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ALÉM DO TEMPO (2022) Dir. Theu Boermans


Os percursos de uma dor 

Texto de Marco Fialho

No Brasil não chegam muitos filmes holandeses, "Além do tempo", do diretor Theu Boermans, é um dos que conseguiram a proeza de furar a bolha e ser lançado, mesmo que em uma única sessão. Infelizmente, o nosso atual circuito não está moleza, sorte para uns poucos e azar para a maioria dos filmes que ficam à margem. Mas os poucos que forem assistir a esse filme holandês podem até sair um pouco triste e com uma lágrima furtiva no rosto, porém não vão sair chateados com o filme. 

"Além do tempo" trata de um tema não só doloroso como também impossível de ser cicatrizado, embora o diretor Theu Boermans demonstre engenhosidade narrativa para não deixar seu filme descambar para os gestos exagerados ou até mesmo do melodrama. O filme é muito equilibrado em seus elementos, se pensarmos na montagem, na fotografia, no som, nas interpretações, nos movimentos de câmera, nos enquadramentos, nada sai dos eixos durante as quase duas horas do filme. Isso talvez seja o ponto forte do filme e revela igualmente a sua fraqueza, a ausência de risco. Podemos dizer que é uma obra academicamente bem resolvida.


Para manter esse padrão acadêmico, os planos escolhidos são os que possibilitam levar a história para frente, como os planos próximos e os médios, sem abrir mão dos planos gerais de situação. Visivelmente, todas as cenas foram pensadas para valorizar o trabalho dos atores, já que essa é uma história que depende muito da atuação deles. Talvez o único fato a ser salientado seja na caracterização dos atores jovens durante os anos 1970 e 80 e depois nos dias de hoje, 40 anos depois, com atores cujo tipo físico destoe consideravelmente. Fora isso, o filme passeia com harmonia por duas épocas distintas, sem perder a classe ou se desvirtuando, o que mostra a qualidade no desenvolvimento do roteiro. 

"Além do tempo" tem como mote seguir os rastros de uma dor profunda, de uma perda incomensurável, e o faz com uma construção dramatúrgica impressionante. Cada cena, vai sendo criada com o intuito de seguirmos o percurso dessa dor. Tudo é muito milimétrico para que vivamos a intensidade dessa dor, a maneira como ela vai se transformando nos personagens, mas sem jamais sair delas. Theu Boermans assim vai nos mergulhando junto com os personagens em seus dramas, escondendo dos espectadores informações importantes para a trama, que revelam como cada personagem precisou tomar caminhos diferentes para suportar suas dores. E tudo embalado pela música envolvente de Mozart.                      

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