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FOLHAS DE OUTONO (2023) Dir. Aki Kaurismäki


Texto de Marco Fialho 

O veterano diretor finlandês Aki Kaurismäki realiza em "Folhas de Outono" um dos melhores filmes de sua longeva e bem-sucedida carreira. O diretor narra a história de Ansa (Alma Pöysti) e Holappa (Jussi Vatanen), dois personagens solitários em busca de afeto em um mundo hostil. 

Inspirado pela frieza do mundo, Kaurismäki narra a história abusando do uso de planos fixos, em que a imobilidade da câmera expressa como os personagens se sentem diante do mundo. Em contraponto a essa frieza, Kaurismäki valoriza o âmbito da interpretação dos atores não por eles, mas com uma câmera que sempre privilegia mostra-los por meio de enquadramentos que os destacam na cena. Com isso, o destaque maior para o diretor é a própria cena. 

A fotografia de "Folhas de Outono" forja uma imagem límpida, com cores chapadas, que em contraste entre si tornam-se vívidas. Assim, o diretor abusa do vermelho, azul e cinza, brincando com elas em um jogo constante entre o fundo e o primeiro plano, mas sempre mantendo um tom levemente pastel. São imagens cheias de esperança, que emanam uma energia positiva, uma crença que o cinema pode criar um mundo onde as cores estão sempre a serviço da beleza e da harmonia. O toque de vermelho está sempre a simbolizar a possibilidade do amor.

O próprio cinema pode ser considerado também como uma de forma de amor na narrativa de Kaurismäki, tanto que é na própria porta de um cinema onde alguns dos encontros entre o casal Ansa e Holappa acontecerão, e o diretor faz questão de ilustrar essas cenas com cartazes de filmes famosos e de diretores representativos da história do cinema, como John Huston, Bresson, Godard ou Visconti. E o que dizer quando Ansa adota uma cachorrinha e a batiza de Chaplin. O amor para Kaurismäki realmente é um sinônimo para cinema e tanto faz que o filme seja um clássico ou de zumbi, como o que o casal assiste em uma das sessões.

Mesmo que o personagem de Holappa seja bastante singular, preso ao alcoolismo e rebelde no trabalho, há algo que nos convida a se apegar a ele, principalmente por Holappa possuir uma energia de quem quer buscar o amor, e logicamente, algum sentido para a sua vida. O mesmo acontece com Ansa, torcemos para ela se encontrar no mundo, mesmo que a solidão pareça ser algo inerente a sua personalidade, algo parecido a uma sina irrevogável. São personagens que vivem na simplicidade, sem luxo, daqueles que poderíamos encontrar na esquina de nossa casa. São trabalhadores que tentam salvar o que podem no cotidiano de uma vida dura. 

Se inicialmente Kaurismäki sugere que o filme será sobre o mundo do trabalho, aos poucos deixa a história de amor tomar conta de sua trama. Um dos elementos que mais permite que isso aconteça é a relação que o diretor estabelece entre os personagens e a música. As letras e as melodias das canções casam com a história, dialoga diretamente com ela, além de colaborar para suavizar a própria narrativa. A música também surge na exibição de um karaokê, com direito a uma deslocada música de Franz Schubert. 

Kaurismäki arranca com a habitual categoria, uma secura que já vem construída desde o roteiro, mas que espraia pelas interpretações e por uma montagem que não dá espaço a excessos. "Folhas de Outono" extrai sempre o mínimo dos atores e o essencial de cada cena, deixando apenas um toque de exagero e certa exuberância para a cenografia e a fotografia. Ainda tem os toques de política exterior, com os rádios noticiando massacres na Guerra entre a Rússia e a Ucrânia, que vão permeando esse mundo insosso, violento e sem esperança. Mas eis que Ansa, em uma cena desliga o aparelho como uma nítida maneira de protestar contra esse mundo da discórdia e do desencontro. E ela faz isso também como uma atitude própria perante à vida, como uma tomada de posição para transformar sua vida perante a mediocridade do mundo e a incompetência do macro para o diálogo e o entendimento. 

"Folhas de Outono" é um tipo de manifesto de Kaurismäki para os espectadores, de que podemos fazer algo pequeno mas efetivo frente ao absurdo da guerra e da incompreensão. Os corpos dos personagens estão ali à disposição de Kaurismäki, como se suas presenças representassem um protesto contra o automatismo do mundo. E o diretor, dentro do seu estilo econômico consegue extrair um humor de muitas situações, ora com diálogos cortantes ora com um deboche incontido expresso na própria mise-en-scène.

Os encontros e desencontros do possível casal a ser formado, passeia pela narrativa, em um ambiente onde as emoções não são tão intensas. O desamparo dos personagens é latente, as imagens que Kaurismäki realiza deles são quase desoladoras. O mundo é desolador, jamais eles. Há um humor meio ácido, mas que o diretor cuida para preserva-lo implícito e singelo, pois o controle dele da narrativa é total. Tudo aqui é sóbrio e calculado, apesar do diretor conseguir um espaço para que haja uma gota de emoção a emoldurar essa frieza da vida contemporânea ensejada pelo capitalismo. Se o mundo nos quer gélidos, Kaurismäki nos mostra que pode existir amor até mesmo no improvável dia a dia. Essa é  a magia seca de seu cinema, conseguir extrair, nem que seja um leve sorriso, que se equivale a um troféu conquistado, de um de seus personagens, tal como a vida faz com a gente em seu árido cotidiano.    

Comentários

  1. Excelente análise. Acabei de ver o filme e vim procurar tua crítica.
    Gostei muito do filme. Fica explicito que existe uma espécie de segunda classe na vida.

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  2. Obrigado Elizabeth! Pode parecer exagero, mas eu recomendo todos os filmes desse diretor. Atualmente, plataforma MUBI exibe quase todos os filmes dele. Todos sensacionais. Impressionante.

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