Texto de Marco Fialho
"Totem", filme mexicano dirigido com maestria pela cineasta Lila Avilés é uma joia que nos chega pelas mãos do Festival do Rio 2023. Essa é uma obra em que a diretora sabe construir cena a cena as emoções de uma história de maneira crescente, pois há um cuidado nos pequenos sinais que a direção não deixa escapar. "Totem" saiu do Festival de Berlim com o prêmio ecumênico, dado pelo júri oficial.
O filme se passa em um único dia, o que talvez seja o último aniversário de Tona, um jovem artista que tem uma filha chamada Sol. Lila Avilés desenha o filme com o olhar de Sol, uma menina triste que está confusa com o mundo e prestes a perder o pai, que está se cuidando na casa da sua família pelas irmãs. O mais interessante no enredo é como a diretora nos mostra a incomum família de Sol. Suas tias são umas figuras e chamam a atenção pelo transbordamento de afetos que cultivam entre os membros da família.
Na preparação da festa, as personalidades de todos e todas vem à tona. Uma das tias chama uma rezadeira para benzer a casa e espantar maus espíritos, uma outra fala de terapia quântica, mas Tona tem um câncer terminal, daqueles que nem milagres podem salvar. A outra tia está em crise e mal consegue fazer um bolo para a festa do irmão e se encontra em permanente crise com a filha, um pouco mais nova do que Sol.
Algumas cenas são hilárias, em especial a da reza, outras são profundamente tocantes e sensíveis, como as finais. A câmera de Lila esbanja uma sensibilidade fora do comum, com seus planos em closes com uma câmera que embora em constante movimento, sempre em busca do afeto dos personagens, registra suas emoções à flor da pele e nos torna íntimos deles. A fotografia quente de Diego Tenorio presta um auxílio luxuoso para essa mise-en-scène tão bem pensada, tendo como ponto de partida os rostos emocionados de cada um dos personagens.
O roteiro e a direção aproveitam bem alguns detalhes, como o cuidado afetuoso do pai com um bonsai e o carinho de Sol com os caramujos. As perguntas de Sol também são um destaque, com suas dúvidas sobre o mistério da vida e das palavras. O filme se passa em um dia, mas ele será uma jornada profunda para Sol, um momento de aprendizado real e transformador, e de certa forma um renascimento.
A longa sequência da festa de aniversário de Tona é o coroamento narrativo de tudo que Lila Avilés plantou em cada cena que a precedeu. Cada cuidado, esforço e empenho para que aquele dia fosse inesquecível para todos. Ao final, fica uma aula sobre a vida, as relações humanas, as memórias que se solidificam pelo que podemos fazer enquanto estamos por aqui. Por isso, o filme é também sobre a construção da memória, sobre a permanência do tempo, do passado que o presente evoca e do presente que será uma memória.
Lila Avilés sabe trabalhar os detalhes dessas temporalidades e mostra o quanto as emoções são os pontos centrais dessas memórias. A cena da ópera com a encenação da filha e da mãe é o ápice de uma narrativa que sabe explorar e atualizar um dos estilos dramáticos que o México sempre privilegiou tão bem: o melodrama. Totem é uma aula sobre isso.
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