Pular para o conteúdo principal

CONTO DE FADAS (2023) Dir. Aleksandr Sokurov


Texto de Marco Fialho

"Conto de Fadas" é o mais novo trabalho do cineasta russo Aleksandr Sokurov. Apesar do título sugerir algo no mundo da fantasia romântica, o que vemos em si são personagens históricos como Hitler, Stálin, Mussolini, Jesus Cristo e Churchill vagando pelo purgatório, em uma referência direta à obra de Dante Alighieri. Falar de grandes nomes da história não deixa de ser uma marca de Sokurov como cineasta, basta pensar nas obras que fez a partir de Hitler, Hiroito e outros.        

O filme do mestre russo se utiliza da tecnologia deep fake, que se aproveita de imagens de arquivo para simular novas situações, fazendo personagens já mortos moverem a boca, parecendo estar em uma conversa. Assim, vemos Stálin falando em um caixão, enquanto Cristo responde numa mesma perspectiva, igualmente deitado a conversar com o líder russo. As conversas que se seguem com os outros líderes não passam de trocas de alfinetadas, que tentam provocar um humor que soa sem graça.  

"Conto de fadas" se assenta em imagens funestas e artificiais em preto e branco, que formam um fundo, um tipo de animação que se esforça em construir edificações e multidões visivelmente falsas, enquanto em um primeiro plano vemos os personagens duros meio que vagando a proferirem insultos mútuos.   

No todo, as conversas não são lá muito profundas, não estão sustentadas por ideias ou ideais, apenas mais do mesmo desses célebres personagens da política mundial. Essas conversas soam vagas, frágeis e ficam dispersas ao léu da artificialidade que o filme proclama e poderíamos dizer até defasadas, tal como são estruturadas.

Se do ponto de vista técnico o começo de "Conto de Fadas" impressiona, afinal levamos um susto ao ver as figuras icónicas trocando farpas sob um ambiente etéreo, e até há uma beleza nesse todo, com o decorrer da trama pouca coisa acontece, o que torna o filme difícil de se sustentar. Portanto, não sobra texto, imagem ou qualquer outro artifício que o mantenha em pé, a não ser um formalismo vazio com figuras públicas para lá de conhecidas, historicamente situadas no século XX, perambulando a esmo, mas sem muito a proferir algo de interessante ou reflexivo acerca do nosso mundo do século XXI.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CINEFIALHO - 2024 EM 100 FILMES

           C I N E F I A L H O - 2 0 2 4 E M  1 0 0 F I L M E S   Pela primeira vez faço uma lista tão extensa, com 100 filmes. Mas não são 100 filmes aleatórios, o que os une são as salas de cinema. Creio que 2024 tenha sido, dos últimos anos, o mais transformador, por marcar o início de uma reconexão do público (seja lá o que se entende por isso) com o espaço físico do cinema, com o rito (por mais que o celular e as conversas de sala de estar ainda poluam essa retomada) de assistir um filme na tela grande. Apenas um filme da lista (eu amo exceções) não foi exibido no circuito brasileiro de salas de cinema, o de Clint Eastwood ( Jurado Nº 2 ). Até como uma forma de protesto e respeito, me reservei ao direito de pô-lo aqui. Como um diretor com a importância dele, não teve seu filme exibido na tela grande, indo direto para o streaming? Ainda mais que até os streamings hoje já veem a possibilidade positiva de lançar o filme antes no cinema, inclusiv...

AINDA ESTOU AQUI (2024) Dir. Walter Salles

Texto por Marco Fialho Tem filmes que antes de tudo se estabelecem como vetores simbólicos e mais do que falar de uma época, talvez suas forças advenham de um forte diálogo com o tempo presente. Para mim, é o caso de Ainda Estou Aqui , de Walter Salles, representante do Brasil na corrida do Oscar 2025. Há no Brasil de hoje uma energia estranha, vinda de setores que entoam uma espécie de canto do cisne da época mais terrível do Brasil contemporâneo: a do regime ditatorial civil e militar (1964-85). Esse é o diálogo que Walter estabelece ao trazer para o cinema uma sensível história baseada no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. Logo na primeira cena Walter Salles mostra ao que veio. A personagem Eunice (Fernanda Torres) está no mar, bem longe da costa, nadando e relaxando, como aparece também em outras cenas do filme. Mas como um prenúncio, sua paz é perturbada pelo som desconfortável de um helicóptero do exército, que rasga o céu do Leblon em um vôo rasante e ameaçador pela praia. ...

BANDIDA: A NÚMERO UM

Texto de Marco Fialho Logo que inicia o filme Bandida: A Número Um , a primeira impressão que tive foi a de que vinha mais um "favela movie " para conta do cinema brasileiro. Mas depois de transcorrido mais de uma hora de filme, a sensação continuou a mesma. Sim, Bandida: A Número Um é desnecessariamente mais uma obra defasada realizada na terceira década do Século XXI, um filme com cara de vinte anos atrás, e não precisava, pois a história em si poderia ter buscado caminhos narrativos mais criativos e originais, afinal, não é todo dia que temos à disposição um roteiro calcado na história de uma mulher poderosa no mundo do crime.     O diretor João Wainer realiza seu filme a partir do livro A Número Um, de Raquel de Oliveira, em que a autora narra a sua própria história como a primeira dama do tráfico no Morro do Vidigal. A ex-BBB Maria Bomani interpreta muito bem essa mulher forte que conseguiu se impor com inteligência e força perante uma conjuntura do crime inteir...