Texto de Marco Fialho
Embora a história de "Culpa e Desejo" seja bem batida no cinema, a do envolvimento de uma mulher casada, por volta de seus 50, anos com um jovem, ali na casa dos 17 anos de idade, o filme da diretora Catherine Breillat possui uma grande solidez narrativa, com silêncios preciosos, interpretações consistentes e um roteiro muito bem alinhavado.
"Culpa e Desejo se constitui um ótimo exercício dramatúrgico ao explorar os desejos tanto do jovem Théo quanto de Anna, a madrasta. Apesar de estar lidando com tabus, Breillat abre uma investigação cuidadosa, pormenorizada dessa relação. Mais do que tratar simplesmente de uma traição, a diretora trata o caso como um encontro de duas solidões, de dois corpos carentes por atenção, em busca de fantasias e de emoções intensas. Mais do que o erotismo em si, o filme explora um sentimento de reciprocidade, de um afã desesperado por aceitação e amor.
Outro aspecto a ser pensado é a da liberação sexual de uma mulher madura, bem-sucedida como advogada justamente de menores violentados sexualmente. Breillat instaura um paradoxo, pois de repente Anna passa de acusadora de violadores a acusada de abusadora, como se passasse para o outro lado do balcão. Mas a diretora prefere tratar a questão por outro ângulo, depois de Anna aceitar um acordo judicial com o jovem para evitar um escândalo. A princípio, o filme consegue dividir as intenções. Ela querendo se livrar do escândalo, enquanto Théo planeja ainda se envolver com a madrasta.
"Culpa e Desejo" não é um filme sobre um escândalo, Breillat se recusa a isso, e sim uma obra sobre a luta por um desejo. Embora Anna seja a protagonista, quem movimenta a história é Théo com suas descobertas e seus impulsos jovens. Anna ´representa esse conflito entre a manter o bem-estar familiar e se deixar levar pelos desejos carnais. Breillat instaura o jogo, o quebra-cabeça em que Anna ficará dividida entre a manutenção da vida burguesa com o marido ou se deixar levar pelos instintos sexuais. Essa é a pulsão do filme, o que o mantem em pé até a última cena. Um dos elementos cinematográficos muito bem utilizados por Breillat é a profundidade de campo, com uma câmera sempre a capturar algo que está atrás e que amplia o sentido da cena dado no primeiro plano. Por isso, a câmera se movimenta pouco e bem devagar, para poder registrar tanto as emoções quanto a riqueza do quadro proposto.
Pode-se ainda, se fazer uma leitura feminista de "Culpa e Desejo", na medida que Anna aceita o jogo sexual de Théo e encampa suas necessidades carnais, mesmo que carregue consigo igualmente a culpa. Embora os altos padrões financeiros estejam presentes para lembrar que a plenitude da vida burguesa depende da manutenção das aparências, inclusive as conjugais. Fica a impressão ainda que a vida no campo parece induzir a liberalização dos desejos e aumenta a sensação de tédio e imobilidade da vida.
O mais bonito no filme, é o clima de melancolia que se implanta na parte final, a da certeza de que para se ter uma vida excitante é preciso abrir mão da estabilidade. A diretora se utiliza muito bem do álcool como um combustível poderoso para se delinear essa instabilidade. Fica ainda, ao final, uma sensação de esperança dos corpos, e o mais incrível é como Breillat nos faz cúmplices do prazer sexual desse casal improvável.
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