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Mostrando postagens de maio, 2023

URUBUS (2023) Dir. Claudio Borrelli

Quando o espetáculo supera o realismo Texto de Marco Fialho "Urubus" tinha muitos elementos que poderiam levá-lo longe, mas infelizmente não é isso o que acontece. Apesar da produção ter esmero, uma fotografia muito bem elaborada, com cenas noturnas muito bem acabadas e boas atuações, o filme soa como ultrapassado em sua proposta realista ao refletir sobre o universo de um grupo de pichadores em São Paulo. A produção é do premiado diretor Fernando Meirelles, que tem uma visível influência em algumas sequências, como a da perseguição de um dos pichadores na favela, onde a montagem muito lembrou ao clássico "Cidade de Deus".   No todo, "Urubus" não deixa de ser um típico filme sobre uma cultura popular realizado por um realizador vindo das camadas médias da sociedade e isso fica visível em vários momentos da obra. O filme orbita em torno de um grupo de pichadores (os urubus) vindos da periferia da cidade e o encontro do líder deles, Trinchas (Gustavo Garcez)

TODA UMA NOITE (1982) Dir. Chantal Akerman

Performances pictóricas da arte do encontro e do desencontro Texto de Marco Fialho "Toda uma noite" (1982) é um dos filmes mais inusitados de Chantal Akerman. A obra aborda de maneira fragmentada diversas situações de relacionamentos numa uma única noite. Mais uma vez, Chantal investe em pouquíssimos diálogos e numa câmera quase sempre fixa. Ela mostra seu interesse em discutir as relações humanas, em especial, as idiossincrasias inerentes a elas. São encontros e muitos desencontros, uma das especialidades de Chantal.  Um dos destaques de "Toda uma noite" é a fotografia exuberante das cenas noturnas, de Caroline Champetier, que cria sombras que recortam personagens, objetos e cenários, em uma mise-en-scéne pictoricamente inspiradora, como se as imagens que nos chegam fossem pintadas à mão. O filme de Chantal tem essa qualidade que beira o artesanal, no sentido de que tudo o que vemos parece ter sido desenhado antes  na imaginação da diretora.          Como a histór

EU TU ELE ELA (1974) Dir. Chantal Akerman

Um expressivo cartão de visita de Chantal para o mundo  Texto de Marco Fialho  "Eu tu ele ela" é o primeiro longa ficcional de Chantal Akerman. É uma obra seminal da diretora, em que alguns dos seus temas mais recorrentes já estavam presentes, como o tédio humano na contemporaneidade, os planos longos, o deambular da protagonista, o protagonismo feminino, o romance LGBTQIA+ e os diálogos minimalistas. A força do cinema de Chantal ecoa na ousadia narrativa e nos temas abordados. Já nesse trabalho inicial nota-se um esboço de um estilo que seria lapidado nas obras subsequentes.   Chama a atenção como Chantal constrói a personagem Julie (interpretada pela própria Chantal Akerman) praticamente sem diálogos. Nas primeiras cenas, ouvimos sua voz interior, as impressões da jovem Julie sobre o tédio da vida. No pequeno espaço do seu apartamento, Julie muda tudo de lugar, na esperança de amainar a falta do que fazer. Come colheres e mais colheres de açúcar, fica pelada, enquanto a câm

OS ENCONTROS DE ANNA (1978) Dir. Chantal Akerman

Os deslocamentos de uma mulher deslocada do mundo Texto de Marco Fialho "Os encontros de Anna" é mais um trabalho excepcional da cineasta belga Chantal Akerman, um primor de cinema com tempos precisos, uma câmera consciente do processo narrativo, de filme de personagem e de planos perfeitamente azeitados. E a coragem dessa personagem maravilhosa que é Anna? Chantal propõe uma trama profundamente feminista ao mergulhar na alma dessa mulher, que busca em vão nos encontros algum tipo de conexão com o mundo. Chantal demonstra ter a plena consciência de que mais importante do que narrar a história em si, o ofício da direção de cinema é ser fiel a um princípio estilístico, e em "Os encontros de Anna" encontramos essa coerência. Há de se ter ainda uma inteligência na execução de cada plano, o que aqui tem em abundância. O filme é um tipo de road movie, embora não se encante com essa ideia, nem se deixe levar pelo jargão "o mais importante na viagem é o caminho".

MANTÍCORA (2022) Dir. Carlos Vermut

A monstruosidade mora entre a imaginação e a vida cotidiana? Texto de Marco Fialho Depois do ótimo, enigmático e surpreendente "A garota de fogo", o diretor espanhol Carlos Vermut, vem de "Mantícora", uma obra bem mais enigmática do que a anterior, embora sem a contundência dela. O diretor nos conta uma história em que o imaginário prevalece, pois o protagonista Julian (Nacho Sánchez) trabalha como criador de criaturas monstruosas para videogames. Tudo ainda gira em torno da relação desse personagem com outros dois: um menino vizinho, apaixonado por plantas e piano, em especial depois de Julian o salvar de um princípio de incêndio e a jovem Diana (Zoe Stein) que cuida de um pai enfermo.  Pouco sabemos durante o filme sobre as ações dos personagens. Vermut mantem tudo sob a sombra do mistério, do início ao fim da trama, mas sempre nos instigando à imaginação e a conjecturas. A relação de Julian e Diana é eivada pela incerteza. Ele desenvolve uma síndrome de ansiedade

AIR: A HISTÓRIA POR TRÁS DA LOGO (2023) Dir. Ben Affleck

A visão chapa branca de Ben Affleck do mundo corporativo Texto de Marco Fialho Ben Affleck a cada filme mostra o quanto esperto é, ou está se tornando. Sabe adentrar no mundo capitalista como poucos. Em "Air: a história por trás da logo" temos mais um capítulo de Affleck perfilando suas habilidades como um estrategista de sucesso, como já havia realizado no oportunista "Argo" (2012), premiado com o Oscar de melhor filme, roteiro adaptado e montagem ao abordar o heroísmo, a inteligência e a superioridade dos Estados Unidos perante aos irracionais terroristas iranianos. Como diretor, passa ao largo de uma visão mais crítica dos acontecimentos que narra, e aceita mais uma vez o papel de ser um promotor da falida ideologia norte-americana, mais uma vez mostrada ao mundo como edificante e de sucesso. Em "Air: a história por trás da logo" Affleck aceita ser quase que um porta-voz ou um marqueteiro da Nike, que salienta a "inventividade" inerente ao mer