Um jogo bobo e um bando de urubus na carniça
Texto de Marco Fialho
"Tetris" se enquadra em um estilo de filme que volta e meia a indústria hollywoodiana aprecia realizar: o que retrata a criação de computadores, softwares, redes sociais, jogos eletrônicos e seus congêneres. O que "Tetris", do diretor John S. Baird acrescenta à trama é o thriller de espionagem internacional. Dentro da proposta narrativa do diretor tudo está bem azeitado entre roteiro e direção, há eficiência no resultado geral, mesmo que os instrumentais cinematográficos soem desgastados e evoquem, em vários momentos, um imenso deja vú. A criatividade, definitivamente, não é uma característica que anda à solta na cena cinematográfica hollywoodiana.
Para quem não lembra ou associa o título ao jogo, o enredo trata do difícil contrato em que negociantes dos Estados Unidos, vendo o enorme potencial do jogo, tentam leva-lo para o Ocidente. Sim, esqueci de mencionar o mais importante, que o jogo foi inventado por um russo à época do governo de Gorbachev, isto é, nos últimos instantes que precederam a dissolução da União Soviética. Creio ser importante ressaltar que embora o roteiro seja crítico ao governo soviético (o que de se esperar, lógico), não deixa também de mostrar momentos de ambição desenfreada, de oportunismo empresarial e de corrupção de uma parte dos negociantes dos Estados Unidos.
Mas essa não deixa de ser uma trama quase que ideal para ser desenvolvida pelo cinema hollywoodiano, propício para o direcionamento ideológico tão afeito historicamente a essa indústria. Como era praxe na então União Soviética, os bens produzidos no país eram de propriedade do Estado, assim, o jogo Tetris não pertencia a Alexey Pajitnov, o inventor, mas a máquina burocrática do Kremlin. Empresas como Nintendo e Mirrorsoft entram em disputa pelo jogo, mas o diretor Baird opta por conduzir o filme pelo olhar do personagem Henk Rogers (um aplicado Taron Egerton), um homem simples, mas ambicioso, que sonha melhorar a vida dele e da família, mesmo que não consiga ver a apresentação musical da filha no colégio.
Uma das marcas de "Tetris" é a velocidade que o diretor imprime na narrativa, sendo às vezes até difícil acompanhar a história, já que as informações envolvendo as transações contratuais são complexas e passam muito rápido pela tela, bem ao estilo de "Piratas da informática" (1999), "Steven Jobs" (2015), "Rede Social" (2010), apenas para citar alguns. Gosto de me interrogar sobre esse estilo narrativo célere, e qual o objetivo de forjar esse acúmulo de informações em uma única cena. Seria para enquadrar esses personagens como aqueles viciados em trabalho, incansáveis ou ainda seria para esconder ou ainda não dar tempo ao espectador a pensar sobre eles e suas ambições, que tão bem traduzem o próprio sistema econômico que eles representam.
"Tetris" é mais um desses filmes espertos que Hollywood sabe tão bem realizar, que reafirma os valores de voluntarismo para o trabalho de sua cultura, além de abrir espaço para martelar mais uma vez a importância o heroísmo para o sucesso do sistema econômico dos Estados Unidos, quando Henk Rogers salva Pajitnov das garras do cruel e corrupto sistema comunista e da poderosa e fria KGB. "Tetris" cumpre seu papel, mesmo sem trazer maiores contribuições ao universo cinematográfico, mas tendo como mérito maior resgatar a história de um dos jogos mais populares do planeta. Aqui, o jogo do cinema perde de montão para o eterno jogo da mesmice narrativa de Hollywood. Embora timidamente, "Tetris" consegue mostrar um pouco que por trás da brincadeira de um jogo bobo, aparentemente quase infantil, havia um bando de urubus tentando mordiscar algumas lascas dessa preciosa carniça.
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