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TIA VIRGÍNIA (2023) Dir. Fabio Meira


Texto de Marco Fialho

"Tia Virgínia" é um filme difícil em alguns aspectos para um espectador desavisado. Primeiro, pelo perigo do reconhecimento, a história pode causar uma identificação instantânea em alguns casos. Segundo, pela maneira criativa como o diretor Fabio Meira conduz o roteiro e a direção. 

Pode-se dizer que "Tia Virgínia" se assenta no tragicômico e desde o início até o final Fabio Meira assim conduz essa história, sempre caminhando na corda-bamba entre o humor e a tragédia e essa é uma tarefa árdua de cumprir, um desafio dramatúrgico na qual o diretor precisa manter a todo o instante, cena a cena. 

Outra exigência que Fábio Meira teve que vencer para o triunfo de seu filme era o da escolha do elenco. Sem um bom time de atores, ele pouco conseguiria emplacar a sua história. Vera Holtz, Arlete Sales e Louise Cardoso, o trio que compõe as irmãs no filme, realmente são soberbas em seu ofício, e extraem sempre aquele algo mais para cada cena em que aparecem, em especial Vera Holtz, com uma atuação impressionante, sabendo dosar a teatralidade de estar no palco com as interpretações mais intimista que o cinema às vezes pede.

Mas "Tia Virgínia" é sobretudo um drama de tintas fortes. Esse é o ponto alto do filme, embora também o seu calcanhar de Aquiles. A cada cena tudo está por um triz, tudo pode descambar para o apelo fácil, para o desnecessário, para um algo a mais que pode comprometer o resultado final. Na minha ótica, o diretor Fabio Meira, na maior parte do tempo, conduz com maestria os seus desafios dramatúrgicos, os deslizes são pouquíssimos, em alguns momentos em que a tinta passa do tom, em especial nas interpretações, o que não chega a tirar o brilho do trabalho da equipe do filme. 

Tudo em "Tia Virgínia" é por demais familiar (me desculpem pelo trocadilho, ele era irresistível), afinal esse encontro fortuito familiar em pleno Natal, o que faz tudo parecer por demais verossímil e factível. Sabemos o quanto esse momento pode trazer à tona ressentimentos, mágoas do passado prestes a estourar, porque ano a ano é como uma gota enchendo o copo até a borda. O transbordamento é inevitável e quase sempre bombástico. Ficamos a esperar por ele, a certeza de sua ocorrência é uma questão de tempo.

Embora as três irmãs estejam muito bem em "Tia Virgínia", o elenco de apoio está igualmente muito bem, destaque para um Antonio  Pitanga impecável como um dos maridos que começa a apresentar sintomas de demência senil. Suas reações, muitas das vezes, dizem mais do que diálogos inteiros entre as irmãs. A mãe, interpretada pela atriz Vera Valdez, está não só brilhante, mas a sua mudez e estagnação se transforma na grande metáfora do filme. 

Os atores mais jovens, no caso Iuri Saraiva e Daniela Fontan, os únicos netos presentes para a festa natalina, representam bem o estágio atual dessa família tradicional e patriarcal brasileira. Nota-se que o pai recentemente morto, funciona na trama como um fantasma e que mesmo ausente está ali presente pela educação que foi transmitida aos seus descendentes. 

Mas como não mencionar a direção de Fabio Meira em "Tia Virgínia"? Em meio a tantas atuações que chamam a atenção, o diretor cria planos surpreendentes, alguns que fazem o espectador refletir sobre a imagem que está vendo, muito por conta de enquadramentos inusitados, sobretudo os que a câmera é colocada à distância, registrando com detalhes a movimentação de atores entrando e saindo de cena. 

Essa falta de intimidade diz muito sobre essa família disfuncional como tantas outras, mostra que nenhuma família para além de uma aparência harmoniosa resiste a uma visão por dentro. Essa lupa no ambiente familiar acaba por revelar o quão contraditória e conflituada as famílias podem ser. Fabio Meira sabe explorar tanto as atrizes que tem à mão quanto demonstra grande domínio do aparato cinematográfico ao escolher com criatividade e sabedoria a posição da câmera em cada plano filmado. Os incômodos que o filme pode trazer para cada espectador é uma questão à parte, mas Meira os encara com a necessária coragem o desafio de desconstruir, com frieza, essa família patriarcal, como quase todas em nosso país o são, não é verdade? E é essa identificação do espectador que leva o filme para um lugar interessante: o da reflexão.

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