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BAILE SOUL (2023) Dir. Cavi Borges


O dia que a cultura preta deu um baile 

Texto de Marco Fialho

"Baile Soul" é um daqueles documentários potentes sobre um Rio de Janeiro que existiu, e ainda existe, na memória de uns poucos, e que Cavi Borges explosivamente nos resgata. São um turbilhão de imagens, sons e memórias eletrizantes que o filme inspira, como uma viagem no tempo, uma alegria musical e um resgate de uma identidade e de uma consciência de ser black, de afirmatividade do corpo negro conectado por uma experiência coletiva. Essa é a essência de "Baile Soul", documentário poderoso sobre o cotidiano do subúrbio carioca, sobre a reinvenção cultural de um povo por meio da cultura. 

A cada imagem somos mergulhados em um universo encantador e rico. De repente, somos arremessados no mágico anos 1970, vamos entrando no mundo black, comandado pela genialidade de um James Brown com seu "Sex machine", uma das músicas mais impactantes da cultura preta internacional, capaz de transformar a relação dos corpos com os seus territórios, responsável por desencadear festas e reuniões regadas no afeto e amor por um som dançante e hipnótico.

Um dos grandes méritos da direção de Cavi Borges é criar uma narrativa histórica, onde personagens que participaram do começo do processo de formação dos bailes, também conhecidos como Black Rio, relembram os detalhes que fundamentam a experiência dessas festas que vão tomar conta, principalmente, dos clubes suburbanos. Cavi também frisa a importância do Dj Big Boy, inicialmente ocupando programas de rádios que depois propagarão músicas que irão compor as equipes dos bailes de soul music.

Outro destaque desse empolgante documentário é o papel de Dom Filó frente ao Clube Renascença, como um importante polo de resistência da cultura negra carioca. Um dos grandes trunfos de "Baile Soul" é situá-lo no contexto cultural do movimento black power mundial, em especial o dos Estados Unidos, com a reivindicação dos direitos civis e a ofensiva dos Panteras Negras. Muito interessante como "Baile Soul" amarra o papel do trabalho no Clube Renascença à conscientização política da negritude. 

Há em "Baile Soul" uma abordagem que sempre amplia a nossa visão sobre o tema. Aos poucos os bailes vão crescendo e vamos sendo informados de detalhes cruciais como o papel de Toni Tornado, das gravadoras, dos discos, dos artistas e chefes de equipes que vão atribuindo cores e tonalidades deliciosas à narrativa. "Baile Soul" é um documentário que retrabalha a memória carioca sem jamais esquecer o papel de resistência da cultura negra, sem fugir da discussão acerca da alienação ou não da música soul brasileira e internacional. 

A fala de Antonio Pitanga no filme "Jardim de Guerra" (1971), de Neville D'Almeida, é especial, afinal ela abre e fecha "Baile Soul". O discurso é contundente, em que ele faz reflexões sobre racismo e a dominação dos corpos negros. Em "Baile Soul", mais uma vez, a cultura é sublinhada como resistência contra a opressão na época da ditadura militar no Brasil. É a ditadura quem mais vai combater a organização do movimento cultural dos pretos, com o uso das forças policiais como elemento de repressão aos corpos que exercitavam seu direito à manifestação cultural, fato este que infelizmente pouco mudou no mundo de hoje.                  

         

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