Texto de Marco Fialho
Murilo Benício já demonstrara ousadia desde o primeiro filme que dirigiu, ao ir para além da ideia de adaptação e propor uma releitura cinematográfica do pensamento de Nelson Rodrigues ao filmar "O Beijo no Asfalto" (2018). Agora, em sua segunda investida no cinema como diretor, Benício apontou a câmera para uma outra adaptação teatral, o sucesso "Pérola", do dramaturgo Mauro Rasi. Em comparação, ainda fico bem mais balançado por "O Beijo no Asfalto", mas não nego que "Pérola" tem lá seus muitos encantos e belezas.
Pra começar, "Pérola" tem muita emoção, é quase o tempo todo carregado de sentimentos que Benício tratou de não burilar muito, o que faz a obra ter uns excessos aqui e ali em vários âmbitos, seja na construção dos personagens seja na parte visual, com uma fotografia de Kika Cunha que privilegia cores vibrantes e uma intensidade de imagem bem delimitada. Vale lembrar que essa é uma obra baseada na vida do próprio Rasi, em especial na sua visão sobre a mãe, o que justifica todo o peso dramático que vemos no filme, narrado todo em primeira pessoa. Porém, como toda obra em primeira pessoa, "Pérola" fala muito dessa pessoa, especialmente aqui sobre a dificuldade de se firmar como artista em uma sociedade francamente utilitária e de afirmar a sua sexualidade dentro de um espectro social e familiar que apesar de alegre, esbanjava igualmente no conservadorismo provinciano de uma cidade do interior.
A construção cinematográfica de "Pérola" se faz por meio de flashbacks a partir do dia da morte de Pérola. Desde "Cidadão Kane" (1941), de Orson Welles, esse é um recurso bastante utilizado pelos diretores, o de promover um revival de um personagem a partir de sua morte. A diferença normalmente é de quem faz esse reviver, se é o próprio personagem ou se é um outro próximo ou distante dele. Em "Pérola" é Mauro, o filho, por isso, o filme esbanja muita ternura, embora às vezes a voz over promova algumas reiterações ou explicações excessivas da trama, o que incomoda por nos tirar da história que estava transcorrendo com tranquilidade.
O que mais me agrada em "Pérola" é pensá-lo como um todo, sobretudo que a parte final consegue dar um significado maior a tudo o que assistimos até então. Digo isso porque senti o filme do início até o meio sempre carregado demais, com muita falação, com elementos histriônicos bem marcados, mas creio que isso foi necessário para demarcar e sublinhar com exatidão quem era essa mulher impulsiva e contagiante na vida do narrador, que evidente, remete muito a mãe do Paulo Gustavo, essas mães que não se deixam passar em branco na vida amparadas em um egocentrismo sem fim, com grande capacidade de viver e expressar sentimentos.
"Pérola" consegue dosar bem as experiências dramáticas e cômicas dos personagens e reafirma Murilo Benício como um diretor atento, cuidadoso e cheio de promessas para o amanhã. O diretor sabe equilibrar as atuações, criando momentos de exuberância com Pérola e de introspecção com Mauro. Até a ausência, como a da mãe de Pérola que nunca aparece na trama, soa ora como comédia ora como drama. Um filme que consegue antes de tudo emocionar com verdade, sensibilidade e muita caipirinha. Uma pérola a mais de Benício para o nosso cinema ao contar a história de uma família de classe média, branca, heteronormativa e que pode representar tantas outras no seio de um Brasil que se equilibra eternamente entre o conservadorismo patriarcal e o desejo de mudança na política.
A construção cinematográfica de "Pérola" se faz por meio de flashbacks a partir do dia da morte de Pérola. Desde "Cidadão Kane" (1941), de Orson Welles, esse é um recurso bastante utilizado pelos diretores, o de promover um revival de um personagem a partir de sua morte. A diferença normalmente é de quem faz esse reviver, se é o próprio personagem ou se é um outro próximo ou distante dele. Em "Pérola" é Mauro, o filho, por isso, o filme esbanja muita ternura, embora às vezes a voz over promova algumas reiterações ou explicações excessivas da trama, o que incomoda por nos tirar da história que estava transcorrendo com tranquilidade.
Benício utiliza o flashback de maneira bem interessante e até criativa, porque nem sempre há nele uma lógica na cronologia, dentro da própria lembrança vemos tempos que se cruzam, que voltam a pontos mais atrás do mesmo rememorar. A longa sequência final da despedida pode-se ver isso com clareza, o quanto o filme caminha por horas diversas do mesmo dia. Esse é um recurso de reiteração bem utilizado, que enriquece a atenção do espectador, o chama a reconstruir um tempo não justamente linear. Os passeios temporais presentes em "Pérola" levam a trama sempre para a casa de Bauru, xodó da família e palco de amores e desavenças.
O que mais me agrada em "Pérola" é pensá-lo como um todo, sobretudo que a parte final consegue dar um significado maior a tudo o que assistimos até então. Digo isso porque senti o filme do início até o meio sempre carregado demais, com muita falação, com elementos histriônicos bem marcados, mas creio que isso foi necessário para demarcar e sublinhar com exatidão quem era essa mulher impulsiva e contagiante na vida do narrador, que evidente, remete muito a mãe do Paulo Gustavo, essas mães que não se deixam passar em branco na vida amparadas em um egocentrismo sem fim, com grande capacidade de viver e expressar sentimentos.
Por isso mesmo, deixei para o final o elemento mais entusiasmante de "Pérola", a interpretação absolutamente magistral de Drica Moraes. Todo o elenco está muito bem, como o ótimo Rodolfo Vaz interpretando o pai Vado e Leonardo Fernandes como Mauro, o que mostra o talento de Benício na direção de atores, mas Drica parece ter vindo de outro planeta, ela está exuberante, uma dama de atriz nessa obra, lembrando que ela está a fazer uma personagem que simplesmente foi vivida por Vera Holtz no teatro. A parte musical de "Pérola" reúne joias do cancioneiro nacional e internacional, como Gal Costa, David Bowie, Gardel, entre outros, dando um colorido a mais nas recordações de Mauro Rasi.
"Pérola" consegue dosar bem as experiências dramáticas e cômicas dos personagens e reafirma Murilo Benício como um diretor atento, cuidadoso e cheio de promessas para o amanhã. O diretor sabe equilibrar as atuações, criando momentos de exuberância com Pérola e de introspecção com Mauro. Até a ausência, como a da mãe de Pérola que nunca aparece na trama, soa ora como comédia ora como drama. Um filme que consegue antes de tudo emocionar com verdade, sensibilidade e muita caipirinha. Uma pérola a mais de Benício para o nosso cinema ao contar a história de uma família de classe média, branca, heteronormativa e que pode representar tantas outras no seio de um Brasil que se equilibra eternamente entre o conservadorismo patriarcal e o desejo de mudança na política.
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