"As linhas da minha mão" é um lindo enigma que João Dumans nos oferta ao propor um jogo dialógico, mediado pela câmera, com a atriz e performer Viviane de Cassia Ferreira. Em sete blocos vemos a atriz fabular aleatoriamente para a câmera. Não casualmente, logo no início, um amigo propõe um desafio a partir de indagações nietzschianas extraídas do livro "O Crepúsculo dos ídolos". As perguntas eram: você anda à frente como pastor, exceção ou desertor? A atriz se posiciona como desertora, como aquela que não se adequa ao social. Depois outras provocações são feitas: você como atriz você é genuína? Você é alguém que olha ou que se deixa olhar? A sua fórmula da felicidade é um sim, um não ou uma linha reta?
Reproduzo aqui essas indagações porque elas são fundamentais para pensar o filme e suas estratégias. Do quanto essas imprecisões são incorporadas ao filme e o torna encantador. Esse método escolhido pelo diretor cria uma atmosfera entre atriz e diretor até que em determinado momento nos perguntamos quais são os limites e os controles possíveis nesse tipo de abordagem. Se o risco é certo, o resultado é fascinante, pois vamos sendo envolvidos com as histórias fantásticas e às vezes melancólicas de Viviane, uma personagem que realmente nos inebria e entorpece. Confesso que ao final eu estava a secar as minhas lágrimas, pois a carga emocional desse filme se potencializa a cada nova cena. Com a câmera sempre bem próxima do rosto de Viviane, Dumans vai estabelecendo uma relação performaticamente fílmica, híbrida, já que no decorrer do processo não importa muito o lugar no qual o filme vai desaguar.
Me lembrei muito do mestre Eduardo Coutinho a nos seduzir com suas conversas, apesar de que, em "As linhas da minha mão" o diretor não apareça diretamente como personagem. O interessante aqui é o quanto a própria Viviane inclui o diretor Dumans através de suas narrativas. Ao final não sabemos se ela está a seduzir Dumans, a nós ou se ambos. Adoro a passagem em que Viviane canta a música "Boi Voador", do Chico Buarque, por ela se identificar com a canção, onde um boi era capaz de voar e por isso era reprimido. Viviane aborda a sua própria "loucura", sua necessidade de tomar remédios e da dificuldade de ser artista e ter uma estabilidade financeira. Mais para o fim, Dumans nos oferece imagens lindas em P&B de Belo Horizonte ao som de um belo cool jazz. Ainda tem uma história mirabolante de Viviane com um albanês que transam em um banheiro do trem e outra de que ela recebe uma rosa de Tom Jobim.
Mas é de cortar o coração quando Viviane canta "Mal nenhum", música de Lobão imortalizado por Cazuza, pois depois de tudo que escutamos a canção cai como um pedra na nossa cabeça. Mais uma vez, a curadoria da 26ª Mostra de Cinema de Tiradentes acertou ao juntar em sequência a exibição de dois filmes onde a mulher possui força e relevância narrativa: "Alegria é a prova dos nove", da Helena Ignez, e esse "As linhas da minha mão".
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