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Mostrando postagens de abril, 2023

SCARBOROUGH - UM BAIRRO CANADENSE (2021) Dir. Shasha Nakhai e Rich Williamson

O carinho como redenção ao caos social Texto de Marco Fialho "Scarborough - um bairro canadense" retrata a vida de três crianças que precisam sobreviver no ambiente hostil dessa periferia de Toronto, Canadá. Não deixa de ser também um filme-denúncia sobre a sociedade canadense e o quanto as políticas de bem-estar não correspondem mais ao que era a uns anos atrás. O Canadá é sempre propagado como exemplar nas políticas sociais e "Scarborough...", de certa maneira vem atualizar a situação dos que mais precisam de atenção e proteção do Estado. O filme é adaptado do bem-sucedido livro homônimo de Catherine Hernandez.   Uma característica interessante é o quanto os diretores Shasha Nakhai e Rich Williamson pulverizam o protagonismo no decorrer da narrativa. Essa multiplicidade de pontos de vista agrega pontos instigantes, mas também acarreta alguns problemas narrativos, mesmo que as mais de duas horas amenize um pouco a inevitável dispersão causada pela profusão de perso

OS LABIRINTOS DE STANLEY KUBRICK (2023) Dir. Hamilton Rosa Jr.

Kubrick e os labirintos da perfeição Texto de Marco Fialho  "Os labirintos de Stanley Kubrick" sinteticamente pode ser definido como um misto de documentário e uma aula. O próprio diretor, Hamilton Rosa Jr., assume a narração de frente às câmeras, dando a cara à tapa e assumindo assim o ritmo narrativo do filme. A tarefa é árdua quando o espectro temático é nada menos do que o cinema de Stanley Kubrick. Mesmo que inicialmente Hamilton fale da vida de Kubrick, a maior parte do filme se dedica a pensar sobre as obras do diretor norte-americano.  Hamilton escolhe privilegiar a lógica cronológica para orientar a narrativa, o que de certa maneira facilita o acompanhamento por parte do espectador, que filme a filme vai seguindo as temáticas e construções imagéticas de Kubrick. Há a todo instante uma paixão explícita de Hamilton em relação ao seu objeto de estudo e talvez essa energia seja o que mais me chamou a atenção nesse documentário. Podemos até dizer que esse doc é a visão de

SEM URSOS (2022) Dir. Jafar Panahi

Os ursos estão à solta Texto de Marco Fialho O novo trabalho de Jafar Panahi (Táxi Teerã, 3 faces, O balão branco, Cortinas fechadas, entre outros filmes importantes) é um tipo de panóptico insidioso. As câmeras de Panahi estão em Teerã e numa pequena cidade na fronteira com a Turquia: mais uma vez o cinema político de Panahi vai de encontro ao sistema opressor do Irã. Em verdade, o diretor institui um paradoxo: o regime o vigia, mas ele também faz o mesmo ao apontar a câmera contra o regime opressor tanto do Estado quanto da sociedade. Panahi sutilmente desconstrói com sua câmera costumes milenares que atravancam o convívio amistoso entre os seus.     A realidade é que o cineasta continua banido e preso em seu próprio país e reafirma o enfrentamento perante o regime fundamentalista. A impressão permanente que temos é de que a câmera é uma arma na mão de Panahi. Filme a filme, o diretor reitera a sua própria imagem como um artifício de resistência política, há nessa atitude um que de a

UMA BELA MANHÃ (2022) Dir. Mia Hansen-Love

Uma jovem mulher e seus percalços numa França decadente Texto de Marco Fialho Como é bom poder assistir a um filme de Mia Hansen-Love, essa jovem cineasta já com uma carreira sólida e profícua, e vendo ela voltar para os filmes com a sua marca indelével: os dramas românticos arranhados pela dureza da vida cotidiana, de um realismo que caminha entre a vontade de viver e sonhar e a difícil realidade de um mundo que impõe doenças e relacionamentos amorosos complicados.  Um dos pontos a destacar em "Uma bela manhã", esse drama intimista e extremamente sensível, são as atuações dos atores, em especial o belíssimo trabalho de Léa Seydoux como Sandra e a arrebatadora interpretação do experiente ator Pascal Greggory como o pai, um professor e intelectual brilhante que sofre de uma doença neurodegenerativa rara, onde perde a noção espacial e a visão. A câmera de Mia não desgruda a câmera de Sandra e mais do que seu olhar sobre as coisas, acompanhamos o comportamento dela perante às ag

TETRIS (2023) Dir. John S. Baird

Um jogo bobo e um bando de urubus na carniça Texto de Marco Fialho  "Tetris" se enquadra em um estilo de filme que volta e meia a indústria hollywoodiana aprecia realizar: o que retrata a criação de computadores, softwares, redes sociais, jogos eletrônicos e seus congêneres. O que "Tetris", do diretor John S. Baird acrescenta à trama é o thriller de espionagem internacional. Dentro da proposta narrativa do diretor tudo está bem azeitado entre roteiro e direção, há eficiência no resultado geral, mesmo que os instrumentais cinematográficos soem desgastados e evoquem, em vários momentos, um imenso  deja vú . A criatividade, definitivamente, não é uma característica que anda à solta na cena cinematográfica hollywoodiana.         Para quem não lembra ou associa o título ao jogo, o enredo trata do difícil contrato em que negociantes dos Estados Unidos, vendo o enorme potencial do jogo, tentam leva-lo para o Ocidente. Sim, esqueci de mencionar o mais importante, que o jog

INFINITY POOL (2022) Dir. Brandon Cronenberg

A ilusão do paraíso, da beleza e da riqueza  Texto de Marco Fialho Brandon Cronenberg, filho do mitológico cineasta David Cronenberg, é um nome para se guardar. Ao que tudo indica, ele herdou o talento do pai para histórias bizarras e bem narradas. "Infinity pool" é um filme de horror que desde o início, até quando tudo parecia ser uma mera história de amor, algo de subliminar já apontava um quê de tensão pairava no ar.  O filme trabalha com muitos simbolismos e não fecha todas as portas que abre, deixando sempre um mistério a ser desvendado e isso é um elemento instigante para quem está assistindo. Brandon consegue entrelaçar temas como a da identidade, da manipulação da ciência e da diferença de classes com maestria, além de extrair interpretações seguras dos atores, com destaque para a talentosa atriz brasileira Mia Goth, uma nova estrela da indústria de Hollywood.  Na trama, em La Tolqa, um país imaginário, um casal jovem James e Em Foster, ele um escritor fracassado em b

ALICE GUY-BLACHÉ: A HISTÓRIA NÃO CONTADA DA PRIMEIRA CINEASTA DO MUNDO (2018) Dir. Pamela B. Green

Reestruturando e resignificando a história do cinema Texto de Marco Fialho Assisti pela primeira vez ao documentário "Alice Guy-Blaché: a história não contada da primeira cineasta do mundo", no Festival do Rio de 2019. À época eu estava com muitas atribuições e mergulhado vendo cinco filmes por dia no festival, enfim, não me sobrou tempo para fazer uma escrita sobre esta valorosa obra. Mas creio que esta falta ficou ali, vez por outra me fustigando, como um erro irreparável, tão grave quanto o tempo que esse documentário fantástico demorou para ser realizado e dar um novo direcionamento para essa história de apagamento (mais uma dentre diversas que existiram e ainda existem). Felizmente, a plataforma digital do Sesc SP, uma das mais importantes hoje do país, resgata esse filme e o oferece à sociedade gratuitamente. O que o filme de Pamela B. Green faz é mais do que reescrever a história, é reintegrar a ela uma personagem que lhe foi extirpada à fórceps e a realiza de maneira

FOGARÉU (2022) Dir. Flávia Neves

O fogo da alma é o mais potente Texto de Marco Fialho "Fogaréu" é um filme que se insere em um grupo de obras do nosso cinema atual que refletem criticamente contra o patriarcalismo, o coronelismo e as estruturas políticas e sociais retrógradas advindas do período colonial brasileiro. "Fogaréu", palavra que expressa uma manifestação tradicional da Cidade de Goiás, vem bem a calhar por sublinhar costumes antigos que perduram há séculos naquela realidade.     A ótima atriz Barbara Colen interpreta Fernanda, uma jovem que volta a cidade de Goiás para descobrir a verdade sobre a identidade da sua mãe. Seu tio (Eucir de Souza) é o prefeito da cidade e um defensor dos interesses do agronegócio e um inimigo feroz dos povos indígenas. A presença dessa personagem criará um embate permanente cujas consequências são bastante conhecidas na sociedade brasileira como o machismo, o estupro e outras práticas agressivas ao corpo e a moral dessa personagem.   "Fogaréu", dir

O URSO DO PÓ BRANCO (2023) Dir. Elizabeth Banks

O urso e a leveza que Hollywood precisa  Texto de Marco Fialho A diretora Elizabeth Banks consegue em "O urso do pó branco" misturar diversos gêneros como comédia escrachada, terror trash com gore, ação e filme de família, tudo no mesmo enredo. Ir ao cinema e assistir a algo diferente é tudo o que queremos como espectadores. Lógico que o filme não escapa da bizarrice e a diretora, tão presente como atriz nas comédias fora da curva dos anos 2000, mostra-se inteiramente adequada a estar à frente deste projeto inusitado e ousado. Em meio a tantas franquias, remakes e afins da grande indústria do cinema de hoje, o filme que parte de uma história real para ampliá-la e expandi-la por meio de gêneros consagrados do cinema comercial, se sai muito bem e arranca na frente de obras oportunistas e sem criatividade que andam invadindo as salas de cinema pós-pandemia. O caso verídico do urso que encontrou um carregamento de cocaína caído por acidente na floresta que habita e que se viciou,