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Mostrando postagens de julho, 2022

JOHN FORD E O CINEMA COMO IDEÁRIO DE UMA NAÇÃO EM CONSTRUÇÃO

Texto de Marco Fialho Dedicado ao crítico Antonio Moniz Vianna, pelo amor e dedicação ao cinema de John Ford. Se emaranhando nas artimanhas históricas do cinema clássico           Quem não guarda na memória a imagem do tio, do avô, do pai ou qualquer outro familiar extasiado assistindo a um filme de faroeste, daqueles em que os indígenas eram os vilões que impediam os "civilizados" brancos de construir o mundo à sua imagem e semelhança? Essa lembrança nos remete ao encanto que o cinema pode exercer sobre os espectadores e ao mesmo tempo pode afirmar o poder da sétima arte no imaginário e educação dos indivíduos, considerando a carga de informações subjacentes por trás da magia inerente ao universo cinematográfico.  Mais especificamente, o cinema hollywoodiano se baseou no chamado star system , em que os atores serviam de imã para atrair o público às salas de cinema. Na trajetória desse métier, os diretores não eram fundamentais no processo de comercialização dos filmes, mas s

O HOMEM QUE MATOU O FACÍNORA (1962) Direção John Ford

Sinopse: Em flashback, o Senador Ramson Stoddard, narra histórias de seu passado na cidade de Shinbone, que envolvem o seu amigo Tom Doniphon e o vilão Liberty Valance. A lenda como exercício e restauração da memória coletiva Texto de Marco Fialho "Quando a lenda se torna fato, nós a publicamos." Essa frase, declarada na parte final de "O homem que matou o facínora", conforme já foi descrito por diversos críticos, sintetiza essa obra-prima. Ela contém em si todo o esforço de Ford em criar, por meio da linguagem do cinema, um lastro histórico grandioso para os Estados Unidos.  "O homem que matou o facínora" foi uma das últimas obras de Ford e mostra o quanto ele dominava as possibilidades narrativas do cinema, que resultou em um trabalho pleno, com John Wayne esbanjando carisma, categoria, leveza e um humor refinado. O também experiente James Stewart demonstrou conhecer e dominar a arte da interpretação como poucos. Wayne e Stewart absorveram o espírito de

O PRISIONEIRO DA ILHA DOS TUBARÕES (1936) Direção John Ford

Sinopse: Em 1865, poucas horas depois do assassinato do Presidente Abraham Lincoln, o Doutor Samuel Mudd ajuda um homem que se apresenta com a perna quebrada. Logo depois o médico é acusado de ser cúmplice do plano de morte do presidente e a seguir é condenado à prisão perpétua na terrível e temida Ilha dos Tubarões. Apesar dos maus tratos que sofre no presídio, o médico é consciente de sua inocência e espera por uma redenção.    Texto de Marco Fialho "O prisioneiro da Ilha dos Tubarões" (1936) é um filme sobre a injustiça. Doutor Mudd é condenado por ter socorrido um homem com a perna quebrada, fato corriqueiro para um médico, não fosse esse homem o assassino do presidente dos Estados Unidos, Abraham Lincoln. O médico, é claro, desconhecia essa importante informação quando realizou o atendimento ao assassino.  O assassino é logo morto e toda a ira popular recai sobre os oito suspeitos de serem cúmplices e que são rapidamente tomados como culpados e devem pagar pelo terrível

ALONERS (2021) Direção Hong Sung-Eun

Sinopse:  Jina, que trabalha no centro de atendimento telefônico de uma empresa de cartão de crédito, evita relacionamentos íntimos, escolhendo viver e trabalhar sozinha. Quando seu vizinho irritante é encontrado morto, os relacionamentos que Jina decidiu ignorar no passado começam de repente a incomodá-la. Os fantasmas do mundo comandado pelo sistema financeiro Texto de Marco Fialho "Aloners" contorna um tema dos mais caros à contemporaneidade: a da vida solitária. Inicialmente, o filme até aponta para uma contundência, mas que vai arrefecendo no transcorrer da obra da jovem diretora Hong Sung-Eun. A personagem central é Jina (interpretada por uma ótima Gong Seung-Yeon), uma mulher jovem e eficiente que trabalha em um serviço de teleatendimento de uma operadora de cartão de crédito. As conexões entre vida solitária da protagonista e esse trabalho que quer passar uma imagem de que o cliente está sendo cuidado pela empresa são o ponto alto da obra Sung-Eun. Uma pena que a dire

MÚSICAS QUE HABITAM EM MIM - N° 5 - Até o fim, Chico Buarque

Para ouvir no Spotify   https://open.spotify.com/album/4K3E5bhJb92E7eyeIJ16QR?si=HnzYyBgvTOGPxAks202obQ&utm_source=copy-link As peripécias de um anjo safado embalado pelas canções de Chico    Música e política - Parte 2  Texto de Marco Fialho Tem artistas que se inserem perfeitamente na definição de lenda. Para mim, Chico Buarque sempre foi um desses casos, a força que irradia das canções dele o extrapolou de muito, o que ele representa para o país excede a tudo o que podemos imaginar ou tentar delimitar. Sei que não sou o único a sentir isso em relação a ele. A sua voz esganiçada tornou-se a do coletivo e esse é o maior poder mítico que uma pessoa pode conquistar na arte. Não que o dito cujo faça questão de assim se nomear, mas porque seus feitos assim o elevaram a isso. Essa crônica seria para falar de mim, embora ao falar da música dele me sinto simbolicamente representado. As lutas que encampou e as canções que compôs refletiram continuadamente sobre a história do país que vivi

JUIZ PRIEST (1934) Direção John Ford

Sinopse:  O juiz William Priest, um orgulho dos confederados veteranos, usa do bom senso e humanidade consideráveis para fazer justiça em uma pequena comunidade dos Estados Unidos. Ford consegue criar, com uma história simples, um painel surpreendente da cultura sulista dos EUA.   Uma Kentucky entre o rural e o urbano Texto de Marco Fialho "Juiz Priest" começa com uma cena que traduz o mais puro humor fordiano. Contrariando os preceitos clássicos de jamais quebrar a quarta parede, o protagonista Priest aparece sentado na bancada de um tribunal conversando diretamente com a câmera e exigindo silêncio no recinto. De imediato fica uma dúvida no ar: se Priest pede o silêncio ao público do tribunal ou da sala de cinema, já que a imagem é rapidamente cortada para a entrada dos créditos do filme.  Creio ser interessante pontuar de imediato que "Juiz Priest" representa na filmografia de John Ford, um dos exemplares mais leves, bem-humorado e otimista com o futuro da socieda

MÉDICO E AMANTE (1931) Direção John Ford

Sinopse: O médico Arrowsmith é enviado para investigar um surto de peste em Dakota do Sul, tendo que decidir prioridades para o uso de uma vacina rara. Adaptado da novela de Sinclair Lewis.  Uma odisseia fordiana pelo mundo microscópico das epidemias     Texto de Marco Fialho A primeira cena de "Médico e amante" expressa muito o que esse filme quer mostrar, um pai contando ao filho a história de um ancestral que foi para o velho oeste afirmando querer conhecer coisas novas. Sabendo-se que o diretor John Ford jamais filmou uma cena gratuita, muito menos a primeira, somos levados a refletir drasticamente sobre o intuito dessa instigante história, muito bem roteirizada por Sidney Howard, a partir do romance de Sinclair Lewis.  Nessa primeira sequência, Ford que evidenciar que o protagonista do filme foi educado para aceitar situações novas e não usuais.  Ainda nesse início há outra revelação tipicamente fordiana, o mesmo pai afirma categoricamente ao pequeno filho com pretensõe

A MOCIDADE DE LINCOLN (1939) Direção de John Ford

Sinopse: Com apenas um livro de Direito adquirido em uma troca de mercadorias, começa a trajetória do jovem Lincoln como homem da justiça. A história é baseada no primeiro caso defendido por ele, no qual impede um injusto linchamento público de dois jovens homens do campo.  Texto de Marco Fialho "A mocidade de Lincoln" é um filme emblemático de John Ford e talvez um dos mais significativos para compreender a relação dele com os Estados Unidos. Ford aborda simplesmente a juventude de seu maior ídolo, o ex-presidente Abraham Lincoln (que foi assassinado), em especial o período de formação do seu caráter, dando enfoque também à paixão que o diretor nutria pelas festas populares, dessa feita a da Independência dos Estados Unidos da América.  Ao narrar a festa, Ford expõe como vê a sociedade, o respeito dos idosos com os veteranos de guerra em contraste com a atitude rebelde dos mais jovens, sobretudo a desconfiança aristocrática à origem plebeia de Lincoln. Mas também fornece det