Texto de Marco Fialho
Como é bom poder assistir a um filme de Mia Hansen-Love, essa jovem cineasta já com uma carreira sólida e profícua, e vendo ela voltar para os filmes com a sua marca indelével: os dramas românticos arranhados pela dureza da vida cotidiana, de um realismo que caminha entre a vontade de viver e sonhar e a difícil realidade de um mundo que impõe doenças e relacionamentos amorosos complicados.
Um dos pontos a destacar em "Uma bela manhã", esse drama intimista e extremamente sensível, são as atuações dos atores, em especial o belíssimo trabalho de Léa Seydoux como Sandra e a arrebatadora interpretação do experiente ator Pascal Greggory como o pai, um professor e intelectual brilhante que sofre de uma doença neurodegenerativa rara, onde perde a noção espacial e a visão. A câmera de Mia não desgruda a câmera de Sandra e mais do que seu olhar sobre as coisas, acompanhamos o comportamento dela perante às agruras que o mundo vai lhe oferecendo. Que atriz é Léa Seydoux, uma atuação quase minimalista, e embora contida não hesita em mostrar as turbulências interiores em pequenos gestos e atitudes.
Mia Hansen-Love gosta de transpor as emoções de seus personagens pela revelação de como os corpos reagem às situações, tanto as prazerosas quanto as mais doloridas. Mia Hansen-Love quando está plena na direção, e aqui está, sabe como construir o processo destrutivo da vida, caso evidente do pai de Sandra, que nas primeiras cenas está com a doença no início, mas vai lentamente se agravando, até precisar de internação. Pascal Greggory oferta nuances que demonstram o avanço do quadro. Sandra, uma jovem viúva com uma filha de 8 anos, reencontra Clément (Melvil Poupaud), amigo do ex-marido, casado e também com um filho. A relação amorosa avança em paralelo a piora do pai e essa equação nem sempre é sincrônica e harmoniosa.
Desde a primeira cena, Mia Hansen-Love nos comunica que o peso do cotidiano de Sandra será fundamental para a sua proposta narrativa, ela anda na rua com compras, cuida do pai, da filha, da avó e da paixão nascente com Clément, além de trabalhar como tradutora simultânea em palestras. Mia Hansen-Love abre mão de planos mirabolantes, abusa dos médios e do geral para não perder a comunicação de Sandra com o mundo e também para deixar que os corpos também comuniquem suas trajetórias pelo mundo. Depois da derrapada com "A Ilha de Bergman", momento em que Mia flerta com uma narrativa indecisa, nada orgânica entre os personagens, pouco azeitada e perdida numa ideia de metalinguagem, aqui em "Uma bela manhã" ela retorna com peso aos sentimentos e a um realismo bem integrado, em que a mise-en-scène funciona a contento, que contrabalança a instabilidade da vida pessoal, profissional e afetiva de Sandra.
Mia acerta em centralizar a vida de uma família em Sandra, em como ela lida com emoções contraditórias do amor, do abandono, do sexo, do cuidado, da cobrança e da falta de dinheiro para dar uma velhice digna ao seu pai. "Uma bela manhã" também é sobre o capitalismo francês, que cada vez mais vai abrindo mão de cuidar dos seus cidadãos, vai impessoalizando as relações humanas. Uma bela metáfora sobre a vida íntima e emocional de uma mulher jovem no centro nervoso do capitalismo francês, onde as políticas de bem-estar social estão em franca decadência.
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