A viagem de Indiana Jones de volta para o futuro
Texto de Marco Fialho
O quinto Indiana Jones veio à luz sem a batuta de Spielberg, já que James Mangold assume a direção para surpreender e não decepcionar os fãs do heroi arqueológico, agora já quase transformado também em uma relíquia. A lenda mítica que Harrison Ford transbordou com seu carisma desde a década de 1980 para compor Indiana Jones, agora é deixado um pouco de lado para surgir um Indiana mais humanizado, como um heroi envelhecido sim, mas sem perder a dignidade, a bravura e ganhando mais ternura. O novo filme da franquia Indiana Jones é uma homenagem, e uma revisita, não só a si mesma, mas também a uma outra que foi contemporânea, no caso, "De volta para o futuro".
A trama volta-se novamente para o nazismo e sua ira exterminadora, pelo menos é assim que o roteiro escrito por várias mãos encaminha a história, dentro de um maniqueísmo inconteste, como aliás sempre são as histórias hollywoodianas, ou você é norte-americano (do bem, claro, defensor de uma democracia genérica) ou pertence ao mundo dos infernos (seja comunista, nazista ou um "cruel indígena"). No mundo de hoje, evidente que é até salutar assistir aos nazistas se dando mal, em especial para nós brasileiros que vivemos recentemente um governo que era o próprio inferno na Terra. A presença do ator Mads Mikkelsen também confere um brilho a mais, com o seu talento que domina cada vez que está em cena.
Como em todos os filmes de Indiana Jones, existe um objeto de interesse científico que serve de mote para que a aventura possa ser desenvolvida. Dessa vez é a máquina de anticítera, um objeto que Arquimedes criou para ajudar a guiar as naus em suas navegações. Mas o roteiro engendra nesse instrumento uma nova finalidade: a de abrir uma fenda no tempo, e assim propiciar uma viagem para outras épocas históricas. São viagens ricas que abarcam tanto a história da humanidade quanto a própria trajetória da franquia. Mas lógico que esse artifício da viagem serve muito mais para incrementar a possibilidade de aventura do que para sugerir elucubrações filosóficas. Aliás, aventura é o que não falta nesse "Indiana Jones e a relíquia do destino". Mesmo que haja lá no meio do filme uma barriga que quase faz a história estagnar, logo depois a ação retorna para empolgar o espectador. "Indiana Jones e a relíquia do destino" oferece tudo que o espectador clama de um filme de ação, muitas cenas de ação, correria, perseguição e brigas em lugares emocionantes como em cima de um trem (clássicas na própria franquia), além das cenas de Indiana com os seus inseparáveis chicote e chapéu.
"Indiana Jones e a relíquia do destino" tem uma qualidade que muitos dos blockbuster perderam com o tempo, a da capacidade de inserir na trama elementos metafóricos. É bastante interessante o jogo temporal que Mangold orquestra para o filme. Se desde o início vemos os nazistas a espoliar os povos e suas histórias, tomando para si as riquezas simbólicas de poder e sabedoria, de repente nos vemos em uma brincadeira temporal onde a própria história dá um jeito de vencer a ira e a ambição nazistas. São justamente os espoliados, que dão o troco numa bem-humorada e inusitada viagem no tempo, em que os romanos (os expansionistas da Antiguidade) enfrentam o famigerados nazistas do século XX. E o que dizer do encontro entre sujeito e objeto, quando Indiana Jones se depara com Arquimedes, o grande matemático grego estudado pelos arqueólogos, em uma cena que a fantasia cria um lampejo de felicidade, a do encontro inusitado do arqueólogo com o gênio da humanidade, um homem de rara inteligência.
Dentre os personagens, vale destacar ainda a presença carismática da atriz Phoebe Waller-Bridge como Helena Shaw, filha do arqueólogo Basil Shaw (Toby Jones). Sua personagem é a mais dúbia, ambiciosa, sem caráter, porém charmosa e luminosa. Ela guia todas as cenas, pois sua personalidade surpreendente puxa a história para vários caminhos. É interessante acompanhar o confronto entre ela e Indiana Jones, esse arqueólogo em vias de se aposentar, sendo tragado para a fúria ilimitada dessa jovem. Mangold constrói um Indiana Jones com nítidos traços de fraqueza, envelhecido, mas contemplativo do que antes, embora ainda com uma lenha pronta para ser reacesa.
"Indiana Jones e a relíquia do destino" consegue aliar a aventura clássica dos grandes filmes de ação dos anos 1980 com algumas cenas com efeitos especiais do cinema de hoje, embora não exagere tanto no CGI. Se consubstancia como uma dupla homenagem tanto ao personagem icônico quanto ao grande ator de aventuras do cinema norte-americano, responsável por representar papéis memoráveis como o policial em "Blade Runner", de Ridley Scott (1986), o ótimo Han Solo, de "Guerra nas Estrelas" ou o policial ferido de "A testemunha (1985), de Peter Weir, apenas para citar alguns. Também não dá para esquecer e não mencionar a sensacional música de John Williams para esse filme da saga Indiana Jones, pois ela tem nuances extraordinárias que só um músico com talento poderia propor. A trilha musical oferecida por Williams é para se ouvir com atenção, um trabalho raro pelo cuidado em cada cena.
"Indiana Jones e a relíquia do destino" se passa no final dos anos 1960 e Mangold não deixa de fazer uma alusão brincalhona com a chegada do homem à lua. Tem várias menções em que o diretor faz um chiste com o fato que esse era um momento histórico em que a humanidade não queria olhar com tanto fascínio assim para o passado, mas sim para o futuro. Colocar os pés na lua trazia um simbolismo para a humanidade, de avanço científico e pujança civilizatória. Enquanto a NASA olhava para a frente, Indiana Jones como arqueólogo que era, olhava para o passado. Indiana chega a satirizar o feito com um "só tem areia na lua", o que fica claro que o interesse do arqueólogo era nos vestígios do passado e lá na lua nada havia de passado.
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