Texto de Marco Fialho
Anatomia de uma Queda, da diretora Justine Triet, foi agraciado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2023. Esse fato pode atrair muitas expectativas em relação ao filme, o que pode frustrar muitos espectadores. Não que a obra deixe a desejar, mas pode decepcionar quem espere algo de extraordinário ou fora do comum, o que decididamente ele não é.
A grosso modo, Anatomia de uma Queda é um filme de tribunal bem corriqueiro na sua construção, que parte de uma morte para se desdobrar em aspectos investigativos, dramas irreconciliáveis, intrigas e uma boa dose de suspense.
Na trama, Sandra é uma escritora alemã bem-sucedida, casada com Samuel, um professor francês que sonha em ser também um escritor. Eles tem um filho, Daniel, um menino que ficou cego após um momento de displicência do pai, fato que mergulha o casal em uma crise interminável.
Depois de um incidente fatal, o filme dá uma virada e passa a trabalhar com a perspectiva da verdade. Qual versão sobre os fatos é a mais coerente ou pode ser a mais fiel à verdade. A diretora passa a jogar com essas dúvidas, o que abre uma crise entre mãe e filho. O melhor de Anatomia de uma queda é justamente essa interrogação sobre a verdade vinda dos relatos e dos áudios. As versões podem ser muitas, afinal, os personagens passam longe da santidade (como a maioria das pessoas).
O que é ficção e realidade? O filme levanta essa questão, embora pouco a aprofunde, e tente fazê-la por meio de reportagens e entrevistas sensacionalistas de programas de televisão. Se o passado conflituoso entre o casal ressurge a cada nova cena, ele de nada serve para o presente ou para a solução do caso. O presente nada mais revela que novas dúvidas. Anatomia de uma Queda traz para o público o que todo bom filme de tribunal traz: relatos e acontecimentos fora do fato que apenas servem para lançar dúvidas sobre a inocência dos envolvidos. Nesse aspecto, sem dúvida, o roteiro e a direção são eficazes. A melhor cena do filme é a primeira em que uma mulher tenta entrevistar Sandra, enquanto Samuel toca uma música muito alta, o que inviabiliza a conversa e esse é o momento em que mais se diz sobre os protagonistas. A cena é boa, mas é inegável que ela é eivada de um certo barroquismo, dirigida com uma mão pesada de quem gosta de reafirmar ideias com os artifícios cinematográficos que tem à disposição.
Ainda que Anatomia de uma Queda seja eficaz, a pergunta que fica é qual o seu diferencial cinematográfico em relação a tantos outros filmes de tribunal já vistos? Como um bom cinema francês, este também é mais um filme calcado na demasia dos diálogos, enquanto do ponto de vista imagético pouco acrescenta de novidade. A revelação do passado que o filme faz, pelo uso constante de flashbacks, sendo mostrados pelos depoimentos das testemunhas do tribunal, é um artifício já bem gasto, longe de inovador e esse é o maior recurso usado pela diretora Justine Triet para criar as tensões ou trazer novidades para o caso.
A láurea máxima em Cannes é até fácil de entender, basta olhar e analisar o fato do júri ser presidido pelo sueco Ruben Östlund, que prima em seus filmes pelo gosto do excesso narrativo. Longe aqui comparar o filme de Justine Triet às obras do sueco, definitivamente, ela não merece essa comparação. Apenas faço essa pontuação para que se possa melhor entender os pontos que mais chamaram a atenção desse júri do festival, no geral, pouco adepto das sutilezas narrativas. Mesmo que o filme de Triet passe longe de ser abusivo narrativamente, existe nele um traço mais para a contundência do que para o sutil, o que deve ter atraído o gosto do júri do certame.
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