Texto de Marco Fialho
A arte, e aí podemos incluir o cinema nessa discussão, anda fria de tão planejada que está. A arte como um produto calculado do marketing, presa aos grilhões de "se fizermos assim, ganhamos mais dividendos". Ao assistir a "Ensaios sobre Yves" pensei muito sobre isso, sobre o compromisso da arte perante ela mesma e ao mundo e os seres que nele habitam.
E logo no início do filme, Patrícia Niedermeier, a diretora, nos impõe três pontos: uma cor, um silêncio e assim nos apresenta Yves Klein. São elementos aparentemente simples, mas que funcionam como um dispositivo poderoso: criar um impacto sobre o objeto ao qual faremos uma imersão na próxima uma hora. Essa é uma ideia que podemos dizer que vem diretamente de uma concepção da arte conceitual, da videoarte que interpõe seu objeto ou por meio de uma sugestiva interrogação ou por uma peremptória exclamação. Aqui nos parece que Patrícia realiza os dois movimentos e provoca um impacto expressivo.
O filme se divide, como o próprio título já evoca, por ensaios livres sempre precedidos de intertitulos, devidamente nomeados, independentes entre si, mas que lógico ao se confrontarem (não propriamente somados) ao final criam um diálogo, pois todos estão ali para falar e homenagear um mesmo artista, no caso, o francês Yves Klein, morto precocemente, aos 34 anos. Mas o filme é mais do que sobre Yves Klein, é também sobre Patrícia e sua admiração e inspiração permanente ao artista Klein. Importante observar que Patricia o chama pelo nome, Yves, e não pelo sobrenome ou nome composto, o que revela uma intimidade, de como ambos estão fortemente ligados.
Patrícia Niedermeier trata dos temas de Klein, ou melhor, Yves, de maneira frontal, o monocromatismo do azul e do dourado são o ponto de partida, mas não só. Um dos grandes motes para Patrícia é o próprio sentido de movimento presente na obra de Yves Klein. O trem, o corpo, mas em especial o judô como elemento de estudo para Yves, a queda, o levantar, o momento em suspenso, onde tudo torna-se uma dúvida, mas sobretudo adquire um sentido de liberdade, de ganhar a sensação de estar voando. Sim, a liberdade como um tema maior para Yves, de libertar a arte dos seus elementos constitutivos pré-estabelecidos academicamente, como a linha, a perspectiva e o jogo das cores.
Um dos grandes destaques de "Ensaios sobre Yves" é o desafio fotográfico que se impõe ao filme. Daí o grande trabalho desenvolvido por Fabrício Mota, o de ter que fotografar muitas vezes uma cor única, o desafio de por em tela algo fundamental e essencial na obra de Yves e Patrícia: a precisão da cor, de buscar uma fidelidade pictórica, já que o estudo de pigmentos foi um dos alicerces da obra de Yves Klein. O filme tem muitos momentos fotográficos belíssimos, na praia, no rio com um "Bolero de Ravel" a cadenciar um ritmo implacável e poético à cena.
Yves Klein foi aquele artista que fez uso da arte para pensar filosoficamente sobre a vida e "Ensaios sobre Yves" sabe explorar divinamente essa correlação que o artista fez. Klein foi provocador em todas as suas obras, interrogou constantemente o mundo com suas performances pictóricas e às vezes corporais. Pensou a arte tanto em sua leveza quanto em sua aspereza e esse é o grande mérito do filme de Patrícia, saber explorar esse virtuosismo plástico e filosófico de Klein. Está tudo ali, "Ensaio sobre Yves" é pleno, de alguém apaixonado imtegralizando por completo a alma do objeto estudado.
O filme de Patrícia Niedermeier realmente é impactante, em todas as cenas. Saímos com a sensação que fomos atropelados sensorialmente por um trem onírico, um trem chamado Yves Niedermeier. Tudo em "Ensaios sobre Yves" está na ordem do táctil, mas que perturba todos os sentidos em conjunto. É como se fosse uma oração salvando o dia miserável de um ser que só tem a fé como rumo de vida. É a arte como essência dela mesma e dando bananas para quem confunde arte com um produto meramente mercadológico.
Sensacional! Incrível mesmo!
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