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Mostrando postagens de novembro, 2017

LOLA PATER - Direção de Nadir Moknèche

O desperdício de uma atriz fora-de-série Crítica de Marco Fialho A primeira referência que nos remete o filme “Lola Pater” é a do espanhol Pedro Almodóvar. Um filho em busca de um pai que ele pouco conviveu na infância, que abandonou o casamento para mudar de sexo e casar com uma lésbica. Parece mesmo, mas as semelhanças param por aí. O tom adotado pelo diretor Nadir Moknèche é bem mais sereno, um drama delicado e terno sobre relações familiares incomuns. O grande trunfo de “Lola Pater”, sem dúvida, é o talento de uma das grandes damas do cinema francês, Fanny Ardant, que faz a personagem-título. O desafio desse papel salta aos olhos, pois representar uma mulher que já foi homem não é uma tarefa fácil, mesmo para uma atriz de primeira grandeza, musa de tantos clássicos como “A Mulher ao Lado” (Truffaut) e “A Família” (Ettore Scolla). Justamente são os traços masculinos a maior dificuldade de dar vida a essa complexa Lola, e Fanny consegue edificar esse personagem com tod

MARIA: NÃO ESQUEÇA QUE EU VENHO DOS TRÓPICOS - Direção de Francisco C. Martins e Elisa Gomes

A força da beleza e da fúria de Maria Martins Crítica de Marco Fialho Tem filmes que nos mostram com precisão como somos relapsos com a nossa memória, em especial a que envolve os nossos artistas. “Maria” é um desses casos exemplares. E depois de assistir ao filme esse é o pensamento que vem imediatamente à cabeça: como nunca havíamos realmente dado o devido valor a essa impressionante artista e escultora chamada Maria Martins. Uma mulher brasileira e fantástica, que foi influenciada, e depois influenciou a vanguarda artística europeia, brasileira e norte-americana. Saí da sala de cinema ainda pensando em como o cinema proporciona momentos tão transformadores e possibilita não só o resgate de nomes esquecidos, mas também tem o poder de recolocar determinados artistas em um lugar que lhes são de direito. Só por isso, o filme “Maria”, dirigido por Francisco C. Martins e Elisa Gomes, já teria um papel de destaque na atual filmografia brasileira. Mas os seus acertos não param po

ANTES O TEMPO NÃO ACABAVA - Direção Sérgio Andrade e Fábio Baldo

Um corpo indócil Crítica de Marco Fialho A temática central de “Antes o Tempo Não Acabava” é a da identidade. E a cada nova cena essa questão vai tomando corpo no filme. E a escolha dos diretores Sérgio Andrade e Fábio Baldo em ter como protagonista um índio acentua e amplia essas discussões. E não se trata aqui de qualquer índio, o que vemos no filme é um ser em busca de seu lugar no mundo, por mais que haja sempre diversos obstáculos em seu caminho. Durante sua jornada vamos percebendo o quanto ele é um deslocado. E poderíamos até dizer mais exatamente que ele não cabe nesse mundo, ou seriam mundos, porque afinal nem o dos índios nem o dos brancos dão conta desse corpo indócil que se autoproclama Anderson. Será ele uma espécie de uma metáfora do índio contemporâneo? Em última instância, Anderson é um corpo que resiste, que não cabe em discursos prontos.    Pode-se dizer que “Antes o Tempo Não Acabava” é um filme sobre índios bem fora da curva. Nele o índio se coloca co

ERA UMA VEZ BRASÍLIA - Direção de Adirley Queirós

Somos todos seres de outro planeta Crítica de Marco Fialho “Miséria é miséria em qualquer canto Riquezas são diferentes Índio, mulato, preto, branco Miséria é miséria em qualquer canto”                                      Titãs - Miséria - autores Arnaldo Antunes, Paulo Miklos e Sérgio Brito Não tem jeito, as desigualdades igualam os homens, pelo menos os mais pobres. Tal como se insinua na letra de Arnaldo Antunes, miséria é miséria em qualquer canto, seja na Terra ou em qualquer outro planeta. Adirley Queirós é sem dúvida um dos que mais sabe disso e incorpora isso ao seu cinema. Podemos dizer que ele já parte desse enunciado ao adotar o ponto de vista de personagens periféricos, como se pode conferir em seu trabalho anterior, o emblemático “Branco Sai, Preto Fica” (2014). Sua escolha pelos excluídos é notória, em especial os negros, tanto os de Brasília, que moram na periférica Ceilândia quanto os que vêm de outros planetas, caso de WA4, personagem intergalácti

CAFÉ COM CANELA - Direção Ary Rosas e Glenda Nicácio

A arte do empoderamento Crítica de Marco Fialho Preciso começar essa fala com uma confissão: há tempos não assistia um filme tão pulsante quanto “Café Com Canela”, filme de Ary Rosa e Glenda Nicácio, vencedor do prêmio de roteiro e público no 50º Festival de Brasília. Sua popularidade é explicável. Esse carinho todo em relação ao filme se faz pelo grande poder de comunicação. “Café Com Canela” consegue ser afirmativo e afetivo perante aos temas que trabalha. Tudo nele é tão transparente e viçoso, de uma espontaneidade apaixonante. Uma obra escancaradamente baiana, brasileira, preta, musical, ancestral, alegre, e acima de tudo, empoderada. Mas muito do que fascina em ‘Café Com Canela” está em parte no elenco. Valdinéia Soriano, a Margarida, esbanja talento (já vem inclusive acumulando prêmios) e Alinne Brune, como Violeta, transborda carisma, uma preciosidade, descoberta pelos diretores. Ainda há a personagem da avó, presença sem fala, mas expressiva, da sambeira de roda de

A TRAMA - Direção de Laurent Cantet

A espessa nuvem que paira sobre a França Crítica de Marco Fialho *esse ensaio apresenta alguns spoillers. O novo filme do cineasta francês Laurent Cantet, “A Trama”, apesar de possuir mérito pela intenção de levantar temas relevantes, falha nas suas escolhas, em especial as de roteiro, que revelam muitos problemas na origem de sua concepção fílmica. Ele até consegue  criar camadas bem interessantes, como a da metalinguística, do trabalho social com jovens, da diferença entre classes sociais (no filme explicitado no antagonismo entre professora e alunos), da xenofobia, das propagação de ideias fascistas pelas mídias sociais, do avanço da extrema direita, do racismo, da atração física entre diferentes gerações, da apologia gratuita à violência, entre outras possíveis, mas abre tantas janelas e portas ao mesmo tempo que terminam prejudicando um maior aprofundamento dos temas levantados, não conseguindo sequer esboçar um painel reflexivo importante e propondo um desfecho por dem

O OUTRO LADO DA ESPERANÇA - Direção Aki Kaurismaki

O cinismo como estratégia de humor e de afronta aos poderosos Crítica de Marco Fialho A cada filme que realiza, o diretor finlandês Aki Kaurismaki mostra que é bem mais do que uma mera promessa vinda de um país distante e frio. Com boas obras no seu currículo, como “O Homem Sem Passado” (2001) e “O Porto” (2011), a maturidade artística parece ter sido alcançada nessa curiosa comédia social que é “O Outro Lado da Esperança” (2017). E Kaurismaki não é daqueles diretores dos mais produtivos, pelo contrário, seu ritmo tende mais para o sabático do que para uma engrenagem acelerada do tipo fordista. O leitmotiv desse seu novo filme, assim como em “O Porto”, também envolve o tema da imigração ilegal. Se antes a trama se passava na França e o refugiado era um menino africano, agora tudo se passa na própria Finlândia e o refugiado é um homem sírio, que foge da guerra genocida que atualmente grassa por lá. Mas ao invés de construir uma narrativa pesada, onde a denúncia pese tonelad

NO INTENSO AGORA - Direção de João Moreira Salles

“Nem sempre sabemos o que filmamos” Crítica de Marco Fialho A coragem e a ousadia talvez sejam a maior virtude do talentoso João Moreira Salles. A coragem, em especial, nos caminhos e estratégias escolhidos para seus projetos. Quem duvida basta ver “Notícias de uma Guerra Particular”, “Nelson Freire” e sua obra máxima, o surpreendente “Santiago”. Em “No Intenso Agora” não é diferente. João embrenha-se em um projeto cheio de desafios e camadas de sentido. O fato do filme ser prazeroso de ser visto não deve ser confundido com a complexidade de leitura que a obra exige.   Logo no início do filme ouvimos a frase “nem sempre sabemos o que filmamos”. Essa é a sentença e o mote que João perseguirá durante os 129 minutos de seu novo trabalho. E isso tudo não é gratuito, já que ele se utilizará somente de imagens de arquivo para poder desenvolver sua ideia acerca da natureza de quem filma. Mais uma vez João Moreira Salles nos entrega uma verdadeira teoria da imagem com seu “No In

VAZANTE - Direção de Daniela Thomas

A história que se esvai Crítica de Marco Fialho “Vazante” é o primeiro filme solo de Daniela Thomas. Depois de parcerias com Walter Salles em “Terra Estrangeira”, “Primeiro Dia” e “Linha de Passe”, e com Felipe Hirsch em “Ensolação”, ela discute dois temas atualíssimos, em um momento em que o debate hipócrita teima em jogá-los para debaixo do tapete, o da opressão à mulher e o dos negros escravizados no Brasil. A polêmica envolvendo o filme durante o Festival de Brasília, a essa altura, já é bastante conhecida em vídeos disponíveis na internet e em debates, entrevistas, matérias em revistas, redes sociais, enfim, está mais do que evidenciada. E ela é muito importante para a própria sanidade do país, pois esses são temas que devem ser tratados como de primeira ordem mesmo, e o cinema é um dos meios mais apropriados para trazer e levantar discussões relevantes da nossa história. “Vazante” tem esse mérito, o de possibilitar debates hoje prementes e inadiáveis.   Vamos

GABRIEL E A MONTANHA Direção de Fellipe Barbosa

A nossa viagem com Gabriel Crítica de Marco Fialho Logo na primeira cena de "Gabriel e a Montanha” já sabemos que o nosso protagonista morreu. Na verdade, antes mesmo de entrarmos na sala essa informação já estava dada. E esse procedimento revela muito sobre o filme, e as pretensões de Fellipe Barbosa em deixar claro de que o caminho nosso aqui na Terra está muito para além da nossa morte. E a história de Gabriel Buchmann, seu amigo de infância, é a sua maneira de nos explicitar isso. O filme bem que podia se chamar Gabriel e as montanhas, tal a vontade dele de ver o mundo sob essa perspectiva, a das alturas. Mas do que nunca esse é um filme de personagem, de mergulho absoluto na experiência dele e a tentativa de reconstruir um momento mais extremo de seu caminho no mundo. Aliás, essa é a própria lógica dos filmes de estrada, a da revelação do caminho e do desvendar sobre o mistério de viver nesse mundo. Afinal, o que viemos fazer neste planeta? Essa é a nossa grand

LAMPARINA DA AURORA - Direção de Frederico Machado

O fim do filho, o fim de tudo Crítica de Marco Fialho "Lamparina da Aurora" é um filme composto de apenas três personagens: um pai, uma mãe, ambos já idosos, e um filho. O clima do filme é de mistérios, nada nele está prontamente explicado, o espectador é chamado a juntar os diminutos elementos oferecidos pelo diretor Frederico Machado. Inicialmente a narrativa se apresenta como cíclica, marcada pela repetição de um cotidiano simples e austero, de acordar, trabalhar e jantar. Há um clima opressor dado por essa rotina, já que nada quase acontece nesse contexto diário. Mas à noite, horário em que a lamparina precisa ser acessa é que eles recebem a visita, aparentemente já esperada, do seu único filho, que depois descobrimos que já morreu faz tempo. Então é a partir desse prólogo que o tempo no filme é organizado, ou melhor, desorganizado, pois pela madrugada os pesadelos tornam-se recorrentes e o passado vem conviver com o presente. Não somos informados sobre o que é