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Mostrando postagens de setembro, 2022

O LIVRO DOS PRAZERES (2021) Direção Marcela Lordy

Um precioso documento sobre a alma feminina Texto de Marco Fialho Os filmes nos seduzem por motivos diferentes. Cada um possui um imã específico. No caso de "O Livro dos Prazeres", dirigido por Marcela Lordy, o que nos faz ficar grudado na tela é a presença da atriz Simone Spoladore. Quanto mistério há no olhar dessa atriz extraordinária. Uma pena o Brasil não reconhecer o gigantismo de seu trabalho e a prova disso está nas pouquíssimas salas disponíveis para assistir a um filme protagonizado por Spoladore. E olha que "O Livro dos Prazeres" é uma adaptação da obra "Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres" de Clarice Lispector, uma das escritoras mais prestigiadas da literatura brasileira, o que já devia garantir uma grande distribuição ao filme.  Mas não é à toa que Simone Spoladore brilha tanto em "O Livro dos Prazeres", pois esse trabalho é um típico caso de filme de personagem que depende muito do desempenho da protagonista para que ele funci

A MULHER REI (2022) Direção Gina Prince-Bythewood

Guerreando com a história Texto de Marco Fialho "A Mulher Rei" foi um filme que me dividiu bastante. Tem momentos surpreendentes e uma realização fantástica, em especial como um filme de aventura bem azeitado, claro, tendo como referência um modelo clássico de cinema na narrativa, na dramaturgia, porém sem a necessidade daquela enxurrada de artificialismo no uso do  chroma key cada vez mais banalizada pela indústria hollywoodiana. Há um empoderamento feminino precioso de mulheres heroicas, guerreiras mesmo, embora sem perder jamais a ternura, o que é mesmo salutar e digno de nota. Fora a presença sempre luminosa e competente de Viola Davis, uma atriz que entrega tudo e um pouco mais em seus trabalhos. Mas vou registrar também, ao longo do texto, algumas reflexões críticas acerca da estrutura da obra. O viés histórico escolhido pela diretora Gina Prince-Bythewood é louvável por ressaltar um momento histórico onde as populações negras escravizadas sofreram com a barbárie europe

MÚSICAS QUE HABITAM EM MIM - Nº 7 - Belchior (Como o diabo gosta)

Link para ouvir o LP Alucinação (1976):  https://youtu.be/eZLnswWwZvc Uma juventude como o diabo gosta  Texto de Marco Fialho A Marcelo Biar ( in memoriam ) e Nieta Infelizmente, Belchior chegou tarde em minha vida. Engraçado como até os meados dos anos 1990 eu nunca ter me sensibilizado verdadeiramente por ele. Foi um casal de amigos de longa data e repleto de histórias em comum, Marcelo Biar e Nieta Carvalho, que realmente me apresentaram a Belchior, quando depois de alguma insistência me convenceram a parar e ouvir. Era um CD de um show chamado "Um concerto bárbaro: acústico ao vivo" (1995). Basicamente, o CD continha interpretações livres, ao violão, de alguns de seus sucessos. Ali eu comecei um interesse tardio nesse que se tornou para mim uma referência não só dentro da música, mas como um mestre do pensamento libertário que tanto me apraz e vem permeando a minha existência. Evidente que depois dessa primeira experiência vulcânica vieram tantas outras, e até hoje, ouvir

IVAN, O TERRIRVEL (2022) Direção de Mario Abbade

Um manifesto pelo prazer de filmar Texto de Marco Fialho Tem documentários que são tão relevantes para a cultura do nosso país, que eles reafirmam e ampliam a necessidade da ideia de patrimônio. "Ivan, o terrirvel" se alinha nesse sentido ao juntar um material farto, muitos deles inéditos do cineasta Ivan Cardoso. Em um país onde a memória caminha em companhia das traças, o diretor Mario Abbade (o mesmo do recente "Neville D'Almeida: cronista da beleza e do caos" - 2018) se utiliza de um rico material de arquivo para tecer uma história para além do personagem retratado ao entrelaça-lo com outros importantes nomes da arte brasileira, expandindo o filme para lugares que remetem ao sonho. "Ivan, o terrirvel" é um manifesto por um cinema maldito relegado ao esquecimento pelo mercado, sem espaço no circuito comercial, ontem e hoje, basta ver que este documentário importantíssimo está disponível em apenas um cinema, em uma única sessão, às 13h30, um escárnio

ENCONTROS (2021) Direção Hong Sang-Soo

O ciclo poético dos desencontros da vida contemporânea Texto de Marco Fialho O ritmo de criação e produção do cineasta sul-coreano Hong Sang-Soo impressiona, assim como a coerência entre elas, sem falar que a quantidade não abala a qualidade das obras realizadas. Outra questão a relevar é o traço autoral, a facilidade que temos de identificar um filme do diretor. Normalmente, as obras partem de abordagens do cotidiano de personagens, muitos deles, vindos do próprio cinema, como diretores, atores e atrizes, o que suscita uma reflexão metalinguística fascinante e densa, apesar de chegar sempre com a devida leveza no espectador. "Encontros", seu trabalho mais recente a ser exibido comercialmente no Brasil, não é diferente, tudo soa tão íntimo e logo nos apegamos em alguns personagens. Entretanto, não se deve esperar de um enredo de Sang-Soo algo impactante nem tampouco com uma ação desenfreada. No seu mundo, tudo transcorre aparentemente tão sem graça quanto nos apresenta à vida

CURTAS JORNADAS NOITE ADENTRO

Desde que o samba é samba  Texto de Marco Fialho Quem conheceu Thiago B. Mendonça vendo o seu engajadíssimo filme político "Jovens infelizes ou um homem que grita não é um urso", ganhador do Troféu Aurora na Mostra de Cinema de Tiradentes, em 2016, fatalmente vai estranhar "Curtas jornadas noite adentro", mergulho afetivo que o diretor realiza no recente samba paulistano. A verve aqui realmente é outra, com Thiago discutindo a difícil tarefa de formar um grupo de samba e viver disso.  Durante todo o filme, vemos os componentes do ficcional grupo Zagaia se dividirem entre a necessidade de manter empregos que não os fazem felizes e vibrantes ensaios e shows que quase sempre beiram o decepcionante. Assim Thiago B. Mendonça vai construindo sua mise-en-scène, filmando personagens macambúzios, com uma câmera estática e sem graça em seus empregos, enquanto inversamente, flagra os mesmos personagens com uma câmera libérrima a registrar músicos radiantes e plenos pela noite