difícil sair da sessão silenciosa e intimista de "Canção ao longe", de Clarissa Campolina, e adentrar no disruptivo e ensurdecedor "Caixa Preta", de Saskia e Bernardo Oliveira. Confesso que a proposta deliberada de chocar já me trouxe uma vontade de rejeitar, mas ao fazer isso me permitiria um nocaute logo no primeiro assalto da luta e no cinema não é assim que a banda toca. Mas acredito que o filme discurse sobre a fome de expressão seja pelo uso das imagens com muitas interferências seja pelo uso exasperado da camada sonora. "Caixa preta" é resultado de um grito contido durante 4 anos de barbárie vividos no período do governo Bolsonaro, que concentrou toda a história de desigualdades e absurdos delegados historicamente. O filme se propõe a abrir essa caixa preta tendo como mote principal o som eloquente da cultura preta brasileira e o convite a Negro Léo para reger esse viés musical reafirma tudo isso. Interessante algumas repetições que reafirmam tudo que se tentou apagar nesses últimos anos. Se "Caixa preta" é um grito, faz sentido ele ser também fragmentado, descontínuo, experimental e estourado. Fiquei com a impressão que o filme funcionaria melhor em sua radicalidade se fosse mais curto, o seu impacto reverberaria com mais contundência e potência, reafirmaria mais a sua proposta de desorientação, seu hibridismo entre o documental e o experimental, seu risco permanente e implacável. Com tudo, ouvir os cânticos ancestrais e originário e ver a turba monstruosa e faminta no Supermercado Guanabara, e vivenciar a narrativa pulsante de Negro Léo entoando "eu sou o terceiro milênio" já fez valer demais a sessão. O meu incômodo e o de tantos outros que se danem.
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CANÇÃO AO LONGE

Dir. Clarissa Campolina

COTAÇÃO: 8


Impressão: "Canção ao longe" começa com uma imagem exterior: a de uma casa sendo demolida, parede a parede, como se algo de nós desabasse junto. Com as imagens que se seguem, vemos que essa imagem reflete mais a interioridade da personagem Nina (Mônica Maria) do que simplesmente o ruir de uma casa. Em alguns momentos, o filme me remeteu a "A Liberdade é Azul" (1993) tanto pelo uso da música sinfônica quanto por retratar uma personagem feminina querendo encontrar um novo caminho em sua vida, embora o peso do passado lhe impeça. O filme me tocou por esse viés intimista, de uma busca silenciosa ditada por pequenos passos ou autoboicotes diários. O pai ausente, um peruano que não se adaptou a vida a dois com a mãe, aparece somente por meio das cartas, mas ele vive em Nina poderosamente. Tudo no filme segue o fluxo de Nina, do seu tempo, suas indecisões, ela é uma mulher jovem, por voltas dos 30 anos, vinda de uma família que lhe oferece conforto material, e de certa maneira bastante privilegiada. Nina descobre que o motorista Miguel, que trabalha para a sua avó, conheceu seu pai, que tinha um sebo. Ao se conectar a um sebo ela tenta de alguma forma buscar algo que supra a carência paterna. Ela procura um apartamento para morar sozinha, mas esse passo parece ser mais difícil do que possamos imaginar. A diretora Clarissa Campolina parte de pequenas vivências cotidianas para nos apresentar Nina, nos aproxima dela com a câmera, porém a narrativa lembra mais um documentário observacional do que um drama envolvente. Não há arroubos, apesar do retrato ser por vezes melancólico. Como o filme veio, ele vai, com a vida de Nina seguindo seu fluxo silenciosamente perturbado. Tudo na vida de Nina soa como impermanente e frágil. As cartas, conquanto expressam sentimentos,  participam como veículos que ecoam e reafirmam os silêncios de Nina e seus distanciamentos, já que as mesmas são lidas por ela para ela mesma. Uma das cenas mais bonitas é quando Nina se atrai de ir à janela para escutar uma mulher cantando belamente a enigmática música "Alguém cantando", de Caetano Veloso, o quanto ela representa Nina e sua busca, o quanto desafiador é tentar captar a voz do coração e ainda mais filmá-la. Um filme para se atentar nas brechas que ele abre e jamais fecha, nem em si mesmo nem tampouco em nós.
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MUGUNZÁ

Dir. Glenda Nicácio e Ary Rosa

COTAÇÃO: 7

Impressão: "Mugunzá" é o sexto filme da dupla Glenda Nicácio e Ary Rosa. O filme não tem a ousadia criativa e performática de "Ilha" nem a leveza contundente de "Café com Canela", se aproxima mais estilisticamente de "Voltei" e "Até o fim" ao trabalhar mais com uma proposta de um minimalismo cênico e teatral. O aspecto teatral de "Mugunzá" em nenhum momento é disfarçado, ele é sempre explícito tanto pelos diálogos quanto pela artificialidade da cenografia. O filme se utiliza também de outros artifícios, como o de números musicais, o que acentua mais ainda o viés teatral da obra, apesar de o fazer como se fora uma espécie de uma ópera candomblecista, já que toda a história está referendada por essa matriz afro-baiana. Se essa conformação teatral de cenário único por vezes cansa e dispersa a atenção, assim como o excesso de diálogo e um certo maneirismo na direção dos atores, o carisma e o talento constante da dupla de atores, Arlete Dias (cantora maravilhosa) e Fabrício Boliveira (este fazendo brilhantemente vários personagens) garantem a fruição com galhardia até o final, e ainda sublinhamos a unidade interessante proporcionada pelas belas composições, todas originais, de autoria de Moreira. Outro elemento significativo do filme é o simbolismo cômico de se ter o mugunzá, esse poderoso quitute afro-baiano, como uma poderosa arma utilizada por essa interessante personagem que é Arlete, uma baiana, macumbeira (sempre com a ajuda dos orixás), sapatão e atrevida ao enfrentar numa trama ardilosa, a família do prefeito de sua cidade. Como ela diz em uma passagem do filme: "eu preciso escrever a minha história", e é justamente o que ela faz, com a ajuda, claro, da cultura popular, afinal ela é uma baiana legítima. Para fechar, eu destaco a engraçada história envolvendo vários orixás, essa sim, muito hilária.             

 FIM DA COBERTURA 26ª MOSTRA DE CINEMA DE TIRADENTES 2023

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Comentários

  1. Em alguns momentos eu tive a impressão de que a relação do Pietro com o pai era mais rica pra ser explorada no filme.

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    Respostas
    1. Sim, Paulinho! Há um corte brutal nas relações. De repente o Pietro aparece e descobrimos que não via a família há anos. E o amigo fez a vez do filho, embora o pai tivesse a ideia de construir uma casa no alto da montanha pensando no filho, ou até mesmo para o filho. Queria ter entendido melhor uma certa mágoa que o Pietro tinha do pai, a ponto de não procura-lo em anos. Depois ele faz tudo pela memória do pai, ajudando o amigo a construir a casa. Pietro não se apega muito às coisas e pessoas, é assim com as mulheres e com a família. O que me incomoda é que o filme é longo e não consegue mesmo assim dar conta dessas coisas. Muito das coisas cai em um vazio. Uma pena, porque o potencial desse filme era alto.

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  2. O comentário anterior é meu. Paulinho Assumpcao.

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