As ficcionalizações da vida e da morte
Texto de Marco Fialho
Os filmes do coreano Hong Sang-Soo são hoje muito badalados por aqui. Mas foi só depois de "A visitante francesa" (2012), estrelado pela icônica atriz Isabelle Huppert, essa febre começou, embora a carreira do diretor já estava em curso há um bom tempo, pelo menos desde os anos 1990, filmes esses todos inéditos por aqui, fato este que lança uma enorme obscuridade sobre a obra dele antes do sucesso comercial aqui no Brasil. Por isso, cada filme realizado antes de 2012 lançado por aqui é motivo de festa. A plataforma MUBI incluiu recentemente um filme de 2005, "Conto de Cinema".
"Conto de Cinema" já possui vários traços estilísticos comuns à sua obra, como a utilização do zoom da câmera, as bebedeiras, as comilanças e a metalinguagem. Na trama, temos duas histórias narradas, uma que é um filme e outra que é o encontro de um fã com a atriz do filme. A exposição dessas duas camadas que são as mais superficiais, vão puxando outras camadas e reflexões para o filme.
As relações humanas já eram a ponta de lança dos filmes de Sang-Soo e em "Conto de Cinema" não é diferente, já que os conflitos que surgem são atravessado por amores esquisitos e inusitados. O cinema é uma das possibilidades de se discutir frontalmente a morte, de se morrer sem realmente morrer, de brincar com a inexorabilidade de sua permanente sombra. Tanto que no filme do diretor Yi Hyongsu a morte aparece glamourizada, como um ato romântico juvenil, mas quando o próprio diretor está à beira da morte, tudo muda de figura, pois o que vemos é a realidade dura com toda a sua dor e inevitabilidade.
Por mais que os velhos rituais de Sang-Soo soem repetitivos, não dá para negar que esperamos ansiosos por eles, em especial as cenas de embriaguez, onde de lei o diretor aproveita para que os desejos mais bizarros e recônditos dos personagens venham à tona como uma forte onda inesperada à beira-mar. O curioso é que Sang-Soo insere as bebedeiras tanto no filme de Yi Hyongsu quanto no seu, o que nos faz realmente refletir sobre a relação desses dois filmes, as abordagens ficcionais de Yi e de Sang-Soo. Evidente, que em última instância, ambos são filmes de Sang-Soo e esse é um dos atributos cômicos de Sang-Soo, inserir humor na ideia como um todo, não nas histórias especificamente, apesar que sempre tem cenas particularmente engraçadas também.
Porém, não devemos esquecer o quanto Sang-Soo é afeiçoado em introduzir metalinguagem nas suas obras. Essa é uma brincadeira persistente do diretor, essa fricção entre o que é real e o que é imaginado, da confusão entre personagem e a pessoa da atriz ou ator. O personagem mais intrigante é Tongsu, um tipo de cineasta frustrado que se mostra obcecado pela atriz do filme e que depois de uma bebedeira confessa ser ele o autor da história do filme, que havia confidenciado ao diretor certa vez e a discussão sobre autoralidade brota com grande força, inclusive com um zoom que aproxima o espectador da cena, chamando a atenção para temas interessantes como egocentrismo, vaidade, entre outros.
Para Sang-Soo, um filme é fundamentalmente para pensar e isso fica evidente na última cena do filme. Entretanto, devemos pensar sobre coisas cruciais e decisivas, deixando vaidades, invejas e outros sentimentos de lado. Afinal, o que é viver e como devemos morrer? Escolher como morrer revela um fascínio, mas deixar de viver torna-se um martírio. Esse é o infortúnio de se estar vivo, ter que viver sabedor que um dia a morte virá. Essa é uma obra interessante de Sang-Soo, por trazer um enigma filosófico que fica martelando em nossa cabeça assim que o filme termina. Pensar sobre o fim é sempre difícil e doloroso, porque nos faz refletir sobre o que vamos fazer com o tempo que ainda nos resta.
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