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Mostrando postagens de junho, 2018

OH LUCY! - Direção de Atsuko Hirayanagi

Por Marco Fialho "Americanos são barulhentos, parecem animais"              Ayako (irmã de Setsuko/Lucy) quando escuta um casal transando no quarto ao lado. "Oh Lucy!" antes de ser um filme sobre pessoas excêntricas se constitui uma bela metáfora sobre sentimentos no Japão do século 21. O projeto do longa se desenvolveu a partir de um curta-metragem com o mesmo nome dirigido pela diretora Atsuko Hirayanagi. O que mais chamou atenção na composição desse filme foi a total integração entre forma e conteúdo. A obra narra uma paixão (parcialmente) platônica de uma japonesa por um norte-americano e essa história é narrada sob o auspícios dos ditames clássicos, isto é, o que é narrado alinha-se peremptoriamente com o como é narrado. Essa simetria transforma "Oh Lucy!" em uma obra instigante e provocadora, mesmo não parecendo numa rápida e primeira leitura. É incrível observar que até mesmo quando o cinema japonês se insinua ao cinema americano ele não co

DESOBEDIÊNCIA - Direção de Sebastián Lelio

A vitória do conservadorismo sobre Sebastián Lelio Após o sucesso internacional retumbante de "Uma Mulher Fantástica", o próximo trabalho de Sebastián Lelio era muito aguardado. Poucos meses depois de ganhar o Oscar ele chega com "Desobediência". Dessa vez ele aborda um romance entre duas mulheres, mas agrega à história o universo conservador da tradição judaica. No início de "Desobediência" tudo nos faz acreditar que muitos tabus serão fortemente enfrentados, afinal Ronit, personagem da sempre excelente Raquel Weisz, volta para a sua cidade natal depois da morte do pai e líder religioso, o rabino Rad. Ela é recebida com grande desconfiança tanto pela família quanto pela comunidade judaica. Logo de início o que se desenha é a independência de Ronit afrontando a todos, o que reafirma seu enfrentamento dos rígidos padrões sociais dessa comunidade. Lelio lentamente vai nos oferecendo informações sobre os personagens e assim vamos nos familiarizando co

HEREDITÁRIO - Direção de Ari Aster

Uma bola no travessão Texto de Marco Fialho "Hereditário" é o primeiro longa-metragem do jovem diretor Ari Aster, de 31 anos. Isso é necessário mesmo de dizer bem no início deste texto, pois trata-se de uma primeira obra respeitável repleta de qualidades. Logo na primeira sequência, o talento de Aster se revela de forma contundente. De forma sedutora, a câmera panoramicamente nos conduz, nos pega pela mão e nos mostra lentamente um quarto, até alcançar nele uma maquete miniaturizada de uma casa. A câmera se aproxima dela e vemos uma pessoa deitada numa cama enquanto uma outra entra pela porta. À essa altura esses personagens já estão enquadrados no mesmo tamanho do quarto na qual a maquete era apenas um detalhe. Essa simples imagem pode despertar significados diversos, todavia, vejo duas nuances fundamentais para destacar: uma, que os personagens são como que bonecos no contexto da história, porém, em outra perspectiva, essa imagem nos diz que tudo o que veremos a seguir est

SAFÁRI - Direção de Ulrich Seidl

A violência e a assepsia narrativa em "Safári"   Comecemos pela história do filme: caçadores europeus (ou de origem europeia) fazem safáris pela selva africana para capturar novos "troféus", ou seja, peles e cabeças empalhadas de animais a serem vendidas a colecionadores.      Um ponto deve ficar bem claro: o filme "Safári" é difícil de assistir e analisar. Primeiro porque o diretor Ulrich Seidl narra com frieza e distanciamento um tema altamente violento e bizarro, a da morte de animais, alguns inclusive em extinção. A classificação de 12 anos adotada no Brasil para a obra é bastante questionável, e olha que eu jamais me importo com essa questão nos filmes. Curiosamente, enquanto cenas de sexo, ou de órgãos sexuais filmados frontalmente, são tratadas como impróprias (vide a moralista classificação indicativa de 18 anos de "O Amante Duplo", do mestre Ozon), as cenas de violência explícita de "Safári" passaram em branco. Há a

SONHOS DE MULHERES - Direção de Ingmar Bergman

O humor cínico e sem risos do mestre Bergman Crítica de Marco Fialho "Sonhos de Mulheres" é um filme de Bergman quando o diretor sueco ainda buscava seu traço, de uma fase de lapidação de seu estilo. Nele já podemos observar uma forma Bergman de se expressar, onde o lado teatral já está situado em um segundo plano. Há um evidente refinamento nessa obra tanto na narrativa quanto no aparato cinematográfico. Um de seus temas favoritos, o da infidelidade entre casais está presente aqui como central na trama. Um filme onde duas mulheres são as protagonistas e os homens estão na periferia como coadjuvantes. Entretanto, não cabe definir "Sonhos de Mulheres" como feminista. Sua visão das relações amorosas é ácida e não coloca nem o homem nem as mulheres como algozes no processo. Na verdade, Bergman situa tanto homens quanto mulheres como prisioneiros das convenções sociais, como enredados no mesmo jogo já imposto de antemão, independente da vontade deles.    Narrativ

ANNA KARENINA: A HISTÓRIA DE VRONSKY - Direção de Karen Shakhnazarov

Quando o espetáculo vence a ousadia Crítica de Marco Fialho Para quem é fã daquelas super produções, esmeradas e acadêmicas, "Anna Karenina: a história de Vronsky" serve sob medida. Um dos grandes méritos dessa obra é a escolha do elenco. Todos os atores correspondem à expectativa, por isso destaca-se a precisa direção de atores. Se esse aspecto perfeccionista da produção é sem dúvida o seu ponto alto, por outro lado também essa correção exagerada se torna a maior fragilidade do filme. Como a história é bem conhecida, pouco nos surpreendemos no decorrer de sua narrativa, construída dentro dos cânones da linguagem cinematográfica clássica. Há muito tempo não assistia a um filme tão bem ensaiado e sincronizado, com a decupagem clássica sendo pensada e executada com tanto afinco. O filme nos faz refletir sobre a escola russa de cinema, seu rigor acadêmico, sua precisão em cuidar dos detalhes. Quase todas as cenas podem ser incluídas nesse roll  de qualidade técnica. Como d

A VIDA EXTRA-ORDINÁRIA DE TARSO DE CASTRO - Direção de Leo Garcia e Zeca Brito

Um tributo contra a caretice! A grande sensação que temos durante a projeção do documentário "A vida extra-ordinária de Tarso de Castro" é de que o Brasil, em 40 anos, encaretou e emburreceu além da conta. Como é bom assistir a um filme apaixonado pelo seu personagem, que o conhece com profundidade e anseia que fiquemos inebriados por ele.  Tem documentários que são fundamentais e valorosos no resgate de um determinado fato ou personagem do passado. "A extra-ordinária história de Tarso de Castro" é um desses filmes. Se o personagem em questão quase não é citado hoje em dia, sinal de que esse fato merece alguma atenção na pesquisa. Essa indagação faz-se mesmo necessária, afinal nos últimos dias sondei amigos próximos para saber quem conhecia esse grande nome do nosso jornalismo, e ninguém sabia de quem se tratava. O erro fatalmente não é das pessoas. O documentário investiga esse dado incômodo, e isso, por si só, já muito o valoriza como obra. Por que Tar