Texto de Marco Fialho
"As Verdades Essenciais do Lago" é um dos filmes mais ousados do diretor filipino Lav Diaz. Nele, o diretor ambiciona abordar não só a vida política e social do país como o aspecto psicológico e existencial do protagonista, o tenente policial Hermes Papauran (John Lloyd Cruz). Diaz é ambicioso em sua proposta, embora a história se alongue desnecessariamente em algumas partes, o que, no todo, abala o ritmo do filme.
Inicialmente, tudo cheira a um típico filme de Diaz, com as implicações políticas falando mais alto na trama e com o protagonista se envolvendo com os poderosos da região. A história gira em torno de assassinatos e do desaparecimento da bela modelo Esmeralda, caso ocorrido há mais de 15 anos. Essa trama lembra, de longe, a história de Laura Palmer, a famosa personagem de David Lynch. As informações sobre Esmeralda são todas contraditórias, jamais ficamos realmente sabendo quem exatamente ela é. Uns dizem que era prostituta de luxo, outros que era uma modelo que despertava inveja da comunidade, entre outras justificativas.
Se Lynch em Twin Peaks, se utiliza de Laura Palmer como uma chave para explorar os meandros e contradições da pequena cidade, já Lav Diaz quer mergulhar na vida do personagem Hermes, que na mitologia grega, entre outros atributos, era responsável pelas mudanças súbitas na vida. Não cito a mitologia gratuitamente aqui. O próprio Diaz pinça Homero para explicar o personagem Achilles. Mas voltando a Hermes, o que veremos nas quase 4 horas de filme é uma busca dele por uma nova vida. E claro, nada é tão casual assim. Há uma catástrofe natural, a erupção do vulcão Taal, que impulsiona mudanças, pois o pequeno vilarejo de Esmeralda está sob as cinzas do vulcão. Diaz aponta assim uma perspectiva de renascimento, da vila e de Hermes.
Mas talvez a maior pergunta a ser feita é quem é afinal Hermes Papauran, um policial idealista, que insiste em apurar o desaparecimento de Esmeralda depois de 15 anos, em um país onde foi decretada o fim do Tribunal Penal Internacional, cujo governo apenas quer reafirmar o seu poder. Inclusive, em um discurso eloquente de Hermes com a sua superior, ele chega a dizer que não servia a governos e políticos, apenas aos trabalhadores: "não seguimos ordens, mas sim as leis".
Diaz cria performances interessantes nesse filme. A mais especial é a da Águia-Filipina, nome da operação policial, cujo nome é inspirado na fantasia que Esmeralda usava em seu trabalho de modelo fotográfico. Há, em certa altura, uma fetichização de Hermes com essa fantasia, ele chega a rouba-la do grupo teatral que a guardava em um baú. Há um simbolismo amplo nessa fantasia, a da indignação contra a destruição do bioma em torno do lago do vilarejo, mas também, principalmente para Hermes, uma representação da liberdade sobre as amarras da vida contemporânea.
Em "As verdades essenciais do lago" Diaz não abre mão do seu estilo de mise-en-scène, com a câmera sempre preservando um distanciamento perante os personagens, o que explica a utilização de planos gerais, americanos e médios, jamais os closes. Diaz se recusa ao íntimo, e subordina sua narrativa à trama policial. Entretanto, depois que há a erupção do vulcão, o filme se encaminha para uma jornada de descoberta de Hermes. De certa forma, essa é uma perspectiva que não é costumeira no cinema de Lav Diaz e o filme nesse momento tem uma queda no ritmo.
Nessa segunda parte do filme entra em cena a personagem da senhora Melchora, uma moradora que conhece bem os segredos da região do lago, figura fundamental na mudança de postura de Hermes perante a vida. Entram ainda na história, Ramon, o menino que vende doce de mandioca e Achilles, filho órfão de um casal de pescadores. A história dos jovens filipinos pobres está condensada na trama de Diaz, em que um viverá um processo de redenção e outro terá um destino trágico. Melchora diz a Hermes que as histórias já se foram, resta agora escolher qual versão ele quer acreditar e contar.
Lav Diaz investe contra as instituições, é cético em relação a elas. Hermes se torna esse aprendiz do mundo, esse ser que se descobre nos laços que estabelece com aquela comunidade pequena e carente. As cinzas do vulcão são simbólicas, elas fazem Hermes renascer para o mundo, fora das amarras que antes o prendiam e o faziam infeliz. Se "As verdades essenciais do lago" não é o melhor Lav Diaz, isso não é tão importante. O fundamental aqui é o risco que o diretor aceitou correr, de propor um apego mais emocional ao seu protagonista, por mais que ele ainda não tenha descoberto a melhor maneira de fazer isso.
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