Pular para o conteúdo principal

INDIANA JONES E A RELÍQUIA DO DESTINO (2023) Dir. James Mangold


A viagem de Indiana Jones de volta para o futuro     

Texto de Marco Fialho

O quinto Indiana Jones veio à luz sem a batuta de Spielberg, já que James Mangold assume a direção para surpreender e não decepcionar os fãs do heroi arqueológico, agora já quase transformado também em uma relíquia. A lenda mítica que Harrison Ford transbordou com seu carisma desde a década de 1980 para compor Indiana Jones, agora é deixado um pouco de lado para surgir um Indiana mais humanizado, como um heroi envelhecido sim, mas sem perder a dignidade, a bravura e ganhando mais ternura. O novo filme da franquia Indiana Jones é uma homenagem, e uma revisita, não só a si mesma, mas também a uma outra que foi contemporânea, no caso, "De volta para o futuro".

A trama volta-se novamente para o nazismo e sua ira exterminadora, pelo menos é assim que o roteiro escrito por várias mãos encaminha a história, dentro de um maniqueísmo inconteste, como aliás sempre são as histórias hollywoodianas, ou você é norte-americano (do bem, claro, defensor de uma democracia genérica) ou pertence ao mundo dos infernos (seja comunista, nazista ou um "cruel indígena"). No mundo de hoje, evidente que é até salutar assistir aos nazistas se dando mal, em especial para nós brasileiros que vivemos recentemente um governo que era o próprio inferno na Terra. A presença do ator Mads Mikkelsen também confere um brilho a mais, com o seu talento que domina cada vez que está em cena. 


Como em todos os filmes de Indiana Jones, existe um objeto de interesse científico que serve de mote para que a aventura possa ser desenvolvida. Dessa vez é a máquina de anticítera, um objeto que Arquimedes criou para ajudar a guiar as naus em suas navegações. Mas o roteiro engendra nesse instrumento uma nova finalidade: a de abrir uma fenda no tempo, e assim propiciar uma viagem para outras épocas históricas. São viagens ricas que abarcam tanto a história da humanidade quanto a própria trajetória da franquia. Mas lógico que esse artifício da viagem serve muito mais para incrementar a possibilidade de aventura do que para sugerir elucubrações filosóficas. Aliás, aventura é o que não falta nesse "Indiana Jones e a relíquia do destino". Mesmo que haja lá no meio do filme uma barriga que quase faz a história estagnar, logo depois a ação retorna para empolgar o espectador. "Indiana Jones e a relíquia do destino" oferece tudo que o espectador clama de um filme de ação, muitas cenas de ação, correria, perseguição e brigas em lugares emocionantes como em cima de um trem (clássicas na própria franquia), além das cenas de Indiana com os seus inseparáveis chicote e chapéu.

"Indiana Jones e a relíquia do destino" tem uma qualidade que muitos dos blockbuster perderam com o tempo, a da capacidade de inserir na trama elementos metafóricos. É bastante interessante o jogo temporal que Mangold orquestra para o filme. Se desde o início vemos os nazistas a espoliar os povos e suas histórias, tomando para si as riquezas simbólicas de poder e sabedoria, de repente nos vemos em uma brincadeira temporal onde a própria história dá um jeito de vencer a ira e a ambição nazistas. São justamente os espoliados, que dão o troco numa bem-humorada e inusitada viagem no tempo, em que os romanos (os expansionistas da Antiguidade) enfrentam o famigerados nazistas do século XX. E o que dizer do encontro entre sujeito e objeto, quando Indiana Jones se depara com Arquimedes, o grande matemático grego estudado pelos arqueólogos, em uma cena que a fantasia cria um lampejo de felicidade, a do encontro inusitado do arqueólogo com o gênio da humanidade, um homem de rara inteligência.


Dentre os personagens, vale destacar ainda a presença carismática da atriz Phoebe Waller-Bridge como Helena Shaw, filha do arqueólogo Basil Shaw (Toby Jones). Sua personagem é a mais dúbia, ambiciosa, sem caráter, porém charmosa e luminosa. Ela guia todas as cenas, pois sua personalidade surpreendente puxa a história para vários caminhos. É interessante acompanhar o confronto entre ela e Indiana Jones, esse arqueólogo em vias de se aposentar, sendo tragado para a fúria ilimitada dessa jovem. Mangold constrói um Indiana Jones com nítidos traços de fraqueza, envelhecido, mas contemplativo do que antes, embora ainda com uma lenha pronta para ser reacesa.

"Indiana Jones e a relíquia do destino" consegue aliar a aventura clássica dos grandes filmes de ação dos anos 1980 com algumas cenas com efeitos especiais do cinema de hoje, embora não exagere tanto no CGI. Se consubstancia como uma dupla homenagem tanto ao personagem icônico quanto ao grande ator de aventuras do cinema norte-americano, responsável por representar papéis memoráveis como o policial em "Blade Runner", de Ridley Scott (1986), o ótimo Han Solo, de "Guerra nas Estrelas" ou o policial ferido de "A testemunha (1985), de Peter Weir, apenas para citar alguns. Também não dá para esquecer e não mencionar a sensacional música de John Williams para esse filme da saga Indiana Jones, pois ela tem nuances extraordinárias que só um músico com talento poderia propor. A trilha musical oferecida por Williams é para se ouvir com atenção, um trabalho raro pelo cuidado em cada cena. 


"Indiana Jones e a relíquia do destino" se passa no final dos anos 1960 e Mangold não deixa de fazer uma alusão brincalhona com a chegada do homem à lua. Tem várias menções em que o diretor faz um chiste com o fato que esse era um momento histórico em que a humanidade não queria olhar com tanto fascínio assim para o passado, mas sim para o futuro. Colocar os pés na lua trazia um simbolismo para a humanidade, de avanço científico e pujança civilizatória. Enquanto a NASA olhava para a frente, Indiana Jones como arqueólogo que era, olhava para o passado. Indiana chega a satirizar o feito com um "só tem areia na lua", o que fica claro que o interesse do arqueólogo era nos vestígios do passado e lá na lua nada havia de passado.

Creio que não caiba comparar esse Indiana Jones com os quatro anteriores. E olha que eu não sou do tipo que ama as franquias cinematográficas (muito pelo contrário, já há bastante delas por aí). Entretanto, afirmo que "Indiana Jones e a relíquia do destino" é de outra cepa, antes de tudo é um tributo e por isso faz sentido Spielberg não o ter dirigido, apenas ter cuidado da produção executiva junto com George Lucas. É um filme que revisita a franquia, mas que não almeja lhe dar uma continuidade qualquer, essa tem a altivez de assumir a idade do personagem e a partir desse fato criar a sua história, respeitando as novas limitações que lhes são inerentes e de relevar a importância de trata-lo com a devida ternura. De fato, é um filme para sorver com um pé no passado, embora não para ficar preso nele, e sim para tê-lo como referência, como um sorvete que degustamos sabendo que ele está prestes a acabar. É  a magia que somente as franquias como Indiana Jones e De volta para o futuro podem oferecer, a de brincar com o tempo e consigo mesmas.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

ÁLBUM DE FILMES VISTOS EM 2023 - 340 filmes

DESTAQUES FILMES INTERNACIONAIS 2023 https://cinefialho.blogspot.com/2023/12/destaques-filmes-internacionais-em-2023.html?m=1 DESTAQUES FILMES BRASILEIROS 2023 https://cinefialho.blogspot.com/2023/12/destaques-de-2023-filmes-brasileiros.html?m=1 DESTAQUES DE CURTAS BRASILEIROS 2023 DESTAQUES DE CURTAS BRASILEIROS 2023 (cinefialho.blogspot.com) ESPECIAL FIM DE ANO: 14 VÍDEOS DO BATE-PAPO CINEFIALHO DE 2023: O REINO DE DEUS (2023) Dir. Claudia Sainte-Luce Vídeo:  Marco Fialho (@cinefialho) • Fotos e vídeos do Instagram ______________ GUAPO'Y (2023) Dir. Sofía Paoli Thorne Vídeo:  Marco Fialho (@cinefialho) • Fotos e vídeos do Instagram _____________ AS GRÁVIDAS (2023) Dir. Pedro Wallace Vídeo:  Marco Fialho (@cinefialho) • Fotos e vídeos do Instagram _____________ À SOMBRA DA LUZ (2023) Dir. Isabel Reyes Bustos e Ignacia Merino Bustos Vídeo:  Marco Fialho (@cinefialho) • Fotos e vídeos do Instagram ______________ PONTES NO MAR (2023) Dir. Patricia Ayala Ruiz Vídeo:  Marco Fialho (@ci

GODZILLA - MINUS ONE

Texto de Marco Fialho O maior mérito de "Godzilla - Minus One" está na maneira como o diretor Takeshi Yamazaki conjuga a história narrada com o contexto histórico do Japão pós segunda guerra. O monstro Godzilla é fruto direto do efeito nuclear provocado pela bomba atômica lançada pelos Estados Unidos.  O filme funciona como uma resposta à vergonha japonesa ao difícil processo de reconstrução do país, como algo ainda a ser superado internamente pela população. A partir desse fato, há um hábil manejo no roteiro para que a história funcione a contento, com uma boa fluência narrativa.  Aqui o monstro é revelado desde o início, não havendo nenhuma valorização narrativa, ou mistério, sobre a sua aparição. Mas se repararmos com atenção, "Godzilla - Minus One" é  um filme de monstro, embora se sustente tendo na base um melodrama de dar inveja até aos mais radicais da safra mexicana dos anos 1950. A história parte de Koichi, um piloto kamikaze que se recusa a executar uma or

MOSTRA CINEBH 2023

CineBH vem aí mostrando novos diretores da América Latina Texto de Marco Fialho É a primeira vez que o CineFialho irá cobrir no modo presencial a Mostra CineBH, evento organizado pela Universo Produção. Também, por coincidência é a primeira vez que a mostra terá inserido um formato competitivo. Nessa matéria falaremos um pouco da programação da mostra, de como a curadoria coordenada pelo experiente Cleber Eduardo, montou a grade final extensa com 93 filmes a serem exibidos em 8 espaços de Belo Horizonte, em apenas 6 dias (26 de setembro a 1º de outubro). O que atraiu o CineFialho a encarar essa cobertura foi o ineditismo da grande maioria dos filmes e a oportunidade mais do rara, única mesmo, de conhecer uma produção independente realizada em países da América Latina como Chile, Colômbia, México, Peru, Paraguai, Cuba e Argentina, sem esquecer lógico do Brasil.  Lemos com atenção toda a programação ofertada e vamos para BH cientes da responsabilidade de que vamos assistir a obras difere