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FALE COMIGO (2022) Dir. Danny e Michel Philippou




Quando os mortos comandam os vivos

Texto de Marco Fialho

Começo este texto refletindo sobre a crescente quantidade de filmes de terror que está tomando conta do circuito exibidor das salas de cinema. No meio de tantas produções é natural que o resultado na maioria das vezes seja a de filmes irregulares e sem consistência. Fica a pergunta: esse movimento ascendente do terror nas telas tem muito a ver com um contínuo exibir de filmes desse gênero? Nesse momento em que a quantidade predomina sobre o qualitativo, me vem um pensamento o que este fato diz à luz de uma análise cultural de uma determinada sociedade. O que levaria o despertar desse interesse por filmes em que o objetivo é fazer o público sentir medo? 

"Fale comigo" é mais um filme de terror lançado pela prestigiada produtora A24 que vem a solidificar essa tendência do mercado atual. Mas será mesmo o trabalho mais expressivo exibido em 2023 a buscar caminhos diferentes em um terreno já um tanto pisado por obras anteriores? Ou nada mais é do que mais um hype forçado por um bom trabalho de marketing da A24? Creio que o ideal seria não forçar essas duas barras, pois mesmo que seja verdadeiro que o filme se destaque em 2023, isso não quer dizer que seja realmente algo mais expressivo no panorama do terror como um todo. Mas também afirmar que "Fale comigo" é apenas um produto de marketing é um exagero para além do razoável. E esse é o ponto central a não ser negligenciado, o de por as coisas em seu devido lugar.


Histórias de espírito não são tão raras no cinema, ao contrário são bem costumeiras. Em "Fale comigo", a trama gira em torno de uma mão cenográfica que quando apertada junto com a sentença "fale comigo" é capaz de provocar visões espíritas e se prosseguida por um "pode entrar" propicia uma incorporação do espírito. Claro que essa premissa é rasa e até infantil. Os poderes dessa mão não são muito explicadas, apenas veio de um outro adolescente que não conseguiu se livrar de um espírito obsessor. A mão nada mais é do que uma aventura de final de noite de um grupo de jovens, um chiste para ser gravado e depois todos poderem se divertir com os resultados. 

Para mim, o elemento mais frágil de "Fale comigo" é a ausência de um desenvolvimento psicológico dos personagens, o peso maior fica em cima de situações objetivas, como a morte prematura da mãe de Mia (Sophie Wilde) ou o cuidado às vezes excessivo de Jade (Alexandra Jensen) com Riley (Joe Bird), seu irmão mais novo. Em termos mais técnicos, o filme não traz muitas novidades, sendo o maior mérito é na apresentação das cenas com as aparições dos espíritos, sempre filmadas com muito realismo. Chama atenção as interpretações que seguem a tradição dos filmes de terror, onde os atores delineiam um ponto acima, para dar mais dramaticidade às cenas e salientar o medo nos espectadores. 


O roteiro de "Fale comigo", muito bem azeitado, trabalha uma ideia de circularidade em diversos momentos. O filme começa com um plano-sequência de um menino procurando o irmão. O final da sequência vira uma tragédia, que no final do filme é novamente reeditada com outros personagens. Essa estrutura cíclica também ocorre nos próprios rituais de evocação do espíritos em diversos momentos da trama. Essa estratégia narrativa se assemelha aos formatos utilizados para prender a atenção de crianças, que buscam reiterações para se sentirem seguras. Porém, aqui estamos a falar de um filme de terror, em que o objetivo é meter medo nos espectadores e isso não deixa de causar um estranhamento. A busca obsessiva pelo mundo dos mortos, me faz lembrar um pensamento de Karl Marx em que ele dizia que os mortos comandam os vivos e olha que o filósofo alemão pouco conhecia sobre o papel do espiritismo para as sociedades capitalistas recém-instaladas no Ocidente.         

Vivemos um tempo difícil, em que as mídias sociais mediam violentamente as relações interpessoais. Tudo em uma festa é gravada por ágeis e invasivos celulares. Esse fato torna a vida algo permanentemente inseguro, qualquer deslize ficamos expostos perante o coletivo. Os filmes de terror se inserem nesse potente dispositivo geracional e sublinham aos espectadores suas existências fragilizadas, onde o domínio da situação é praticamente inexistente. Meu interesse pelos filmes de terror passa por tentar entender algo que está além das salas lotadas, passa pela ideia do quanto esses filmes podem revelar sobre o mundo que vivemos, seus temores e a perpetuação de um modelo de sociedade.

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