A difícil tarefa de viver e morrer
Texto de Marco Fialho
É muito bonito quando o cinema consegue captar uma determinada cultura que é totalmente alheia a das grandes, médias e até pequenas cidades. "Wiñaypacha" é um ótimo exemplo de um filme que adentra uma cultura inóspita de uma aldeia situada nos Andes peruano, em que os personagens falam a língua nativa aimará ao invés do castelhano, uma das etnias ameaçadas de extinção pelo violento processo de globalização, que destrói as famílias tradicionais. A história retrata o idoso e solitário casal Willka (Vicente Catacora) e Phaxsi (Rosa Nina), que tenta sobreviver a uma exaustiva rotina de trabalho diário, enquanto esperam uma improvável volta de um filho que saiu de casa.
Esse é um filme para se apreciar em sua contemplação. A história é narrada com a câmera fixa e planos longos, aqui o tempo parece imóvel nas grandes altitudes dos Andes. O casal não tem vizinhos, e de certa forma, vivem isolados de tudo e de todos, apenas na companhia de algumas ovelhas e uma lhama. No decorrer da trama, essa solidão vai tomando a tela, criando uma tensão, pela dúvida que ficamos para saber como o casal irá ultrapassar as barreiras que a natureza impõe permanente para os dois. Eles seguem rituais religiosos e se medicam por meio de uma sabedoria ancestral baseada no conhecimento das plantas da região.
Cada vez que a história avança, a sensação de que uma tragédia se aproxima vai ficando evidente. É lógico que viver em um lugar frio, inóspito e alto não é o mais propício para um casal de idosos. A vida rural exige força e energia, tudo que parece faltar a Willka e Phaxsi. As tragédias anunciadas vão chegando e o vilarejo onde se pode comprar mantimentos não é perto. Willka tenta ir até lá para adquirir fósforo, pois o fogo é um dos bens supremos contra o calor frio insistente do lugar.
Mesmo que a narrativa seja lenta do início ao fim, o diretor Óscar Catacora consegue criar uma atmosfera crescente de expectativas. No início, mostra a rotina e o lugar, depois aumenta cena a cena a tensão acerca da sobrevivência, acumulando diversas tragédias. Um dos pontos mais impressionantes está na fotografia, comandada pelo próprio diretor do filme. Óscar tem todo o cuidado de não mostrar os personagens em close, mantendo um permanente distanciamento em relação a eles, assim, o casal está sempre inferiorizado em perspectiva ao lugar, que parece a todo instante engoli-los. A esperança do filho voltar diminui a cada momento e o que podia ser ruim só piora com o tempo.
Essa é uma obra preciosa, em que o mínimo torna-se algo grandioso, onde o território se impõe ao homem, ainda mais quando os envolvidos são duas pessoas com a idade bem avançada. Óscar Catacora sabe conduzir os atores e explorar um tempo que mesmo lento alcançou violentamente seus protagonistas. A equação está lançada, mesmo lento o tempo surge acelerado para os dois idosos e os ameaça com toda a sua força. Um filme que aborda a questão do desemparo parental de maneira incisiva, tanto pelos entes familiares quanto pelo Estado. O casal é retratado com muita sutileza e há em cada cena do casal um amor solidário expresso pela vida, um desejo de seguir as tradições e resistir a um mundo hostil.
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