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O SEQUESTRO DO VÔO 375 (2023) Dir. Marcus Baldini


Texto de Marco Fialho

Muito se tem comemorado no Brasil o fato de "O sequestro do voo 375" parecer um filme feito nos Estados Unidos, e logo emendam uma conversa de que quase não se produz filmes de ação no Brasil, desses que falam de atentados terroristas, bombas e sequestros em avião. Essa é uma das mais bizarras facetas da síndrome de vira-lata que eu já vi acometer alguns brasileiros. 

O que mais me intriga no "O sequestro do voo 375" é dele ser celebrado não pela sua história original e insólita, mas sim por incorporar uma forma narrativa inspirada nos thriller norte-americanos. A trama do filme, baseada em um fato real, é resultante do próprio processo de desigualdade social da nossa história ao mostrar Nonato, um homem que vive dificuldades econômicas para tentar manter a sua família e se decepciona com as falsas promessas de emprego do então Presidente da República José Sarney (1986-90). Esse fato o leva a um ato insano, o de querer jogar um avião no Palácio do Planalto, em Brasília.    

O que me impressiona neste filme é como se optou retratar esse personagem tão rico e corajoso, incomum, como sendo ele um mero idiota, não como um homem destemido e disposto a tudo para melhorar a vida de sua família, enfrentando um sistema político sozinho, sem a ajuda de nenhum aliado. O heroi do filme de Baldini é o comandante da aeronave, já o homem injustiçado pela vida se torna o ser que precisa ser exterminado. Um é o alucinado a ser contido, o outro um homem racional que pode salvar a todos com sua perícia como ex-piloto da esquadrilha da fumaça. É isso que o filme passa enquanto ideia, uma obra narrada para se sublinhar os atos heroicos de um homem e a vilania de outro. Somente uma narrativa clássica poderia salientar esse viés da história, a política por detrás e a situação econômica da população está até presente, mas apenas como um raso pano de fundo da situação. 

Algumas escolhas do diretor Marcus Baldini colaboram para que o filme não passe da banalidade do ponto de vista da consistência da história, desde como ele constrói os personagens, que carecem de uma verdade, já que as tentativas de lhes dar peso são meras formalidades. Temos poucos elementos para poder entender as motivações de Nonato e creio que quando não conhecemos mais detalhes da vida desse personagem a história fica sem força, afinal as falas ligadas ao que o levou a praticar tal ato extremo são mínimas e poderiam ser ditas por milhares de outras pessoas que passam pelo mesmo problema, sem jamais sequer pensarem em executar tal ato tão exagerado. 

"O sequestro do voo 375" possui um problema que talvez venha de sua origem, que era se fazer um documentário sobre esse curioso e inusitado fato. Quer falar do Brasil, mas também quer fazer um thriller de tirar o fôlego do espectador. O resultado é que o diretor Baldini fica no meio do caminho, enfraquecendo tanto a dramaticidade dos personagens quanto a ação da história. Nota-se ainda uma irregularidade no elenco, sendo os dois protagonistas muito forçados em suas interpretações. Tanto o sequestrador Nonato (Jorge Paz) quanto o comandante Murilo (Danilo Grangheia) atrapalham mais do que ajudam para que se tenha uma maior fluência narrativa. As melhores presenças vem do elenco de apoio, como Roberta Gualda, como Luzia, a  operadora de voo de Brasília e que acaba sendo a principal negociadora no processo do sequestro, ou a personagem de Juliana Alves, como a comissária do voo sempre prestativa e solidária. 

Sem dúvida , a parte mais instigante do filme é a do thriller de ação, de quando o piloto faz manobras e o avião se transforma em uma máquina prestes a ficar desgovernada. Essas cenas realmente são tensas e bem filmadas e merecem ser mencionadas. Mas no todo, "O sequestro do voo 375" não passa de um suspense convencional, com uma linguagem já mais do que batida e sem grandes surpresas. Transitar entre um thriller de ação e um drama social acabou por fazer o filme ficar no meio do caminho dessas duas opções: um thriller e um drama tão somente razoável e mediano. Baldini deveria ter optado se queria fazer um thriller angustiante ou um drama sobre um Brasil miserável, que clama por justiça social. Acabou não  fazendo nem um nem outro.    

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