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MOTO (2022) Dir. Gastón Sahajdacny


Um retrato de uma Córdoba vindo da periferia

Texto de Marco Fialho

Para percorrer um território, nada melhor do que estar em uma moto ou bicicleta. Esses são os veículos dos protagonistas de "Moto", filme argentino dirigido pelo estreante Gastón Sahajdacny. Mariano e Constanza nas suas horas vagas se encontram e tentam dividir algum momento de paz e amizade em meio a um ambiente nada amigável.

O diretor explora longos planos de moto e bicicleta pela cidade e periferia de Córdoba para revelar aspectos sociais poucos conhecidos e retratados no cinema, de personagens que não são bem-vindos pelo sistema. A lentidão dos planos pode cansar ao público menos habituado à narrativa que caminha sem grandes solavancos, entretanto, Gastón persiste até o fim com a sua visão própria de cinema, que passa ao largo das concepções que habitualmente vemos no mercado cinematográfico.

Enquanto o filme mostra conversas entre os dois jovens, ouvimos os anúncios de medidas governamentais que permitem ações coercitivas da polícia com os motoqueiros. Há uma tensão permanente nas sequências filmadas, já que o risco de ser parado numa blitz policial é latente. A proposta política do diretor fica evidente a cada nova cena ao mostrar como a política desenvolvida pelos governos podem afetar diretamente a vida da população.  

Apesar de ter muitas cenas realistas, "Moto" tem momentos lúdicos interessantes, inclusive o desfecho do filme que esbanja na imaginação para enfrentar a dureza vinda da realidade. O diretor filma muitos planos em movimento, e a câmera se transforma no próprio movimento, o que contrasta com os longos planos-sequências. 

No todo, o filme tem lá as suas rateadas e problemas de ritmo, com momentos enfadonhos, porém, compensados pela denúncia em tom poético da violência do Estado contra os jovens motoqueiros. "Moto" é uma obra irregular que poderia ser mais concisa para poder potencializar a força política que sua temática territorial evoca. Tem seu brilho da mesma medida que tem suas imprecisões. Mas como é bom e salutar poder conhecer esses filmes que dificilmente chegariam no mercado brasileiro. 


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