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Mostrando postagens de agosto, 2022

MARTE UM (2022) Direção de Gabriel Martins

O universo é mais   Texto de Marco Fialho A produtora mineira Filmes de Plástico vem se destacando por delinear obras que expressam o cotidiano da população periférica de Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte (ver "Temporada", "Baronesa", "Ela volta na quinta"). Essa característica territorial confere um quê de peculiar e afetuoso aos longas que seguidamente reafirmam corpos potentes que fazem de seu viver um ato de resistência. "Marte Um", novo trabalho de Gabriel Martins (No coração do mundo) é mais um desses filmes a falar de uma periferia vivaz, que leva a vida apesar das agruras inerentes ao seu cotidiano.  Além do poderoso arsenal imagético que "Marte Um" oferece, com uma fotografia que contrasta permanentemente personagens e cenários, e se permite banhar com breus em meio a cores intensas de azul e amarelo, em um diálogo criativo que circunda de uma vez só o realismo, o metafórico, sem esquecer dos delicados toques de

NÃO! NÃO OLHE! (2022) Direção de Jordan Peele

Sinopse: Na zona rural da Califórnia, os irmãos OJ (Daniel Kaluuya) e Emerald (Keke Palmer) administram uma grande fazenda de treinamento de cavalos. Mas tudo muda quando seu pai Otis (Keith David) morre de forma misteriosa sob uma nuvem sinistra. O cinema alienígena de Jordan Peele  Texto de Marco Fialho Arrisco dizer que "Não! Não olhe!" é uma das obras mais desafiadoras da reduzida carreira de Jordan Peele como diretor. Seu terceiro longa mistura muitas referências tanto ao cinemão norte-americano quanto ao cinema de gênero, em especial o de horror, ficção científica e do faroeste. No final das contas, essa miscelânia revela um filme tipicamente fantástico, repleto de fatos misteriosos e sem explicação aparente. Uns podem ver isso como um ponto fraco enquanto outros como de um imenso acerto. Não que "Não! Não olhe!" destoe tanto dos dois filmes anteriores, os celebrados "Corra!" e "Nós", mas sim porque o racismo  tão protagonista nesses trabal

MÚSICAS QUE HABITAM EM MIM - Nº 6 - João Gilberto (Amoroso)

LP Amoroso (1977) https://youtu.be/fa8veDOssuA Link para o disco de 1973:  https://youtu.be/XHmO1klmBNg " Melhor do que o silêncio só João." Extraído da canção "Pra ninguém", que Caetano compôs para homenagear a canção brasileira e seus intérpretes. Texto de Marco Fialho    O primeiro João Gilberto que escutei foi um LP duplo, onde o mestre baiano cantava várias músicas icônicas da Bossa Nova. Portanto, não era um disco de carreira e sim uma coletânea bossanovista. A maneira minimalista dele cantar chamou-me a atenção, é claro. Nesse momento, tinha eu uns 10 anos de idade, e creio que a voz pitoresca a cantar quase murmurante despertou minha curiosidade. Mais tarde veio o disco branco, de 1973, onde apenas um elegante e pequeno mosaico com o seu nome centralizado unidos a uma pequena foto em P&B de João, muito diziam sobre o próprio disco, onde o violão amplificado junto a uma suavíssima percussão conduziam sons inebriantes com uma voz monocórdica e hipnótica. A

MEMÓRIA (2021) Direção de Apichatpong Weerasethakul

A memória do Ocidente posto à prova Texto de Marco Fialho A cada novo trabalho Apichatpong Weerasethakul reafirma seu nome como um dos grandes cineastas em atividade no mundo. "Memória" é mais uma obra que vem adensar uma filmografias das mais coerentes e consistentes desse já cultuado diretor tailandês, sendo que "Memória" assinala o primeiro longa dele filmado no exterior e com a presença luxuosa da excepcional e versátil atriz britânica Tilda Swinton.  "Memória" possui todas as principais marcas que definem o cinema de Apichatpong, o enredo fantasmagórico, o respeito profundo pelas forças espirituais da natureza, os planos ralentados e a presença da surpresa inesperada. O diretor filma na Colômbia e surpreende ao inserir na trama elementos de arqueologia, escavações, ossadas que nos remetem a tempos imemoriais. Mas nada em Apichatpong é casual ou solto quanto supõe alguns. Há uma confusão permanente entre o que está solto na narrativa com deixar sugesti

A MELHOR JUVENTUDE (2003) Direção de Marco Tullio Giordana

O atropelo indiferente da história Texto de Marco Fialho  A Arteplex e a Versátil Home Vídeo juntas lançaram no final de 2021 uma edição especial em DVD de "A melhor juventude" (2003), a complexa obra de Marco Tullio Giordana composta por várias camadas históricas, sociais, psicológicas, comportamentais, filosóficas, artísticas e políticas da Itália da segunda metade do Século XX, uma obra de grande fôlego e que desafia o espectador a encarar um dos momentos mais difíceis da vida contemporânea italiana, território que teve um papel importantíssimo nas artes desde o período renascentista. O filme também dialoga potentemente com o próprio cinema, em homenagens que vão de "Jules & Jim", "Rocco e seus irmãos", "Teorema" à trilogia do "O Poderoso Chefão". Giordana está no grupo de cineastas que revitalizou o combalido cinema italiano dos anos 1980 e 1990, perigosamente invadido pela estética vazia e fútil da televisão. Junto com Paolo So

A PRIVATIZAÇÃO DA LIBERDADE (CRÔNICA)

Texto de Marco Fialho Sabe aquela ideia que já foi tão comum de ir à praia para espairecer e distrair-se do mundo, ou até mesmo pensar melhor sobre ele? Já era... A praia não é mais esse lugar. Quer dar um passeio, admirar as belezas da natureza com a brisa a pentear os cabelos? Quer a cada novo passo descobrir uma nova paisagem, um novo mar a massagear os pés? Isso também não é mais possível. É incrível a capacidade de apropriação a que chegamos. Até a subjetividade já nos tomaram de assalto. Não há mais um buraco sequer que o capitalismo (ou seria o melhor dizer o capetalismo?) não tenha dominado com a sua sanha. Quem dera que São Marx nos iluminasse e nos salvasse dessa maracutaia que muitos ainda tomam como Deus, falo aqui do tal decantado deus dinheiro. Privatizaram a Companhia de luz, do gás, da água e até os raios que caem do céu. Como já bem profetizou um famoso funk carioca: "tá tudo dominado". Até as areias da praias, que sempre foram públicas. Mas a vida tem também