Pular para o conteúdo principal

ASTEROID CITY (2023) Dir. Wes Anderson


Uma parábola satírica do sonho americano

Texto de Marco Fialho

"Asteroid City" é uma parábola satírica dos Estados Unidos dos anos 1950, bem ao estilo do diretor Wes Anderson. Toda a concepção visual do filme lembra muito uma animação, tal a limpidez e as cores utilizadas por Anderson. A obra guarda essa concepção bem própria de Anderson, onde a imagem sempre esbarra na fantasia e em um mundo que flerta com o ilusório. Tudo é exageradamente simétrico, aliás, bem ao tradicional gosto do diretor. Apesar de todo o cuidado visual e estilístico de sempre, "Asteroid City" fica essencialmente abaixo de outras obras do diretor, como "A ilha dos cachorros" (2018), "O grande Hotel Budapeste" (2014), "Moonrise Kingdom" (2012), apenas para nos atermos a algumas.

Estruturalmente, o filme se divide entre os bastidores (em preto e branco) da peça Asteroid City e a sua própria encenação (em cores), e esse é o maior problema do filme, a discrepância que acontece entre uma parte e outra, sendo a dos bastidores bem inferior a da encenação em si. Não fica clara a intenção narrativa de Wes Anderson em relação a essa escolha, lhe falta um sentido maior e coerente.


"Asteroid City" é uma dessas cidades dos Estados Unidos onde fenômenos interplanetários e testes de bombas nucleares aconteceram justamente nos anos 1950 e à frente disso tudo há um homem em luto, Augie (Jason Schwartzman), em busca por um sentido que ele não sabe onde está, mas o filme não é exatamente só sobre ele, é também sobre aquele mundo alucinado que o o cerca. O perfeccionismo técnico de Wes Anderson se por um lado cria um ambiente satírico perfeito, por outro limita a efetivação da parte cômica dos atores que ficam muito limitados na interpretação, sempre subjugada ao maneirismo técnico, que a eficácia do humor acaba não funcionando tanto quanto poderia. 

Wes Anderson durante a trama faz personagens saírem  de cena para os bastidores e vice-versa, brincando com o próprio processo de metalinguagem presente desde o início do filme. O diretor aproveita esse momento também para inserir traços existencialistas em "Asteroid City", como o encontro e a conversa entre o ator que interpreta o personagem Augie com a atriz que faria o papel de sua esposa (Margot Robbie), que acabou não  entrando no filme. 


Tudo em "Asteroid City" parece de brinquedo, até as famosas cadeias de montanhas do Monument Valley lembram mais maquetes do que as dos filmes de John Ford. Esse clima de artificialidade prevalece ao longo do filme. Da mesma forma as cores azul e laranja que praticamente divide a tela em dois. A câmera de Wes Anderson fazem os mesmos movimentos de outros de seus filmes, como as famosas panorâmicas e uso do zoom in. 

Um dos pontos igualmente usuais nos filmes de Anderson aparece mais uma vez em "Asteroid City", a da profusão de atores em cena e vários deles estrelas absolutas de Hollywood. O diretor gosta de tirar esses atores e atrizes de seus confortos habituais e os desafia com personagens que beiram o exótico e o patético. Assim, Tom Hanks, Willem Dafoe, Jason Schwartzman, Scarlett Johansson, Tilda Swilton, Steve Carell, Edward Norton, Seu Jorge e muitos outros vão atravessando a tela divertidamente.


"Asteroid City" pode ter sim algumas irregularidades em especial no roteiro e na direção de Wes Anderson, mas não se pode negar que esse é mais um trabalho de esmero visual desse diretor que sempre vale conferir, mesmo que ele se perca em meio a tantos personagens e tramas que vai criando pelo caminho. O filme consegue capturar um pouco daquela fase dos Estados Unidos paranóico, já militarista e imerso em sonhos de explorar o espaço. Ao voltar o filme para os anos 1950, Wes Anderson propõe uma viagem satírica e cabular ao espírito megalomaníaco incutido no chamado sonho americano. 







Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CINEFIALHO - 2024 EM 100 FILMES

           C I N E F I A L H O - 2 0 2 4 E M  1 0 0 F I L M E S   Pela primeira vez faço uma lista tão extensa, com 100 filmes. Mas não são 100 filmes aleatórios, o que os une são as salas de cinema. Creio que 2024 tenha sido, dos últimos anos, o mais transformador, por marcar o início de uma reconexão do público (seja lá o que se entende por isso) com o espaço físico do cinema, com o rito (por mais que o celular e as conversas de sala de estar ainda poluam essa retomada) de assistir um filme na tela grande. Apenas um filme da lista (eu amo exceções) não foi exibido no circuito brasileiro de salas de cinema, o de Clint Eastwood ( Jurado Nº 2 ). Até como uma forma de protesto e respeito, me reservei ao direito de pô-lo aqui. Como um diretor com a importância dele, não teve seu filme exibido na tela grande, indo direto para o streaming? Ainda mais que até os streamings hoje já veem a possibilidade positiva de lançar o filme antes no cinema, inclusiv...

AINDA ESTOU AQUI (2024) Dir. Walter Salles

Texto por Marco Fialho Tem filmes que antes de tudo se estabelecem como vetores simbólicos e mais do que falar de uma época, talvez suas forças advenham de um forte diálogo com o tempo presente. Para mim, é o caso de Ainda Estou Aqui , de Walter Salles, representante do Brasil na corrida do Oscar 2025. Há no Brasil de hoje uma energia estranha, vinda de setores que entoam uma espécie de canto do cisne da época mais terrível do Brasil contemporâneo: a do regime ditatorial civil e militar (1964-85). Esse é o diálogo que Walter estabelece ao trazer para o cinema uma sensível história baseada no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. Logo na primeira cena Walter Salles mostra ao que veio. A personagem Eunice (Fernanda Torres) está no mar, bem longe da costa, nadando e relaxando, como aparece também em outras cenas do filme. Mas como um prenúncio, sua paz é perturbada pelo som desconfortável de um helicóptero do exército, que rasga o céu do Leblon em um vôo rasante e ameaçador pela praia. ...

BANDIDA: A NÚMERO UM

Texto de Marco Fialho Logo que inicia o filme Bandida: A Número Um , a primeira impressão que tive foi a de que vinha mais um "favela movie " para conta do cinema brasileiro. Mas depois de transcorrido mais de uma hora de filme, a sensação continuou a mesma. Sim, Bandida: A Número Um é desnecessariamente mais uma obra defasada realizada na terceira década do Século XXI, um filme com cara de vinte anos atrás, e não precisava, pois a história em si poderia ter buscado caminhos narrativos mais criativos e originais, afinal, não é todo dia que temos à disposição um roteiro calcado na história de uma mulher poderosa no mundo do crime.     O diretor João Wainer realiza seu filme a partir do livro A Número Um, de Raquel de Oliveira, em que a autora narra a sua própria história como a primeira dama do tráfico no Morro do Vidigal. A ex-BBB Maria Bomani interpreta muito bem essa mulher forte que conseguiu se impor com inteligência e força perante uma conjuntura do crime inteir...