Texto de Marco Fialho
"Os Delinquentes", dirigido por Rodrigo Moreno, é o representante argentino na corrida de uma indicação ao Oscar de filme estrangeiro. Essa é uma obra ousada, grandiosa em algum sentido, pela ousadia narrativa e de montagem. As três horas de duração assinalam bem as reviravoltas que a trama dá, sem se perder em atropelos, com as cenas e com o ritmo que elas precisam ter.
As primeiras imagens do filme sugerem que "Os Delinquentes" vai seguir os caminhos do clássico argentino "Nove Rainhas" (2000), de Fabián Bielinsky, em que tramoias são feitas pelos personagens em meio a uma Argentina em franca crise financeira. Aqui, todo o início leva a crer que teremos algo afinado com isso, mas Rodrigo Moreno aos poucos leva a sua história para rumos inusitados e surpreendentes.
Na verdade, várias expectativas são quebradas no decorrer das três horas de filme e esse é o próprio motor do filme, se mover de acordo com as imprevisibilidades que ocorrem com os dois protagonistas, os bancários Morán (Daniel Elias) e Román (Esteban Bagliardi). "Os Delinquentes" embarca em uma viagem sem volta de Morán e Román, de transformação profunda na visão de mundo de ambos.
Inclusive, a duplicidade paira a todo momento na trama de "Os Delinquentes". O diretor Rodrigo Moreno brinca com as dualidades, duplicidades e similaridades, sendo pelas assinaturas das contas diferentes logo no início do filme, pelos nomes que possuem as mesmas letras (Román e Morán; Norma e Morna); no antagonismo campo e cidade; Morán, solteiro, e Román, casado; um preso, outro livre. Incrível como o filme vai de ambientes opressores para libertários em uma simples virada de chave.
O clima opressivo do banco, com seu chefe autoritário contrasta com a maneira livre do grupo jovem que ambos cruzam em suas caminhadas por Córdoba. A liberdade, ou a busca dela, talvez seja a maior protagonista dessa história bem-humorada que Rodrigo Moreno nos proporciona. Este é um filme de roubo em que o próprio roubo fica em segundo plano, chega um momento em que até esquecemos dele. A trilha musical do filme talvez seja uma fonte inesgotável de um sentido de liberdade que a obra inspira. De Astor Piazzolla ao som psicodélico do Pappo's Blues as músicas são uma atração à parte.
A montagem habilmente desmonta o tempo de "Os Delinquentes", recortando a trama como bem entende que melhor sirva a sua proposta de filme, mas sempre encontrando as brechas perfeitas para não confundir o espectador, destaque para o corte que o diretor realiza da chegada de Morán em Córdoba para só desenvolver essa parte da trama mais adiante, de maneira a aquecê-la. A coragem narrativa de Rodrigo Moreno precisa ser valorizada, seus planos longos, lentos e alguns até inspirados no célebre faroeste norte-americano, com planos gerais muito bem realizados e que dialogam fortemente com o sentimento de liberdade que o filme tanto quer trazer para si. Creio que essa é uma obra para ser admirada no cinema.
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