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Mostrando postagens de outubro, 2017

O FORMIDÁVEL - Direção de Michel Hazanavicius

O sorriso insosso da Monalisa Crítica de Marco Fialho A primeira cena de “O Formidável”, dirigido por Michel Hazanavicius (o mesmo do mega sucesso O Artista), mostra um momento no bastidor de “A Chinesa”. Destaco esse início porque ele nos vende a ideia de que o foco do filme poderia ser a discussão sobre o processo de criação de Jean-Luc Godard. Essa pretensa promessa se esvai rapidamente. O que é uma pena. Não que durante seus 106 minutos não se fale do cinema desse mestre iconoclasta e contestador da estética cinematográfica, mas a ênfase recai muito mais na relação amorosa entre ele e sua musa, que também foi sua esposa, a atriz Anne Wiazemsky. A narrativa do filme tem como base o livro autobiográfico de Anne, Un an après , apesar de Godard ter alguns momentos onde também narra a história.Essa opção leva o diretor a trabalhar muito mais um Godard cidadão do que o Godard artista. O que vemos é um homem mau humorado, ciumento, machista, excêntrico, pernóstico, inseguro

BLADE RUNNER 2049 - Direção Denis Villeneuve

A indústria da memória e da destruição - a atualização de Blade Runner Crítica de Marco Fialho A continuação do filme-ícone dos anos 1980, “Blade Runner - o caçador de andróides” era aguardada com muita ansiedade por uma legião de fãs. O primeiro impacto que “Blade Runner 2049” causou foi a divulgação de que Ridley Scott apenas produziria a nova obra e que a direção ficaria a cargo do competente canadense Denis Villeneuve (dos sucessos “A Chegada” e “Incêndios”). Uma das primeiras consequências de ter Denis Villeneuve na condução de “Blade Runner 2049” é o acréscimo evidente de uma dose dramática que se sobrepõe à aventura, o que inverte a lógica narrativa da maioria dos filmes de ficção científica atuais, onde o ritmo alucinado surge constantemente como predominante. Essa faceta mais introspectiva, já havia sido observada em seu filme anterior, o surpreendente “A chegada”. O diretor trabalha muito com uma cenografia constantemente reveladora de uma sociedade assentada n

TODOS OS PAULOS DO MUNDO - Direção Gustavo Ribeiro e Rodrigo de Oliveira

“A melancolia é uma tristeza com um pouco de leveza” Ítalo Calvino Crítica de Marco Fialho Paulo José é um ator genial e essencial para o nosso cinema. Se você não acredita nisso, corra pra ver o filme “Todos os Paulos do Mundo”, realizado pela dupla Gustavo Ribeiro e Rodrigo de Oliveira. Os diretores conceberam a obra de forma original. As imagens quase todas são extraídas de seus inúmeros trabalhos feitos para cinema, televisão e teatro, não necessariamente nessa ordem. Poucas imagens foram filmadas exclusivamente para o filme. Os textos das narrações foram escritos pelo próprio Paulo José, numa espécie de autobiografia anárquica. Os amigos de trabalho, que já compartilharam papéis com o ator, fazem, visivelmente emocionados, as vozes dele, que relatam momentos marcantes de sua vida e opiniões sobre a arte de representar. Os depoimentos falam de sua infância, relação com os pais, colegas, mulheres, diretores, teatro, sua doença, e claro, sobre cinema e os filmes

TOM DA FINLÂNDIA - Direção de Dome Karukoski

A força da arte homoerótica Crítica de Marco Fialho Antes de mais nada é preciso dizer: “Tom da Finlândia” é um filmaço. Mas talvez ele o seja não só por ter um roteiro brilhante, uma direção de arte impecável, uma direção de atores primorosa, uma fotografia cheia de sutilezas, um ritmo de montagem perfeito, mas muito mais por ele ser um filme do nosso tempo e que dialoga com ele de maneira exemplar e necessária. O resgate que o diretor Dome Karukoski faz desse importante personagem da iconografia LGBTQ acontece no momento em que há uma reação conservadora e intolerante aos grandes avanços conquistados nas últimas décadas em relação aos seus direitos, impondo-lhe novamente uma onda de feroz censura e violência. Por isso também “Tom da Finlândia” torna-se tão urgente de ser exibido em nosso país. O diretor Dome Karukoski pensou a estrutura do filme em uma perspectiva que garante uma fusão de elementos históricos com o desenvolvimento do próprio personagem de Tom/Tou

IRAN - Direção Walter Carvalho

O tempo e o fluxo: o voo cego em um labirinto Crítica de Marco Fialho Quando vou a uma sessão de cinema, incluo nesse âmbito até as poucas salas que incorporam em sua programação o chamado cinema de arte, reparo que cada vez menos as pessoas vão dispostas a se permitir experimentar uma obra que se apresente mais desafiadora, ou de difícil assimilação estética. Digo isso, amparado em vivências minhas, de ver pessoas se retirando das salas ao se deparar com o menor sinal de experimentação de linguagem no campo audiovisual.   Fiz toda essa nota introdutória na minha resenha, e considero ela necessária, para poder começar a falar de “Iran”, novo filme de Walter Carvalho, trabalho de veio experimental, que flerta visivelmente com a videoarte, composto basicamente por imagens sonoras, segundo a avaliação do próprio diretor. Nessa obra ele trabalha um momento de preparação do ator Irandhir Santos para cenas do filme “Redemoinho”, de José Luiz Villamarim. Mas logo na primeira

AS BOAS MANEIRAS - Direção de Juliana Rojas e Marco Dutra

O confronto entre o simbólico e a literalidade Crítica de Marco Fialho Depois de Juliana Rojas e Marco Dutra realizarem dois trabalhos solos de primeira linha, “A Sinfonia da Necrópole” e “O Silêncio do Céu”, respectivamente, eles voltam novamente a fazer um filme em dupla, “As Boas Maneiras”, tendo participado do Festival de Locarno e levado o prêmio especial do júri. O projeto é muito ambicioso, extremamente bem produzido e fotografado exemplarmente pelo competente Rui Poças. Nesse novo filme os diretores ratificam o gosto pelo gênero terror, já evidenciado na primeira obra deles, “Trabalhar Cansa”, e recriam agora, a seu modo, uma história de lobisomem. O filme possui duas partes bem delimitadas, o da gestação e o da criação desse estranho ser. Ao desenvolverem essas duas partes, fica bem evidente o desnível existente entre elas. Há uma primeira parte brilhante, enigmática, complexa, cheia de simbolismos, nuances, dualidades bem alinhavadas, enfim, toda construída

TORQUATO NETO - TODAS AS HORAS DO FIM - Direção de Eduardo Ades e Marcus Fernando

O poeta e o seu tempo Crítica de Marco Fialho Nesses tempos onde está reinando a caretice, o filme “Torquato Neto - Todas as Horas do Fim” nos traz um alívio e uma ponta de esperança. Isso porque esse documentário fala de um passado que apesar de nos ser próximo historicamente traz um contexto de significativa resistência à opressão por meio da arte, o que acaba por provocar uma reação e uma reflexão também às questões postas no nosso mundo de hoje. Um dos aspectos a ser sublinhado no filme e que chama muito a atenção é o cuidado na pesquisa de imagens feita pelos realizadores. Todos os depoimentos são ouvidos em voz off enquanto somos metralhados por muitas imagens. São fotografias, vídeos em super 8, videoclipes, filmes do cinema novo e marginal dos anos de 1960 e 1970. Os áudios são igualmente interessantes e múltiplos, são diversos testemunhos colhidos hoje por artistas que conviveram com Torquato Neto em algum momento de sua vida. Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom

DETROIT EM REBELIÃO - DIREÇÃO KATHRYN BIGELOW - 2017

Pelo fim do racismo e dos racistas Crítica de Marco Fialho Aviso: essa crítica contém spoiler! A diretora Kathryn Bigelow vem se especializando em criar ambientes de grande tensão nos seus filmes, basta conferir seus últimos dois trabalhos, "Guerra ao Terror" (2008) e "A Hora Mais Escura" (2012). Agora em "Detroit em Rebelião" ela consegue não só reafirmar esse grau de tensão como acrescenta a ele um dado documental fantástico à sua narrativa. A montagem pensada merece uma menção especial, pelo fato dela conseguir desenhar uma estrutura impressionante, que parte do geral até focar em alguns personagens. Numa primeira e longa parte do filme somos então arremessados a fórceps pela diretora para dentro das rebeliões, que estão inseridas na verdade na luta dos afro-americanos pelos direitos civis, ocorridas em Detroit no ano de 1967. Assim durante bons minutos somos tomados pelos acontecimentos em si, enquanto ficamos tentando entender quais

NA PRAIA À NOITE SOZINHA - Direção de Hong Sang-Soo

A PRAIA, A ATRIZ, A MESA, O ÁLCOOL E O AMOR   Texto de Marco Fialho Em um filme de Hong Sang-soo tudo que nos é mostrado na tela parece trivial e banal, beirando mesmo ao casual. Só que não. Sua proposta estética é sempre muito trabalhada para que tudo apenas aparente ser de uma simplicidade que beira o sem-graça. Em “Na Praia à Noite Sozinha” ele pega pesado nesse aspecto. Todas as cenas praticamente são construídas a partir de conversas, quase todas em volta de uma mesa, seja em um bar, uma cafeteria ou na casa de algum personagem. O filme se divide em duas partes, uma passada na Alemanha, outra numa praia da Coreia do Sul, distante de Seul. Sang-soo é mesmo chegado em estruturas narrativas divididas em partes e assim ele constrói seu estilo inconfundível. O tom empregado em seus filmes também se assemelham, o de rir da grande comédia que somos, de aceitarmos, apesar de adultos, o patético como inerente de nossas existências. Outro traço marcante de sua filmografia e pr

O FANTASMA DA SICÍLIA - Fabio Grassadonia e Antonio Piazza

A MÁFIA E O ENRAIZAMENTO DA DOR Crítica de Marco Fialho Mais do que ser um filme sobre a máfia, “O Fantasma da Sicília” é um filme sobre a dor enraizada pela permanência da máfia na sociedade italiana, por isso o que menos vemos nas imagens são os os próprios mafiosos, na verdade eles mal se constituem para nós espectadores como personagens no filme. Essa pode ser considerada a parte mais original dessa intrigante obra. O que importa aqui é de como a persistência da máfia na Sicília interferiu no cotidiano e na própria constituição psíquica de seus personagens. Melhor do que mostrar a brutalidade explícita dos mafiosos (apesar dela estar também na história), já tão banalizada em diversos filmes do gênero, os diretores preferem centralizar sua história na paixão interdita dos adolescentes Luna e Giuseppe, mostrando como essa violência da máfia envenena as entranhas de qualquer laço familiar ou social. A máfia está sempre ali no filme, com seu pote de veneno a macular, ape