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Mostrando postagens de março, 2022

A PIOR PESSOA DO MUNDO (2021) Direção de Joachim Trier

Seguindo fórmulas de sucesso  A primeira ideia que podemos pensar sobre "A pior pessoa do mundo" é o quanto inusitado esse filme vai se revelando. Tudo poderia ser estranho, afinal estamos diante de uma personagem forte e em um primeiro momento disposta a tudo, mas Joachim Trier, a cada cena toma os caminhos mais previsíveis para ela. O invólucro é bem apresentado: os planos são ágeis, o roteiro é eficiente e os atores mais ainda, e tudo emoldurado por uma temática interessante, a da relação amorosa e de trabalho da geração millennials ou se preferir da geração Y (nascida entre 1985 - 1999). O filme narra a conturbada história de Julie (vivida pela ótima atriz Renata Reinsve), uma mulher jovem que busca a felicidade, o amor e uma profissão na qual tenha aptidão, não necessariamente nessa ordem. Trier se utiliza de fórmulas bem conhecidas para atingir o sucesso e as realiza dentro da esperada competência. "A pior pessoa do mundo" durante toda a projeção se equilibra

A FELICIDADE DAS PEQUENAS COISAS (2019) Direção de Pawo Choyning Dorji

Sinopse Ugyen Dorji (Sherhab Dorji)  tem 20 e poucos anos, e é professor, embora sonhe em se mudar para a Austrália e ser um cantor famoso. Em seu último ano de contrato com o governo, é mandado para Lunana, uma das regiões mais isoladas do mundo, onde deverá assumir uma escola infantil. Uma luz de humanidade vinda do interior do Butão   Texto de Marco Fialho Alguns filmes mostram o quanto o cinema pode ser poderoso e "A Felicidade das pequenas coisas", dirigido por Pawo Choyning Dorji, é um desses bons exemplos. Assistir a uma obra vinda de país inóspito e sem tradição no cinema dá um conforto na alma, afinal como poderíamos conhecer imagens vindas do Butão? Qual seria outra maneira de conhecer um pouco da cultura desse reinado budista situado na Ásia meridional? O inesperado no cinema nos cativa e aproxima do que é cultural e geograficamente distante. Mas só isso não basta. Um filme para nos atrair precisa também reunir qualidades cinematográficas e "A Felicidade das p

MÚSICAS QUE HABITAM EM MIM - Nº 1 - Clarice (Caetano Veloso)

Coluna mensal de Marco Fialho  MÚSICAS QUE HABITAM EM MIM - Nº 1 - Clarice (Caetano Veloso) link para o LP Caetano Veloso - 1968:  Tropicália (Remastered 2006) - YouTube   ou  Spotify – Caetano Veloso Para escutar só a música "Clarice" https://youtu.be/L8Gi6lr3FnM Caetaneando em Niterói Texto de Marco Fialho O ano era o de 1970. Eu tinha cinco tenros anos de idade. Eu morava com meus pais em um sereno e apertadíssimo apartamento na rua Aymorés, na Praia do Saco de São Francisco, na singela cidade de Niterói (RJ). O Brasil vivia o auge do AI-5, meu pai, carioca convicto, não morava na aprazível Niterói por livre escolha. Era um tipo de esconderijo que restava a um militante do Partido Comunista nesse tempo. Lembro que até há pouco tempo eu vivia olhando para trás com um incômodo desmedido por sentir a presença de alguém no meu encalço. Meus pais andavam assim nas ruas e eu mesmo sem conseguir racionalizar a situação incorporei o trauma de sentir medo, por achar que alguém como

O FESTIVAL DO AMOR (2021) Direção de Woody Allen

O encontro de Woody Allen com seus ídolos cinematográficos Texto de Marco Fialho Na autobiografia lançada recentemente, Woody Allen fala muito da dificuldade crescente dele em produzir novos projetos nos Estados Unidos devido aos processos impetrados por Mia Farrow, que o acusa de atos de pedofilia em relação a filha adotiva Dylan. O cancelamento feito pelo movimento #MeT oo  o atingiu em cheio. Logo ele, que talvez seja o cineasta mais profícuo em realizações, conseguindo dirigir pelo menos um filme por ano desde o início da carreira, sem crises de inspiração ou algo do tipo. Mas a verdade é que desde "Roda gigante", em 2017, Woody Allen não consegue mais emplacar um filme por ano, mesmo que já tenha sido julgado e inocentado, a desconfiança e o cancelamento continuam em seu encalço.  Mas o anúncio de "O Festival do amor" encheu de esperança o séquito de fãs do cineasta, embora precisemos reconhecer que sem aquele frisson  de antes. Se o filme não impressionou como

DRIVE MY CAR (2021) Direção Ryusuke Hamaguchi

Sinopse: O ator e encenador Yusuke Kafuku é convidado a encenar O Tio Vânia de Tchékov num festival de teatro em Hiroshima. No carro em que se desloca, conduzido pela discreta jovem Misaki, Kafuku confronta-se com o passado e o mistério sobre a sua mulher, Oto, que morrera subitamente levando um segredo com ela. "Drive my car" e as silenciosas e turbulentas narrativas dos corpos, dos objetos e das artes Quando Hamaguchi traz o universo de Tchékhov para dentro da trama de "Drive my car", penso que é um elemento crucial a ser posto para discussão, especialmente, porque narrativamente o texto de "Tio Vânia" fomenta cruzamentos de ideias que se alinham às ações dos personagens do filme, que o levam para além de um mero exercício de metalinguagem. A invasão do teatro no filme torna-se algo estruturante para a narrativa proposta por Hamaguchi. A cotidianidade de Tchékhov serve de método para o pensamento cinematográfico do diretor. Remete ao próprio contexto de

A ILHA DE BERGMAN (2021) Direção de Mia Hansen-Love

Flertando com o superficial Texto de Marco Fialho Pensar as relações humanas é um dos grandes temas da diretora francesa Mia Hansen-Love. Em "A Ilha de Bergman" não é diferente. Embora em um primeiro momento tudo pareça envolver a relação entre o cineasta Tony (Tim Roth) e a escritora Chris (Vicky Krieps), aos poucos a diretora vai levando a história para outro lado. A metalinguagem invade a cena, trazendo para si um inesperado protagonismo.  Mesmo sem ter a força narrativa de obras anteriores, como "Adeus, primeiro amor (2011)" e "O que está por vir" (2016), "A Ilha de Bergman" tem lá seus encantos. O filme envolve uma filmagem que acontece na ilha onde Bergman viveu parte de sua vida. Bergman de alguma maneira está presente ali, embora sua evocação estética passe ao largo do filme de Mia. "Persona" também tinha a metalinguagem como tema, mas a semelhança para por aí, a distância entre a obra de Bergman e Mia são gigantes, em qualquer

MÚSICAS QUE HABITAM EM MIM - N°2 "Magnólia" (1974) de Jorge Ben

Coluna semanal de Marco Fialho  MÚSICAS QUE HABITAM EM MIM - Nº 2 - Magnólia (Jorge Ben) link para os LPs "A tábua de esmeralda" (1974) e "Solta o pavão" (1975) de Jorge Ben: (1) Jorge Ben - A Tábua De Esmeralda - YouTube  ou  Spotify – A Tabua De Esmeralda Spotify – Solta O Pavão (1975) Uma pletora de alegria na Tijuca A tarefa mais difícil para um ser humano era ser feliz em 1975 no Brasil tomado por uma horda sinistra de militares encruados em Brasília. Eu tinha meus 10 anos de idade e já começava a entender que algo de estranho acontecia a minha volta. Eu já havia retornado ao Rio em 1972, depois da minha bucólica, rápida e marcante passagem por Niterói e morava em uma curiosa casa no Andaraí, numa área que integra a grande Tijuca, bairro conhecido por revelar vários artistas no Brasil, inclusive o que vou comentar nessa crônica e que já já revelarei a todos.  A luminosidade dessa casa tijucana foi fundamental para encarar a nebulosidade que ainda preponderava n

LICORICE PIZZA (2021) Direção Paul Thomas Anderson (PTA)

O real e o onírico em PTA "O mundo não gira em torno de Gary Valentine!" Personagem Alana para Gary Texto de Marco Fialho  Podemos iniciar dizendo que "Licorice Pizza" é mais um filme com a assinatura PTA. Isso quer dizer que o enredo transcorre nos anos 1970 e que revisitar o passado é uma de suas obsessões? Também por isso, mas não só. Tudo está contaminado pela marca autoral, e a certeza disso se ratifica a cada nova sequência, pelo enredo, pelas músicas, pela maneira de contar a história, de como a câmera se movimenta, de como os atores se movimentam e comportam em cena, enfim, por ser uma mise-en-scène típica de PTA. "Licorice Pizza" sugestiona desde a primeira sequência uma atmosfera onírica, embalada pela canção "July tree" cantada belamente por Nina Simone. Cena e música falam do mesmo tema, o do cintilar inesperado do amor. Essa sensação do onírico permeia todo o filme. Gary Valentine (Cooper Hoffman, filho do grande Philip Seymour Hoffm