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Mostrando postagens de julho, 2023

VIAJANDO COM OS GIL (2023) e EM CASA COM OS GIL (2022) Direção Geral Andrucha Waddington

O griot e sua gente As  séries "Na casa com os Gil" e "Viajando com os Gil" são aquelas delícias que só mesmo a nossa música brasileira poderia nos presentear. A série vai muito além do que poderia imaginar ao transpor a ideia de documentar uma reunião de pré-produção e turnê de um grande artista brasileiro. Não é sobre Gil, não é sobre a sua família ou sobre música. O que a série revela são pessoas vivendo uma magia por onde perpassa um cotidiano no qual um amplo processo de aprendizado está em curso.  Óbvio que estamos a ver uma parte desse processo, uma vivência editada, mas o mais incrível é que essa montagem poderia ser realizada de muitas maneiras, privilegiar diversos ângulos e perspectivas de personagens. Mas é importante destacar que o centro dessas narrativas está no primeiro episódio de "Na casa com os Gil", quando na casa da região serrana do Rio, Flora e Gil abrem a reunião familiar com uma árvore genealógica da família, a começar pelos pais d

DISCO BOY (2023) Dir. Giacomo Abbruzzese

Ratificando velhas visões Texto de Marco Fialho "Disco Boy" que remeteu de imediato a um filme que assisti recentemente, o instigante "Bom trabalho", da diretora francesa Claire Denis. "Disco Boy", assim como o filme de Denis também faz uso de um treinamento para soldados que vão lutar na África, e narra igualmente a crise existencial de seu protagonista Alex, cuja performance final, de certa forma, emula novamente ao filme francês.  Só que o resultado aqui é bem diferente do filme de Denis, em especial porque o alvo da diretora é um só, o Oficial Levant, enquanto "Disco Boy" se perde em tentar dividir o protagonismo entre um personagem africano e Alex, um imigrante bielorrusso que escapa de seu país de origem para entrar para a Legião Estrangeira na França e assim conquistar cinco anos depois a cidadania francesa. Não há em "Disco Boy" uma crítica sequer ao militarismo nem sequer uma mais contundente ao sistema neocolonial capitaneado

OPPENHEIMER (2023) Dir. Christopher Nolan

Nolan e a espetacularização de um genocídio  Texto de Marco Fialho Se tem algo que caracteriza o cinema de Christopher Nolan é a inconfundível tendência para o exagero e em "Oppenheimer" não é diferente. Muitos podem tolerar esse aspecto hiperbólico de suas obras, mas confesso que estou no grupo que fica extremamente incomodado, esse impulso em sublinhar os momentos de emoção e tensão que já estão postos nos diálogos, na câmera e na interpretação dos atores. "Oppenheimer" chega a ser agressivo, em especial para os ouvidos, que sofrem com a falta de sutileza em várias cenas. Nolan abusa na maneira de inserir a música no filme e realiza um das obras mais torturantes no que tange ao didatismo sonoro, com sucessivas reiterações desnecessárias. Inclusive, a música do sueco Ludwig Göransson tem momentos que contribui pouco para a dramaturgia ao chamar mais atenção do que o próprio enredo. Se assinalo o didatismo como um problema, preciso dizer que ele é agravado por um pe

CRÔNICA DE ANNA MAGDALENA BACH (1968) Dir. Danièle Huillet e Jean-Marie Straub

Uma biografia dominada pelo distanciamento e pela música Texto de Marco Fialho Logo no primeiro longa realizado pelo casal Huillet e Straub o estranhamento se faz presente. "Crônica de Anna Magdalena Bach" é um filme incomum e original em sua forma. A proposta dos diretores pode soar surpreendente, porque realmente o é, há um impacto inevitável ao nível da opção narrativa. Estamos defronte de um estilo muito próprio, de um cinema que nos desafia a decifrá-lo. Este é um filme biográfico, mas não no sentido convencional, aliás, bem longe disso. Aqui Bach chega diferente, como um protagonista, sobretudo na música, não se trata da vida diária dele, mas de sua carreira. A narrativa começa com Anna Magdalena Bach (também musicista e cantora) em voz over, falando sobre o marido, de como criava as músicas, as cantatas, sinfonias e outras formas de expressão típicas do século XVIII. Algo interessante é o tempo que os diretores permitem aos espectadores de ouvir músicas quase inteiras,

MÁQUINA DO DESEJO (2023) Dir. Joaquim Castro e Lucas Weglinski

Zé Celso e a vida eterna Texto de Marco Fialho "Máquina do desejo" é um documentário sobre um furacão chamado Zé Celso Martinez Corrêa e seu poder de agregar uma trupe de artistas e admiradores em torno de um projeto político, cultural e artístico tendo o Teatro Oficina como um campo aglutinador e propulsor de energias humanas transformadoras. O grande mérito do documentário da dupla Joaquim Castro e Lucas Weglinski é de embarcar na viagem de Zé Celso, em vez de tentar explicar ponto a ponto o rico e imersivo processo de criação que se orbitou naquele espaço durante 60 anos. Um ponto crucial na narrativa de "Máquina do desejo" é partir de uma rica pesquisa de imagem ((Eloa Chouzal) e de depoimentos que não são mostrados, apenas ouvidos. Assim, os diretores amarram na montagem falas e imagens que possuem origens diferentes, que são amarradas pela temática, não pela simultaneidade, um desafio no qual o resultado é instigante, pois reconhecemos a maioria das vozes ou p

ATÉ AMANHÃ (2022) Dir. Ali Asgari

Uma heroína, um bebê e um sistema opressor  Texto de Marco Fialho "Até amanhã", de Ali Asgari, é mais uma boa mostra da eficiência e maturidade do cinema iraniano. Desde o sucesso dos filmes de Asghar Farhadi ("A separação", "O apartamento" e "Passado" ) o cinema iraniano deu uma guinada para o realismo social, com tramas bem cotidianas, filmadas sempre para ressaltar ações físicas dos personagens, quase como um documentário a registrar a dinâmica corriqueira da sociedade iraniana.  O drama de "Até amanhã" vai se avolumando cena a cena, na medida em que a personagem da jovem  Fereshteh (Sadaf Asgari), uma estudante vinda do interior, que para pagar as contas precisa trabalhar em uma gráfica em Teerã, mas em uma emergência tem que deixar o filho com alguém, para evitar que os seus pais descubram a existência do bebê durante uma visita que farão à filha.  Ali Asgari se utiliza de uma sucessão de plano-sequências para narrar com a devida f

FOGO-FÁTUO (2022) Dir. João Pedro Rodrigues / FANTASMA NEON (2022) Dir. Leonardo Martineli

É possível viver a partir dos escombros ou "As pessoas na sala de jantar estão ocupadas em nascer ... e morrer" (em aspas, trecho retirado da música Panis et circenses ) Texto de Marco Fialho O cinema do português João Pedro Rodrigues vem chamando atenção aqui no Brasil desde que filmou o seu primeiro longa "Fantasma" (2000) e chegou ao ápice com "O ornitólogo" (2016), com um cinema erótico, queer e sempre contundente. Agora, com "Fogo-fátuo", a sua filmografia é acrescida de leveza, com um híbrido de musical e comédia de costumes. O filme português ganhou aqui no Brasil, a justa companhia na distribuição nos cinemas, do premiado curta brasileiro "Fantasma neon", de Leonardo Martineli, ambos exibidos em uma sessão única. Essa foi uma ótima iniciativa da distribuidora Vitrine Filmes, já que o diálogo e as afinidades entre os dois filmes são notórias. Abaixo, após o texto acerca de "Fogo-fátuo", os leitores poderão também confe

KANSAS CITY (1995) Dir. Robert Altman

Um encontro do cinema de Altman dos anos 1990 com o jazz dos anos 1930 Texto de Marco Fialho "Kansas City" (1995) representa bem o cinema de Robert Altman realizado nos anos 1990, que compõe junto com "O jogador" (1992), "Shortcuts" (1993), "Prét-á-Porter" (1994), uma fase repleta de histórias rocambolescas, recheadas de tramas paralelas e uma direção muito fluida.  Esse "Kansas City" está longe de figurar entre os melhores Altman, embora não seja de se jogar fora. Vale ressaltar a bela fotografia e direção de arte e a ótima atuação do elenco, com destaque para Harry Belafonte, Miranda Richardson e Jennifer Jason Leigh. Altman consegue traçar um painel da sociedade norte-americana do início dos anos 1930, dominada por políticos corruptos e pela violência nas relações cotidianas.  A trama se passa em pouco mais de 24 horas e enquanto os personagens se confrontam, os músicos de jazz de uma das locações do filme, não param jamais de tocar,

SEUS OSSOS E SEUS OLHOS (2019) Dir. Caetano Gotardo

O corpo como texto Texto de Marco Fialho Uma primeira observação a fazer acerca do surpreendente "Seus ossos e seus olhos" é que ele se mostra como um filme que coloca a própria narrativa como protagonista. Mas não só. Além das palavras que costuram essa narrativa, os corpos também estão ali atravessando tudo que é dito.  Há um repetição narrativa, mas ela não consubstancia tudo que vemos e ouvimos. Os gestos dos corpos também se repetem em movimentos como se eles buscassem se ajustar no mundo e isso fica evidente logo na segunda cena do filme, onde o corpo inquieto do personagem vivido pelo próprio diretor se enrosca pelo chão, numa tentativa ansiosa de se conformar ao espaço.  O diretor Caetano Gotardo constrói uma obra sofisticada, muito atenta aos detalhes, tanto no texto falado quanto no texto corporal que descortinam como uma espécie de fabulação, embasada numa memória muitas vezes imprecisa. Não à toa a nomeação das coisas e dos fatos assumem um papel fundamental nesse

INDIANA JONES E A RELÍQUIA DO DESTINO (2023) Dir. James Mangold

A viagem de Indiana Jones de volta para o futuro      Texto de Marco Fialho O quinto Indiana Jones veio à luz sem a batuta de Spielberg, já que James Mangold assume a direção para surpreender e não decepcionar os fãs do heroi arqueológico, agora já quase transformado também em uma relíquia. A lenda mítica que Harrison Ford transbordou com seu carisma desde a década de 1980 para compor Indiana Jones, agora é deixado um pouco de lado para surgir um Indiana mais humanizado, como um heroi envelhecido sim, mas sem perder a dignidade, a bravura e ganhando mais ternura. O novo filme da franquia Indiana Jones é uma homenagem, e uma revisita, não só a si mesma, mas também a uma outra que foi contemporânea, no caso, "De volta para o futuro". A trama volta-se novamente para o nazismo e sua ira exterminadora, pelo menos é assim que o roteiro escrito por várias mãos encaminha a história, dentro de um maniqueísmo inconteste, como aliás sempre são as histórias hollywoodianas, ou você é nort

CONTO DE CINEMA (2005) Dir. Hong Sang-Soo

As ficcionalizações da vida e da morte Texto de Marco Fialho Os filmes do coreano Hong Sang-Soo são hoje muito badalados por aqui. Mas foi só depois de "A visitante francesa" (2012), estrelado pela icônica atriz Isabelle Huppert, essa febre começou, embora a carreira do diretor já estava em curso há um bom tempo, pelo menos desde os anos 1990, filmes esses todos inéditos por aqui, fato este que lança uma enorme obscuridade sobre a obra dele antes do sucesso comercial aqui no Brasil. Por isso, cada filme realizado antes de 2012 lançado por aqui é motivo de festa. A plataforma MUBI incluiu recentemente um filme de 2005, "Conto de Cinema". "Conto de Cinema" já possui vários traços estilísticos comuns à sua obra, como a utilização do zoom da câmera, as bebedeiras, as comilanças e a metalinguagem. Na trama, temos duas histórias narradas, uma que é um filme e outra que é o encontro de um fã com a atriz do filme. A exposição dessas duas camadas que são as mais su

CANÇÃO AO LONGE (2022) Dir. Clarissa Campolina

A difícil tarefa de filmar o coração  Texto de Marco Fialho "Canção ao longe" começa com uma imagem exterior: a de uma casa sendo demolida, parede a parede, como se algo de nós desabasse junto. Com as imagens que se seguem, vemos que essa imagem reflete mais a interioridade da personagem Nina (Mônica Maria) do que simplesmente o ruir de uma casa. Em alguns momentos, o filme me remeteu a "A Liberdade é Azul" (1993) tanto pelo uso da música sinfônica quanto por retratar uma personagem feminina querendo encontrar um novo caminho em sua vida, embora o peso do passado lhe impeça.  O filme me tocou por esse viés intimista, de uma busca silenciosa ditada por pequenos passos ou autoboicotes diários. O pai ausente, um peruano que não se adaptou a vida a dois com a mãe, aparece somente por meio das cartas, mas ele vive em Nina poderosamente. Tudo no filme segue o fluxo de Nina, do seu tempo, suas indecisões, ela é uma mulher jovem, por voltas dos 30 anos, vinda de uma família

COBERTURA DO 6° FESTIVAL "LUGAR DE MULHER É NO CINEMA

Cobertura da mostra Luas, no 6° Festival Lugar de Mulher é no Cinema, que acontece na Bahia (de 05 a 09/2023), na Sala Walter da Silveira e que homenageia a grande atriz Lea Garcia. A mostra traz somente filmes dirigidos, ou codirigidos, por mulheres, cujas temáticas igualmente perfazem o espectro e a visão de mulheres sobre o mundo que vivem. Os filmes privilegiam temáticas urgentes da nossa sociedade contemporânea, como o enfrentamento do estupro, o feminicídio, o machismo estrutural, a transfobia, a religiosidade ancestral, a sexualidade, o assédio, dentre outros que mostram um olhar específico das mulheres sobre o mundo e as relações estabelecidas a partir de uma perspectiva histórica opressora do feminino pelo capitalismo, sistema estruturado por homens brancos. A heteronormatividade também está no foco de muitos filmes, que denunciam práticas e ideias que precisam ser repensadas e transformadas. O Festival "Lugar de mulher é no Cinema" se consubstancia como fundamental