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NARDJES A. (2021) Dir. Karim Aïnouiz


Texto de Marco Fialho

"Nardjes A." é um documentário filmado por Karim Aïnouiz no mesmo período (2019) em que foi para a Argélia de navio em busca de seu passado paterno. O fruto dessa viagem está impresso no ótimo "Marinheiro das Montanhas". Há uma pulsão permanente em "Nardjes A." para se compreender como se articula o indivíduo e o coletivo em um processo turbulento de insatisfação política contra o governo de Bouteflika.

Aqui Karim acompanha Nardje, uma jovem apaixonada por teatro, e que, como tantos outros, foi para rua protestar contra um presidente que já está há 4 mandatos no poder, sem demonstrar o menor interesse em largar o osso, apesar de estar destruindo o país com a sua mesquinhez política. Assim, o filme mergulha nessa viagem de Nardje pelas rua de Argel, em encontros com amigos e toda uma população que deseja o mesmo, uma vida política mais participativa. O filme de Karim se restringe a registrar um único dia de protesto contra o governo autoritário de Bouteflika. 

Se o filme de Karim soa importante ao registrar o movimento pelo olhar de Nardje, as quase uma hora e meia cansam pela sensação de repetição das situações. Os cantos, as músicas, os encontros vão sufocando o espectador, como o filme que não saísse do lugar. Não sair do lugar talvez nem seja o mal maior de "Nardjes A.", mas sim a sensação que somente acompanhar a protagonista talvez não dê conta de se refletir tanto assim sobre o todo. Karim até se esforça em tentar pelo uso do celular da protagonista, trazer um pouco de suas aflições pessoais e de seu sentir o mundo, mas essas estratégias não funcionam tão bem quanto o esperado para realmente casar o espectador com a personagem. 

Assim, o filme de Karim apesar de ser um efetivo e belo registro histórico, afinal, consegue captar momentos coletivos mais interessantes do que as tentativas de sublinhar o individual no processo, mas que acaba por repercutir no todo da obra, ao causar um cansaço no espectador pelo excesso desse coletivo na narrativa. A ideia do díptico, a de juntar a busca pelo passado (Marinheiro das Montanhas), com a de procurar entender o que fez aquela luta se degringolar tanto para uma nova tragédia política ("Nardjes A.") no todo se mostrou interessante por propor uma reflexão sobre a trajetória histórica da Argélia contemporânea, seus percalços e suas lutas por um país independente das amarras coloniais, mas que ainda continua sedento por liberdade política. 

Pensado em suas duas partes em diálogo narrativo, o díptico de Karim soa irregular, pelos motivos já expostos acima, com "Marinheiro das Montanhas" sendo mais envolvente do que "Nardjes A.". Claro que essa forma de lançamento dos dois filmes ao mesmo tempo, dá uma visão mais ampla de um momento de descobertas do diretor em relação ao país de origem do seu pai e em termos de fruição funcione bastante, o que faz um filme ampliar ao outro, já que um pode até ser visto desmembrado do outro sem grandes prejuízos de história ou narrativa. Mas evidente que assisti-los em sequência faz da experiência algo mais profunda e completa.            

Creio que "Marinheiro das Montanhas" amarre melhor a ideia de relato individual com o coletivo do que "Nardjes A.", talvez pelo conhecimento anterior que temos sobre a carreira do diretor cearense de origem argelina e pela maneira pela qual aquele passado vai se desenhando e ampliando nossa visão sobre ele. Em "Nardjes A." não temos essa amplificação tão presente e envolvente do narrador, o que dificulta uma maior conexão com o filme.                 

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