Pular para o conteúdo principal

O PIOR VIZINHO DO MUNDO (2022) Dir. Marc Forster


Uma narrativa mais chata do que o personagem

Texto de Marco Fialho

Tom Hanks é um tipo de ator da estirpe de um James Stewart e Cary Grant, uma mistura de carisma e técnica apurada na interpretação. Mas lembrando que esses atores de outrora trabalharam sob os auspícios de diretores do calibre de um Capra, Hitchcock, Hawks, que brigavam muito com os estúdios pelas suas histórias e abordagens. Hoje, com exceção de alguns medalhões como Spielberg, PTA, Scorsese, Coppola e poucos outros, me parece que no geral os diretores são mais permissivos às interferências e pressões de produtores e afins, interessados mais no lucro dos filmes do que dar liberdade aos criadores. Ou será que o que temos hoje é uma escola que impulsiona os roteiristas e diretores para fórmulas de sucesso? Enquanto pensamos sobre essas perguntas, vamos nos direcionar ao que interessa aqui, que é analisar o último filme de Tom Hanks.

"O pior vizinho do mundo" é uma adaptação hollywoodiana do filme sueco "Um homem chamado Ove" (2015), um tipo de iniciativa bem comum de uns tempos para cá, de pegar um sucesso de um filme europeu ou asiático e trazê-lo para ser filmado nos Estados Unidos, com o triplo de recursos do original, mas normalmente o simplificando ou o banalizando. Infelizmente, é o que acontece com mais essa adaptação. Nem um ator com a magnitude de Tom Hanks consegue a proeza de salva-lo de um enorme tombo.  


A história desse homem carrancudo, altamente disciplinado, disposto a julgar tudo e a todos por meio de sua lente exigente, tem lá a sua graça pela presença sempre perfeita de Hanks como o rabugento Otto, mas milagre é algo que os atores não conseguem ainda fazer. O apelo melodramático, a pieguice, e a compulsão hollywoodiana por extrair uma moral da história a todo o custo, torna tudo bastante insuportável quase que a todo instante.

A cada nova cena, "O pior vizinho do mundo" vai ganhando elementos narrativos duvidosos, o que vai o situando como um filme bem abaixo da média, entre uma comédia sem graça e um dramalhão insosso. O que a presença luminosa de Hanks faz é acentuar os deslizes narrativos do diretor Marc Forster (A Última ceia). De início não sabemos as motivações que levaram o personagem Otto a tornar-se tão excessivamente rabugento, e até então o filme é suportável, mas quando o diretor resolve ir mostrando o triste passado do personagem, o filme vai deslizando para um desfiladeiro sem fim, até se esborrachar por inteiro ao final. 


A nova vizinha parece que vai funcionar no enredo ao se esforçar em vencer as resistências do velho reclamão e dominado pelo TOC. Mas não tem jeito. Quando menos esperamos, novamente o ambiente familiar dela, com os filhos e drama do marido, vão despertando um enjoo incontrolável, pela forma piegas na qual o diretor conduz cada cena. Hollywood tem milhares de filmes assim, no estilo edificante, que mostram o quanto podemos reverter as adversidades e tal. Assistir a mais desse mesmo realmente incomoda demais. Por que não mostrar esse sujeito em sua integridade, que precisa continuar a viver apesar da dor do passado, ao invés de mostra-lo como um exemplo a ser seguido por todos?

O moralismo, a indulgência, a banalidade, somados à música apelativa, à vontade de querer emocionar a todo o custo são estratégias já batidas e que o público mais esperto não quer mais experenciar. Tom Hanks merecia um diretor à altura do seu talento, como aliás felizmente já teve no passado. "O pior vizinho do mundo" não chega a ser o seu pior filme, mas infelizmente está longe de ser um filme à altura da capacidade artística do ator.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CINEFIALHO - 2024 EM 100 FILMES

           C I N E F I A L H O - 2 0 2 4 E M  1 0 0 F I L M E S   Pela primeira vez faço uma lista tão extensa, com 100 filmes. Mas não são 100 filmes aleatórios, o que os une são as salas de cinema. Creio que 2024 tenha sido, dos últimos anos, o mais transformador, por marcar o início de uma reconexão do público (seja lá o que se entende por isso) com o espaço físico do cinema, com o rito (por mais que o celular e as conversas de sala de estar ainda poluam essa retomada) de assistir um filme na tela grande. Apenas um filme da lista (eu amo exceções) não foi exibido no circuito brasileiro de salas de cinema, o de Clint Eastwood ( Jurado Nº 2 ). Até como uma forma de protesto e respeito, me reservei ao direito de pô-lo aqui. Como um diretor com a importância dele, não teve seu filme exibido na tela grande, indo direto para o streaming? Ainda mais que até os streamings hoje já veem a possibilidade positiva de lançar o filme antes no cinema, inclusiv...

AINDA ESTOU AQUI (2024) Dir. Walter Salles

Texto por Marco Fialho Tem filmes que antes de tudo se estabelecem como vetores simbólicos e mais do que falar de uma época, talvez suas forças advenham de um forte diálogo com o tempo presente. Para mim, é o caso de Ainda Estou Aqui , de Walter Salles, representante do Brasil na corrida do Oscar 2025. Há no Brasil de hoje uma energia estranha, vinda de setores que entoam uma espécie de canto do cisne da época mais terrível do Brasil contemporâneo: a do regime ditatorial civil e militar (1964-85). Esse é o diálogo que Walter estabelece ao trazer para o cinema uma sensível história baseada no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. Logo na primeira cena Walter Salles mostra ao que veio. A personagem Eunice (Fernanda Torres) está no mar, bem longe da costa, nadando e relaxando, como aparece também em outras cenas do filme. Mas como um prenúncio, sua paz é perturbada pelo som desconfortável de um helicóptero do exército, que rasga o céu do Leblon em um vôo rasante e ameaçador pela praia. ...

BANDIDA: A NÚMERO UM

Texto de Marco Fialho Logo que inicia o filme Bandida: A Número Um , a primeira impressão que tive foi a de que vinha mais um "favela movie " para conta do cinema brasileiro. Mas depois de transcorrido mais de uma hora de filme, a sensação continuou a mesma. Sim, Bandida: A Número Um é desnecessariamente mais uma obra defasada realizada na terceira década do Século XXI, um filme com cara de vinte anos atrás, e não precisava, pois a história em si poderia ter buscado caminhos narrativos mais criativos e originais, afinal, não é todo dia que temos à disposição um roteiro calcado na história de uma mulher poderosa no mundo do crime.     O diretor João Wainer realiza seu filme a partir do livro A Número Um, de Raquel de Oliveira, em que a autora narra a sua própria história como a primeira dama do tráfico no Morro do Vidigal. A ex-BBB Maria Bomani interpreta muito bem essa mulher forte que conseguiu se impor com inteligência e força perante uma conjuntura do crime inteir...