Texto de Marco Fialho
"O Astronauta" é no mínimo um filme inusitado, se não na forma, pelo menos na história insólita que narra. A ideia de um amador ir ao espaço parece insana, e na verdade o é mesmo. Esse talvez seja o primeiro desafio que o filme tenha que vencer, a de convencer que essa ideia tenha algo de verossímil. Podemos dizer que essa é uma barreira difícil de ultrapassar, pois mesmo nos ambientes mais controlados do mundo, como o da NASA, colocar um foguete no espaço envolve sempre muito risco e incertezas, as catástrofes já fartamente documentadas não nos deixam mentir.
Portanto, se você passou desse primeiro desafio, pode-se dizer que o principal impedimento para assistir a "O Astronauta" foi vencido. Realmente, para mim essa barreira foi intransponível, não me deixou realmente aderir à proposta do filme de Nicolas Giraud. Fiz esse preâmbulo, porque creio que há uma ideia naturalista que embasa a obra, tudo nela foi realizado para que parecesse real, como se fosse o filme uma espécie de baseado em fatos reais.
O que o filme, nessa perspectiva, inspira? Creio que um ponto de partida do diretor Nicolas Giraud é o da crença no sonho, na perseguição implacável ao sonho, sem medo de tudo parecer algo piegas ou meramente tolo. Desde o início fica no ar tanto uma incredulidade quanto um quê de esperança de que aquela loucura resulte em algo concreto e seja realizável.
Mas está bom, porque então não simular que eu acreditei na premissa absurda e que agora eu estaria apto a encarar de frente a proposta de aventura contida no filme? Mesmo que essa aceitação seja apenas para que possamos analisar o filme com alguma faísca de credibilidade. Embarcar na história então passa a ser algo factível para uma análise minimamente tomada de crença e pretensamente isenta.
A pergunta que emerge agora é como o filme foi construído? Quais as bases narrativas que o sustentam? A história segue os princípios narrativos clássicos, em que um herói, no caso o engenheiro Jim (interpretado pelo próprio diretor) precisa enfrentar algumas barreiras para poder concretizar seu sonho de ser o primeiro astronauta amador da história. As barreiras no caminho são os dribles que Jim têm que aplicar na Arianespace (inclusive desviando materiais), empresa responsável por projetos espaciais, além do maior desafio que é o de construir o próprio foguete tendo uma equipe para lá de reduzida (4 ou 5 funcionários). Nada mais clássico do que isso.
"O Astronauta" pode ser enquadrado ainda como um típico filme francês desses últimos anos, bastante sustentado por um enredo familiar. Ao que tudo indica, os temas socias e políticos andam em baixa no cinema francês. O enfoque dos filmes tendem mais para abordagens individuais, ou no máximo, familiar, o que reduz a obra a um asfixiamento, as histórias raramente ultrapassam o âmbito das casas, as relações humanas ficam circunscritas aos lares. Essa perspectiva de desenvolvimento dos enredos encurta as próprias tramas e suas respectivas análises, como se a família não ressoasse os dramas sociais, se bastasse em si mesma e seus dramas se autoexplicassem.
A maior expectativa que "O Astronauta" cria é se a aventura de Jim será realmente realizada. Será que conseguirá parcialmente ou integralmente chegar no espaço, olhar a Terra de cima e depois retornar? Essas dúvidas movem a história para frente, além dos obstáculos colocados a Jim para a concretização de seu intento. Tecnicamente, o filme é muito bem feito, inclusive as cenas do espaço, as mais complexas de serem filmadas. Quando Jim está no espaço e vemos ele fazer uma homenagem ao avô, sem dúvidas a realização cinematográfica da cena é bastante poética.
Mas embora o diretor consiga imprimir beleza em algumas cenas, fica ainda uma pergunta: onde o cinema francês de hoje pretende chegar ao abdicar tanto das perspectivas sociais quanto políticas? O Festival Varilux de Cinema Francês 2023 vem fazendo soberbamente a sua função, a de exibir a produção mais recente do cinema francês. Mas o que andamos assistindo são filmes com pouco comprometimento com as relações mais coletivas, essencialmente desconectados do político e do social, focados sempre unicamente no indivíduo, em um casal ou em um drama familiar. E isso me vislumbra sempre pouco.
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