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Mostrando postagens de agosto, 2018

ONDE ESTÁ VOCÊ, JOÃO GILBERTO? - Direção de Georges Gachot

Crítica escrita por Marco Fialho Um Ho-Ba-La-Lá afetivo e inocente "Onde está você, João Gilberto?" é um filme de afetos. Gira em torno dele de maneira descarada e desavergonhada. Há um humor evidente no título e quase uma constatação de que João não será encontrado pelo diretor francês Georges Gachot, um apaixonado pela nossa música. O viés cômico  prevalece em todo o filme, em uma busca carinhosa e insana por encontrar seu ídolo. Por isso, o próprio diretor assume a narração em primeira pessoa do filme, o que deixa claro a sua proposta  pessoal de falar do tema. Mas antes de ser uma busca por João, o filme de Gachot procura os rastros deixados pelo livro "Ho-Ba-La-Lá", escrito pelo alemão Marc Fischer. No livro, a narrativa está centrada na procura por João Gilberto, sendo que Fischer incorpora Sherlock Holmes, com a ajuda de uma Watson brasileira. O filme então torna-se muito mais sobre a paixão de Fischer por João Gilberto e pela música brasileira que est

NA PRESENÇA DE UM PALHAÇO - Direção de Ingmar Bergman

Texto escrito por Marco Fialho para o catálogo da mostra "O Lobo à Espreita: uma homenagem ao centenário de Ingmar Bergman", em 2017. NA PRESENÇA DE UM PALHAÇO (1997) Eu não desejava a vitória, mas a luta. August Strindberg Quando Bergman lançou Fanny e Alexander, em 1982, ele anunciou que era seu filme de despedida, que estaria se aposentando do cinema. Mas isso de fato não ocorreu, pois ainda faria outros tantos filmes para cinema e televisão. Dez anos antes de morrer, em 1997, Bergman filmou Na Presença de um Palhaço, filme feito para a TV Sueca e exibido com sucesso no Festival de Cannes, na mostra ‘Un Certain Regard’. O filme é uma homenagem ao cinema, ao teatro e a música. Uma obra muito desconhecida, mas que transpira poesia e beleza. Uma pequena pérola do mestre Ingmar Bergman que vale a pena ser descoberta pelo público.   Várias características e temas do cinema de Bergman estão presentes no filme, como as sequências de sonho, personagens angus

OS INCONTESTÁVEIS - Direção de Alexandre Serafim

Crítica escrita por Marco Fialho Uma salada capixaba com eucaliptos, maverick, coronéis e temperada com cenas de machismo explícito.  "Os incontestáveis" é um marco para o cinema capixaba. Deve-se registrar o quanto raro é vermos um filme do Espírito Santo chegar ao circuito comercial brasileiro. No máximo, esse tipo de filme fica restrito ao ambiente dos festivais e mostras de cinema. Esse é um ponto a ser registrado e valorizado para o diretor Alexandre Serafini, pela coragem de se tornar um realizador de longa-metragem em um contexto com imensas dificuldades de produção. Quanto ao filme, logo no seu início nota-se um grande esforço de superação de toda a equipe. Há um visível clima de produção no esquema de guerrilha que vai impulsionando tudo para frente. "Os incontestáveis" se configura como um típico road-movie. No enredo, tudo gira em torno de dois irmãos, Bel e Mau que vão em busca de um carro antigo, um Maverick 1977, que fora de seus pais. Por

FANNY E ALEXANDER (1982) Direção de Ingmar Bergman

Texto escrito por Marco Fialho para o catálogo da Mostra "O Lobo à Espreita: uma homenagem ao centenário de Ingmar Bergman", em 2017. FANNY E ALEXANDER Família, tu és a morada de todos os vícios da sociedade; tu és a casa de repouso das mulheres que amam as suas asas, a prisão do pai de família e o inferno das crianças. August Strindberg Fanny e Alexander é um filme de Bergman onde ele aborda mais a superfície do que os recônditos humanos, já que a interioridade dos personagens sempre foi tônica dominante da maioria de sua obra cinematográfica. Mas isso não é um aspecto que diminui o filme, antes apenas o situa em outra abordagem. O que fica de Fanny e Alexander são as relações familiares, enquanto que o aprofundamento dos personagens fica em segundo plano. Deve se registrar que o grande número de personagens também torna-se  um empecilho à profundidade.     Mesmo partindo dessa premissa, que Fanny e Alexander não se conforma como uma das obras mais impa

SONATA DE OUTONO - Direção Ingmar Bergman

Texto escrito por Marco Fialho para o catálogo da Mostra "O Lobo à Espreita: uma homenagem ao centenário de Ingmar Bergman", em 2017. SONATA DE OUTONO (1978) Os filhos são educados como se fossem ficar toda a vida filhos, sem nunca se pensar que eles se tornarão em pais. August Strindberg Sonata de Outono é um filme sem grandes arroubos de produção, sendo nesse aspecto pequeno, um filme de câmara, com uma mise-en-scéne sustentada basicamente pelos atores em cena, praticamente sem externas, quase todo filmado em estúdio. Tem ecos visíveis de uma peça teatral. Tanto no texto quanto na mise-en-scéne observa-se esses traços teatrais. Isso não quer dizer em absoluto que o filme seja um teatro filmado ou uma peça de teatro disfarçada, seria muito injusto com essa obra de Bergman tal afirmação. Cinematograficamente sua construção é precisa, manipulada por quem domina muito bem os recursos de linguagem para atingir o máximo de expressão. A escolha dos pl

FACE A FACE - Direção de Ingmar Bergman

Texto escrito por Marco Fialho para o catálogo da Mostra "O Lobo à Espreita: uma homenagem ao centenário de Ingmar Bergman. FACE A FACE (1976) A verdade é sempre desaforada. August Strindberg Na filmografia bergmaniana Face a Face está entre os filmes de maior densidade emocional, tal como Gritos e Sussurros e Sonata de Outono. Mas o que diferencia Face a Face desses outros dois é a personagem Dra. Jenny Isaksson, interpretado por Liv Ullmann. Jenny é uma psiquiatra, razoavelmente bem sucedida, mas que vive também sérios problemas psiquiátricos, vítima de uma depressão profunda. Mais uma vez Bergman constrói uma personagem perturbada com o seu passado e assombrada com fantasmas, que teimam em rondar seus pensamentos e seu inconsciente. Incrível como Liv Ullmann consegue tornar verossímil essa personagem, transferindo vigorosamente essa energia para o espectador, tal o sufocamento vivido por Jenny. É sabido o quanto Bergman filma rostos humanos como poucos, em e

VERGONHA - Direção de Ingmar Bergman

Texto escrito por Marco Fialho para o catálogo da mostra "O Lobo à Espreita: uma homenagem ao centenário de Ingmar Bergman", em 2017. VERGONHA (1968) Sim, eu sou um homem e choro. Um homem não tem olhos? Não tem também mãos, sentidos, inclinações, paixões? Porque é que um homem não devia chorar? August Strindberg       Vergonha é o filme de violência explícita de Bergman. Sendo assim, é um filme direto, claro em suas propostas. Se isso, em se tratando de Bergman, pode ser um dado inusitado, pois a mensagem explícita nunca foi o território onde sua arte aflorou, já a interiorização dos personagens, esta sim, sempre foi o locus do universo bergmaniano. Conforme bem analisou o crítico Marc Gervais, Vergonha se enquadra na obra de Bergman “no que podemos chamar de estudos cruéis e implacáveis sobre a desintegração da personalidade”. Essa fala está no making of do DVD do filme. Essa desintegração de personalidade, na verdade, perpassa diversas obras de B

A HORA DO LOBO - Direção de Ingmar Bergman

Texto de Marco Fialho escrito para o catálogo "O Lobo à Espreita: uma homenagem ao centenário de Ingmar Bergman", em 2017. A HORA DO LOBO (1968) No fundo, é isso, a solidão: envolvermo-nos no casulo da nossa alma, fazermo-nos crisálida e aguardarmos a metamorfose, porque ela acaba sempre por chegar. August Strindberg A Hora do Lobo é um dos filmes mais enigmáticos da carreira de Bergman, uma tentativa de superação artística, estética e estilística do diretor dentro de sua filmografia, mas é igualmente uma experiência desafiadora para o espectador, por ser um filme onde sonho, o delírio e o desejo se fundem e confundem drasticamente em uma viagem sensorial poucas vezes vista no cinema. Trata-se de um Bergman vigoroso, ousado, poderosamente imagético, desafiador esteticamente, descontínuo, em plena forma artística e de encher os olhos. O filme começa com uma tela preta e uns sons de um set de filmagem, barulhos de martelos, de madeira sendo cortada e vozes de

PERSONA - Direção de Ingmar Bergman

Texto escrito por Marco Fialho para o catálogo "O Lobo à Espreita: uma homenagem ao centenário de Ingmar Bergman", em 2017. PERSONA (1966) É indispensável estudar a natureza dos outros antes de darmos livre curso à nossa. August Strindberg Persona é o filme de Bergman mais reverenciado no mundo da crítica cinematográfica. Ousado pela estética e linguagem, mas também pelas ideias abundantes que transbordam dele. E essa exaltação é justa, aliás, muito justa. A qualidade de Persona salta aos olhos de qualquer pessoa apaixonada por cinema e chama atenção acerca dos limites existenciais e de reflexão que essa arte pode proporcionar à humanidade. Apesar de não ser um filme fácil é a obra em que Bergman leva ao máximo a abordagem psicológica em seus personagens, por isso é a sua obra fundamental e uma das mais seminais. O filme marca ainda o primeiro encontro artístico de Bergman com Liv Ullmann, um casamento tão exitoso que extrapolou as telas para a vida. A