Texto de Marco Fialho
O diretor italiano Nanni Moretti começou sua carreira realizando filmes cômicos, cujo maior triunfo é a meu ver "Meu Caro Diário" (1993), inclusive há uma cena em homenagem a esse filme no seu novo trabalho: "O melhor está por vir". Depois se inclinou drasticamente para dramas densos como "O Quarto do Filho" (2001) e "Minha Mãe" (2015). Agora, 30 anos depois, Moretti então retorna à comédia, gênero que o consagrou lá nos anos 1990.
Assim como em "O Crocodilo" (2006), Moretti investe na metalinguagem ao propor um filme dentro do filme. Mas "O melhor está por vir" dialoga muito com a militância política esquerdista do cineasta, ao pensar em uma história sobre o PCI (Partido Comunista Italiano) a permear a trajetória de Giovanni, seu protagonista, vivido por ele próprio. Moretti trabalho o filme imerso em referências culturais e cinematográficas, sendo talvez a mais visível a influência do mestre Federico Fellini como maior inspiração, seja pelo lirismo ou pelo aspecto onírico que "O melhor está por vir" encampa sem o menor pudor.
"O melhor está por vir" pode por isso parecer em alguns momentos uma obra requentada, um tipo de obra que talvez quisesse até soar inovadora, mas que naufraga em um déjà-vu interminável. Não que isso retire todo o brilho da obra de Nanni Moretti, que a arremesse em um poço insosso e desprezível. Há sim belezas e encantamento, afinal, não só de inovações vive o cinema e a obra de Moretti traz momentos engraçados e ternos em muitos momentos. A confusão do filme é estabelecida pelo conflito do personagem Giovanni, que em sua efervescência criativa atropela a sua história e às vezes a do próprio filme de Moretti. Essas histórias paralelas em demasia sempre são um risco para os filmes e aqui não é diferente.
Outra questão que dificulta um maior engajamento na proposta é quando ficamos a perguntar qual a história é a central, a do cineasta em ação ou a da história que conta. "Oito e meio" de Fellini pode ser uma ótima referência nessa discussão, já que lá o personagem Guido realiza um filme tal como Giovanni em "O melhor está por vir". Mas reparem bem a diferença. Enquanto em Fellini a crise do protagonista é a única coisa que importa, e isso faz com que todas as cenas sejam dele, aqui em "O melhor está por vir" o mesmo não acontece. Há uma ênfase nas filmagens em si, e assim, tudo se dispersa com muito mais facilidade.
Evidente que a história do Partido Comunista Italiano nos anos 1950 tem uma primazia no todo e ela não deixa de ser interessante, mas além dela, Moretti introduz na história tramas paralelas como a da filmagem de um outro filme, cuja esposa do protagonista Giovanni está envolvida. Ainda tem a história da filha que se apaixona por um homem bem mais velho que o próprio Giovanni. Enfim, essa multiplicidade de histórias pulveriza a narrativa e a fragmenta ao extremo, embora todas sejam interessantes, o cruzamento delas não funciona tanto. Nanni Moretti quer falar da Itália contemporânea, dos problemas inerentes dela ou quer refletir sobre o passado político italiano? Ou talvez da inserção da violência no cinema italiano? Ou ainda mais, quer tratar de uma crise familiar, do casamento ou mesmo de Giovanni? E o que a crise no PCI em relação a Europa Oriental e a intervenção soviética em diversos países acrescenta ao filme? São muitas frentes abertas e que um filme de uma hora e meia não dá conta. O que resta é a decepção de ver um ótimo diretor se afogando em si mesmo.
Infelizmente tenho que concordar com questionamentos que, em suma, parecem ser a mensagem da estória filme: um diretor se afogando em su mesmo, enquanto tramas paralelas se desenrolam. E, talvez seja exatamente o mérito aferido ao "retrato" contextualizado que encerra.
ResponderExcluir