Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de março, 2023

JOHN WICK 4 - BABA YAGA (2023) Dir. Chad Stahelski

Enxergar para além do show das luzes e do som Texto de Marco Fialho Assistir a "John Wick 4 - Baba Yaga" realmente pode ser descrito como uma experiência à parte. Não tem como negar que ali há um espetáculo, pelo menos um tipo de espetáculo. A mim ficava ecoando uma velha pergunta, aquela mesma que Andre Bazin pensou há mais ou menos setenta anos atrás: o que é cinema? Pode um filme como "Il buco", de Michelangelo Frammartino, ser nomeado com o mesmo nome que "John Wick 4 - Baba Yaga" dado as imensas distâncias de concepções narrativas e princípios entre os dois universos? Nota-se que eu nomeio aqui de universo, mas poderia ser algo cinematograficamente mais específico, dado ao imenso fosso que separa esses filmes. E um dado que agrava mais ainda essa discussão: ambos os diretores nasceram no mesmo ano (1968), embora em países diferentes. Chad Stahelski é o típico artesão da indústria hollywoodiana, trabalhou como dublê e como diretor em diversas unidades

MEMÓRIA SUFOCADA (2023) Dir. Gabriel Di Giacomo

Para não esquecer jamais  "Olho aberto ouvido atento / E a cabeça no lugar / Cala a boca moço / Do canto da boca escorre / Metade do meu cantar / Cala a boca moço / Eis o lixo do meu canto que é permitido escutar / Cala a boca moço / Fala! "  Início da canção "Calabouço", de Sergio Ricardo, que encerra o filme "Memória sufocada" Texto de Marco Fialho "Memória sufocada" trata da articulação entre DOI-CODI e as torturas ocorridas no Brasil durante a ditadura militar nos anos pós AI-5. O filme parte do julgamento do Coronel Ustra durante a Comissão da Verdade e mostra o Governo Bolsonaro como continuador do processo instaurado na ditadura. Esse laço entre passado e presente é um dos pontos mais interessantes do filme, que mostra como a anistia deflagrada em 1979, e reafirmada pelo STF em 2010, abriu caminho para a volta de muitos dos principais agentes ligados à tortura.  O documentário vai passeando pelo tempo e revelando esses elos temporais. Inte

NOITES ALIENÍGENAS (2022) Dir. Sergio de Carvalho

Os alienígenas do Acre Texto de Marco Fialho "Noites alienígenas" até fala de um outro planeta, o seu nome é Acre. É desse "planeta" que vem a primeira ficção de longa-metragem do Estado. O interessante é como o diretor Sergio de Carvalho analisa a violência do tráfico de drogas entre a juventude de uma maneira muito particular, sem esquecer da influência xamânica indígena presente na cultura dos Estados do Norte do Brasil e reverenciando a força imagética dessa parte do país bastante esquecida pelo nossos cineastas.  O filme vai apresentando pacientemente os personagens, um a um, salientando sempre as suas características mais latentes para o enredo. O viciado enfeitiçado, o jovem traficante e sua mãe em busca de diversão, a jovem garçonete que já tem um filho para criar, uma cantora da noite trans e um velho hippie que vive do tráfico de drogas. Pode-se até questionar que se perde aqui e ali algo de aprofundamento por essa profusão de personagens, e isso é mesmo u

UM CORPO QUE CAI (1958) Dir. Alfred Hitchcock

Texto de Marco Fialho Hitchcock e a demolição da crença na imagem  Jean-Luc Godard certa vez disse que Alfred Hitchcock era um artista voltado mais para o cinema do que para o humano. "Um corpo que cai", filme de 1958 do mestre inglês, comprova indelevelmente essa ideia. Qualquer pessoa pode definir esta obra como a história de um homem que sofre de acrofobia (medo de altura), contratado como detetive por um amigo de infância para seguir a sua mulher e fica alucinado de paixão por essa mulher, e que ao final cai em uma armadilha preparada pelo amigo. Essa é uma sinopse realmente factível a ser dita sobre o filme, mas ela apenas mostra para quem assiste o quanto esta é uma obra rara, e que a tal sinopse não passa de um elemento enganador ou redutor do que acontece na tela. Não casualmente, "Um corpo que cai" é apontada como crucial na história, pois nela concentra-se a própria natureza essencial do cinema: o princípio básico da ilusão da imagem.  O que o personagem J

HOLY SPIDER (2022) Dir. Ali Abassi

Como combater os preconceitos? "Holy Spider" e a escolha de algumas estratégias equivocadas "Holy Spider" consegue misturar em seu enredo o filme de serial killer, típico e popular na cultura cinematográfica de Hollywood e o filme de crítica social, bem comum no cinema do Irã. Ali Abassi, diretor do inusitado "Border" (2018), aqui caminha mais pela narrativa realista ao basear sua história em um caso real ocorrido no Irã.  O personagem do serial killer Saeed (Mehdi Bajestani) é um cidadão aparentemente comum, casado e com dois filhos, mas fanatizado pelo fundamentalismo religioso, que não consegue lidar com as contradições sociais do regime que defende.  A maior questão do filme de Ali Abassi é mostrar que todas as prostitutas estão nessa para não passar fome, o que acaba por envolver também um julgamento moral sobre essas profissionais, como que quisesse justificar o ofício delas pela necessidade. Essa é uma questão certamente delicada, mas que precisa se

O PIOR VIZINHO DO MUNDO (2022) Dir. Marc Forster

Uma narrativa mais chata do que o personagem Texto de Marco Fialho Tom Hanks é um tipo de ator da estirpe de um James Stewart e Cary Grant, uma mistura de carisma e técnica apurada na interpretação. Mas lembrando que esses atores de outrora trabalharam sob os auspícios de diretores do calibre de um Capra, Hitchcock, Hawks, que brigavam muito com os estúdios pelas suas histórias e abordagens. Hoje, com exceção de alguns medalhões como Spielberg, PTA, Scorsese, Coppola e poucos outros, me parece que no geral os diretores são mais permissivos às interferências e pressões de produtores e afins, interessados mais no lucro dos filmes do que dar liberdade aos criadores. Ou será que o que temos hoje é uma escola que impulsiona os roteiristas e diretores para fórmulas de sucesso? Enquanto pensamos sobre essas perguntas, vamos nos direcionar ao que interessa aqui, que é analisar o último filme de Tom Hanks. "O pior vizinho do mundo" é uma adaptação hollywoodiana do filme sueco "Um

ENTRE MULHERES (2022) Dir. Sarah Polley

Uma potência desvanecida pelo roteiro    Texto de Marco Fialho Pensa em um filme que expõe a opressão e a violência patriarcal sobre todas as mulheres de um pequeno povoado rural nos dias de hoje? Essa é a saga de "Entre mulheres", com direção da Sarah Polley (Entre o amor e a razão). O filme é um dos 10 indicados a melhor filme no Oscar 2023.  No enredo, um grupo de mulheres de uma pequena comunidade menonita trocam informações entre si por terem certeza que durante à noite elas estão sendo dopadas pelos homens menonitas, que se aproveitam do estado alterado delas para as estuprarem.  Polley expõe a trama por um viés feminista mostrando apenas essas mulheres conversando entre si, ficando os homens excluídos (apenas o jovem August é permitido, por ser filho de uma que já morreu, mas mesmo assim para somente escrever a ata das reuniões) do filme, pois é a hora das mulheres discutirem as agressões sofridas justamente por uma sociedade opressora patriarcal.  "Entre mulheres

MURIBECA (2023) Dir. Alcione Ferreira e Camilo Soares

A memória como derrota Texto de Marco Fialho "Muribeca" é um documentário que exala tristeza em cada frame. Ele trata de um imenso bairro, dominado por um imenso conjunto habitacional, situado em Jaboatão dos Guararapes, região metropolitana de Recife, onde moravam milhares de famílias até que a Defesa Civil condenou as estruturas de vários prédios, provocando uma debandada da população e proporcionando a decadência total e a quase extinção do bairro, embora o filme ainda registre alguns resistentes moradores que lutam para recuperar o bairro.  Como bem define uma das moradoras, aqui, hoje, "é um cemitério com gente viva." O filme resgata histórias e memórias fantásticas de coletividade, de festividades e solidariedade vividas naquele bairro. A melancolia predomina durante todo o documentário, uma certeza de que a vida que ali fluiu agora está morta e jamais será refeita.  Embora algumas performances artísticas se alonguem por demasia, impactando no ritmo do filme,

CLOSE (2022) Dir. Lukas Dhont

Silêncios reveladores Texto de Marco Fialho "Close" esbanja sensibilidade ao tratar temas socialmente espinhosos, como a das relações amorosas e sexuais na adolescência, do suicídio, do bullying, da culpa e da busca desesperada pelo perdão, mesmo quando este sequer seja necessário de ser pedido.  O diretor Lukas Dhont acerta ao escolher narrar a história de Leo (Eden Dambrine, que ator!!) e Remi (Gustav De Waele) pelo olhar carinhoso de Leo. As interpretações delicadas são fundamentais para o êxito deste filme, assim como a direção de Dhont sempre atenta e respeitosa com o tempo de cada personagem. Em algumas cenas o silêncio rouba a cena e garante a afetividade dos sentimentos. Se do ponto de vista cinematográfico o filme é simples, sem floreios e grandes impactos, do ponto de vista narrativo há uma fluência a nos cativar em uma história densa e perpassada por um rigoroso senso de observação. Cada olhar dos atores dizem toneladas de coisas e olha que esses olhares abundam. 

RIO, NEGRO (2023) Dir. Fernando Sousa e Gabriel Barbosa

Conteúdo fundamental com formato esquemático Texto de Marco Fialho O documentário "Rio, negro" traz uma temática fundamental para se melhor entender a cultura não só carioca como brasileira, retomando discussões acerca da participação da população preta na história do país. Uma pena que os diretores Fernando Sousa e Gabriel Barbosa tenham sido tão esquemáticos na abordagem do filme. Inúmeras entrevistas que se seguem ininterruptamente obedecem todas a um mesmo padrão tanto no aspecto cinematográfico (iniciando sempre com a voz em off para depois passar para plano-detalhe nas roupas e só depois revelar os rostos dos entrevistados) quanto no cenário, sempre o mesmo (por mais que entendamos que o espaço do museu foi uma opção cultural importante para a narrativa).  Ainda que "Rio, negro" traga depoimentos expressivos sobre o tema, vindo de autoridades e estudiosos da cultura e eles sejam em sua maioria pretos (Helena Theodoro, Tainá de Paula, Vinícius Natal, Haroldo Co