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O HOTEL ROYAL (2023) Dir. Kitty Green


Texto de Marco Fialho

"O Hotel Royal" é um filme feminista, bem construído sobre duas jovens amigas canadenses com espírito aventureiro, Hanna (Julia Garner) e Liv (Jessica Henwick), que vão tirar férias e aceitam um emprego para ajudar a bancar a diversão, em um longínquo hotel em uma região desértica e mineradora da Austrália, dominada por homens rústicos. 

Esse é apenas o mote para se contar a epopeia dessas duas jovens destemidas que vão em busca do perigo e do risco. O machismo estrutural está na base dessa história, pois os homens são antes de tudo violentos e olham as mulheres como objetos sexuais a serem exploradas. O clima de embriaguez completa o bar onde ambas terão que trabalhar e administrar uma fúria masculina incontrolável, fica sempre a impressão de que algo pode acontecer a qualquer instante. 

A história de "O Hotel Royal" vai rapidamente avançando para o precipício da loucura que essas mulheres terão que enfrentar. Entretanto, a direção de Kitty Green se apoia na sororidade dessas mulheres, em especial na força de Hanna, uma mulher aguerrida e disposta a tudo para defender a si mesmo e a Liv, mais fraca emocionalmente e também mais entregue à bebida. Os assédios a ambas são constantes e perturbadores, o que cria uma tensão permanente na história.

As cenas internas do bar são simbolicamente escuras e elas são muitas, com homens caindo pelo chão de tanto beberem. O clima soturno predomina, apesar de Kitty Green abusar dos cortes numa tentativa de salientar o ambiente de tensão e de muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo no bar. As atuações de Julia Garner e Jessica Henwick sustentam dramaticamente o filme ao dosar as cenas leves com as mais fortes emocionalmente. 

A diretora Kitty Green faz um bom uso da câmera, que se movimenta bem por dentro das cenas, sempre buscando ressaltar as reações emocionais dos personagens, mesmo que ela nunca se aproxime demais dos rostos das protagonistas. A montagem consegue equilibrar bem a narrativa, com cortes precisos que valorizam o raccord entre os planos. 

O interessante de "O Hotel Royal" é que o filme não se contenta em denunciar o machismo, mas sim mostrar duas mulheres empoderadas em ação afirmativa em puro enfrentamento a ele, que sabem o que querem e também o que não querem. O filme oferece uma câmera que mais do que se colocar disponível às protagonistas, as coloca em evidência, deixando elas brilharem de maneira explosiva.     

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