Texto de Marco Fialho
"Ana", dirigido por Marcus Faustini retrata o cotidiano da personagem Ana (Priscila Lima), uma mulher jovem, suburbana, que precisa diariamente lutar pela sobrevivência de sua família, em especial a do irmão Diego (Gustavo Luz), um adolescente em luta para ser quem ele é, um corpo que foge da perseguição heteronormativa e conservadora de uma parte dos moradores da comunidade em que vive.
Um dos pontos bem interessante do filme é como Faustini constrói a rotina suburbana na primeira parte do filme, quando vemos Ana trabalhando como entregadora de panfletos e almoçando aquele salgado com refresco promocional. Essas não são cenas que vemos muito em nosso cinema, a do cotidiano suburbano de quem precisa tirar algum dinheiro para sobreviver, apesar das dificuldades financeiras. Ana ainda recebe aquelas ligações de cobrança, comunicando o atraso no pagamento de boletos. Mas a vida dela não é só problemas, tem lá seus momentos de descontração, como um passeio com o namorado na cachoeira.
Inicialmente, o filme centra na personagem de Ana, mas aos poucos, Diego assume um protagonismo na história, passando a dividir a atenção também do espectador. E não tem como negar que esse é um personagem potente, que de certa maneira acaba por se sobressair mais do que o de Ana. Outro personagem que se destaca é Cristiano (Vinicius Oliveira), um ex-namorado de Ana que retorna para brigar novamente pelo coração dela. Todo o esforço de Faustini para mostrar a força da personagem de Ana no primeiro bloco, esmaece um pouco na segunda metade do filme, o que analisaremos melhor mais à frente.
"Ana" é aquele típico filme de guerrilha, feito na valentia com recursos próprios e com a colaboração de diversos profissionais amigos, que acreditam muito no projeto. Um filme de território, para o território e que quer retrata-lo com dignidade, mas não se nega a criticar a vida como ela é no local. Tecnicamente é bem realizado, bons planos, boas interpretações, bem dirigido e com uma edição bem cuidada. O seu calcanhar de Aquiles talvez esteja no roteiro, que se perde em meio aos bons personagens que tem nas mãos, o que torna o filme muito indefinido, pois em certo momento não sabemos qual personagem estamos a acompanhar, o que fragmenta muito o enredo e a atenção do espectador em relação aos personagens.
O filme então vagueia entre três personagens, ora centralizando em Ana, ora em Cristiano e muito em Diego. Há um risco nessa proposta, já que a narrativa se distende por demais, deixando escapar o aprofundamento em torno de Ana, que a princípio parecia ser o foco do filme. Se efetivamente a vida de Ana estava no centro na primeira parte do filme, na segunda, o protagonismo passa para a denúncia que o filme faz contra a homofobia e volta-se visivelmente para Diego. Há um esforço para que a homofobia adentre na trama como mais uma história que permeia a vida de Ana, afinal a vida do irmão Diego estava sob a sua responsabilidade, mas o que acontece na prática é o deslocamento de Ana para ser coadjuvante na própria história, contrariando o próprio título do filme.
Se pensarmos cena a cena, as mais expressivas são realmente a de Diego. Ele inclusive literalmente rouba a cena quando aparece, como na ótima em que ele brinca com o amigo em cima do vocabulário LGBT, a mais cômica e cativante do filme. Ainda tem o show drag que ele produz com toda a competência e talento, numa cena realmente muito bonita. Ainda há a cena em que Diego leva uma surra em um terrível ataque homofóbico. Mesmo que Ana tenha na trama uma música especial de Jorge Ben Jor dedicada a ela, que a ilumina em dois momentos com a bela canção "Que nega é essa?" (embora na segunda vez já dividindo a cena com o irmão, portanto a música já cabia para ele também), sem dúvida, o protagonismo fica inteiramente com Diego, o que ao final fiquei a pensar se o filme não deveria ter o nome dele.
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