Nosso nome é Chihiro
Texto de Marco Fialho
Todos que acompanham meus textos aqui no Cinefialho sabe o quanto é difícil ver filmes com o selo de produção Netflix me agradarem. Mas hoje preciso abrir uma exceção: "Meu nome é Chihiro", filme japonês intimista que se passa em uma pequena cidade litorânea. Somente os japoneses conseguem realizar obras como esta, marcadamente sutis, extremamente sensíveis e que batem lá no fundo da gente pelo enorme senso de humanidade que conseguem atingir. O filme é baseado numa série de mangá escrito por Hiroyuki Yasuda.
A personagem da jovem Aya, que prefere ser chamada de Chihiro (Kasumi Arimura), é fascinante, ela encanta desde a primeira a cena e nossa simpatia por ela só faz crescer, tamanha beleza que ela emana. "Meu nome é Chihiro" trata diretamente de relações humanas, a jovem Chihiro possui um dom para amizades e muito do que ela aprendeu veio do ofício de acompanhante que ela exerceu durante um tempo. O filme vai nos enfileirando personagens, todos sempre mediados pela amizade de Chihiro. O mais intrigante é que apesar da grande quantidade de personagens que vai aparecendo e se incorporando à história, o jovem diretor Rikiya Imaizumi conduz tudo com tanta paciência e sem correria que vamos nos familiarizando com todos e nos apegando a eles com rapidez.
Há na direção de Rikiya Imaizumi um visível requinte na escolha dos planos e dos enquadramentos, de tudo emana uma energia prazerosa, cada vez mais rara de encontrar nos cinemas mundo afora, em Hollywood nem se fala. A ternura da direção se espraia por Chihiro, mas não só, o carinho pelo humano e por contar a história é de uma sensibilidade tocante. Tem momentos magníficos de fotografia e de roteiro inesperado e expansivo, que vai ampliando sempre a história, porém sem jamais perder a noção de que Chihiro está ali para ser a personagem que aglutina e faz tudo girar em torno dela.
É bacana como Chihiro não luta contra o seu passado como prostituta, ela não esconde esse fato e até usa essa experiência para melhor trabalhar na pequena e familiar loja de bentô (que nada mais é do que uma maneira de se apresentar uma refeição no prato). Como é comum a gente ver nos filmes japoneses a cultura alimentar se entrelaçar ao enredo e de uma maneira orgânica, e o interessante é que tudo é tão diferente do ocidente, desde o preparo até a forma de comer, fora o prazer que esse povo tem para degustar os pratos. Imaizumi sabe valorizar em cada cena essa característica da culinária. Inclusive, é incrível a cena em que o dono da loja de bentô conta como contratou Chihiro para trabalhar, lhe dando uma bandeja de bentô para provar. Ele fica escondido e observa o prazer dela devorando a saborosa refeição. A cena é belamente singela e muito diz sobre o valor que os japoneses dão ao ato de comer.
Mas um dos pontos mais sedutores de "Meu nome é Chihiro" são os personagens cativantes que vamos nos defrontando no decorrer do filme. Tem Basil, a amiga prostituta; tem a estudante Okaji, uma jovem sufocada pelos pais; o temperamental e carente menino Makoto; os donos da loja de bentô, em especial a Dona Tae, que fica subitamente cega e Chihiro se aproxima muito dela; o ex-cliente de prostituição que afirma que todos viemos de outros planetas, mas não os mesmos; o mestre que mora na rua; Betchin, a estudante que raramente vai à escola e controla a biblioteca de mangá do mestre; o ex-chefe de Chihiro, Utsumi, que agora tem uma loja de criação de peixes. São todos personagens repletos de vida e histórias.
"Meu nome é Chihiro" nos toca pelo que tem de contemplativo e melancólico, que são características bem notórias da protagonista Chihiro. Percebe-se nela uma retidão e uma firmeza de caráter de quem sabe o que quer. Mas o que vai se revelando cena a cena é a enorme solidão de Chihiro, e a relação dela com a Dona Tae aos poucos descortina os seus sentimentos mais profundos. O momento em que elas estão no carro é uma das mais emocionantes do filme. Elas falam sobre a vida, a chuva, a maternidade e trocam um longo abraço. A interpretação dessas atrizes é algo de comovente, elas demonstram para mim o quanto entenderam o espírito do filme e flutuam cena a cena.
Sem sombra de dúvidas, são personagens inspiradoras, leves e melancólicas. Me lembrou daquele samba de Vinícius de Moraes em que ele diz que para fazer um samba é preciso um tanto de tristeza, senão não se faz um samba. Ao final, levamos esse filme conosco, a solidão dele (que pertence a todos nós), as amizades e a certeza de que somos do mesmo planeta de Chihiro.
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