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O URSO DO PÓ BRANCO (2023) Dir. Elizabeth Banks


O urso e a leveza que Hollywood precisa 

Texto de Marco Fialho

A diretora Elizabeth Banks consegue em "O urso do pó branco" misturar diversos gêneros como comédia escrachada, terror trash com gore, ação e filme de família, tudo no mesmo enredo. Ir ao cinema e assistir a algo diferente é tudo o que queremos como espectadores. Lógico que o filme não escapa da bizarrice e a diretora, tão presente como atriz nas comédias fora da curva dos anos 2000, mostra-se inteiramente adequada a estar à frente deste projeto inusitado e ousado. Em meio a tantas franquias, remakes e afins da grande indústria do cinema de hoje, o filme que parte de uma história real para ampliá-la e expandi-la por meio de gêneros consagrados do cinema comercial, se sai muito bem e arranca na frente de obras oportunistas e sem criatividade que andam invadindo as salas de cinema pós-pandemia.

O caso verídico do urso que encontrou um carregamento de cocaína caído por acidente na floresta que habita e que se viciou, realmente aconteceu no Estado da Georgia (EUA) e o animal foi encontrado morto depois de sofrer uma parada cardíaca por overdose. Esse dado mostra o quanto a diretora Banks apenas se utiliza da história para criar uma nova narrativa, onde a overdose do bichano passa bem longe. "O urso do pó branco" me remeteu aos filmes dos anos 1980 que se utilizavam de crianças para desenvolver seus enredos, caso de "Conta comigo", "ET" e "Gremlins" e muitos outros. Talvez essa lembrança seja proposital, já que a história verídica ocorreu bem nos anos 1980. 


Um dado interessante de "O urso do pó branco" é o quanto o filme consegue conciliar uma comédia rasgada, que perpassa o infantil, ao terror sanguinolento, de vísceras à mostra, cabeças cortadas, dedos decepados, rostos sendo arrastados no chão, pernas e braços voando em diversas cenas. Enquanto "John Wick 4 - Baba Yaga" dezenas e dezenas de rostos são atingidos por tiros à queima-roupa e não aparecem deformados, aqui rostos são mostrados quase que não identificáveis tal o grau de deformidade que apresentam. Esse dado é deveras curioso, por se tratar, em uma primeira instância, de uma comédia. 

Apesar do filme possuir diversos personagens na trama, a diretora Banks os desenvolve de maneira bastante satisfatória. Mesmo sendo sabedores que muitos morrerão em um ataque do urso abalado pela cocaína, nos apegamos a cada um deles que de certa forma são humanizados. Todos tem histórias tristes e cativantes para contar, como o aprendiz de traficante que perdeu a namorada ou o policial sempre preocupado com sua delicada cachorrinha. Só demonstram falta de carisma mesmo o urso vilão e o chefão dos traficantes, que jamais demonstram um momento sequer de sentimento, apesar do urso (que na verdade era uma ursa) tem os seus momentos de leveza junto às crias. 


Ao contrário do que se possa imaginar, as cenas são muito bem produzidas, assim como o clima de suspense nos momentos em que o urso está para atacar. A diretora Banks usa bem o espaço da floresta como um lugar propício para sustos, porque nunca sabemos, dentre tantas, de qual árvore ou arbusto o urso vai atacar as vítimas. Outros destaques são as cenas da fuga da ambulância e a do policial rendendo os traficantes do alto de um gazebo em meio a um ataque do urso são fenomenais, e engraçadíssimas, embora sejam bastantes violentas. A violência do filme não é estetizada, pelo contrária, ela é crua e realista em excesso, enquanto as piadas beiram o inusitado. As cenas protagonizadas pela guarda florestal são quase sempre impactantes, fortes e cômicas. Os atores em geral agem naturalmente, apesar de algumas falas soarem ingênuas propositalmente para acentuar o lado cômico das cenas. O filme consegue prender o espectador a todo instante, com sustos, piadas e cenas de ação. A diretora acerta em cheio quanto à duração do filme, não dando chance para o tédio.

Elizabeth Banks trabalha com precisão a dicotomia entre a ambição humana pelo lucro vindo da venda da cocaína e o prazer que a mesma ocasiona nos ursos. Enquanto os homens brigam pela riqueza que ela representa, o animal se refastela e se encanta com os poderes despertados pela droga viciante. Assim, "O urso do pó branco" lida bem com os seus exageros, mesmo quando expõe crianças tentando utilizar de maneira estabanada a droga. Não há julgamentos moralistas se a droga deve ou não ser usada, mas os seus efeitos devastadores são os mesmos tanto para homens quanto para os animais. Se o absurdo domina a cena em "O urso do pó branco", tudo se justifica pelas brincadeiras que o filme realiza com diversas referências cinematográficas. 


Se o público busca uma história original, desprendida, sem aquelas toneladas de fundo azul que ninguém aguenta mais, "O urso do pó branco" resgata uma indústria onde a ousadia e uma pitada de nonsense ajudam a dar ares mais criativos. No meio de tanto sangue, droga e bandidos, não podemos esquecer que a trama se sustenta muito por ideias de união e de valores familiares, afinal no centro de tudo tem duas crianças e uma mãe desesperada tentando resgatar uma filha que cabulou uma aula para ir com um amigo à cachoeira e teve que enfrentar um urso doidão de cocaína. Óbvio que tem em tudo isso uma dose de breguice sem tamanho, mas o bom é que o filme não se leva a sério nem nesses momentos do tipo "a moral da história", pois sempre tem um urso cheirado lá para lembrar a todos sobre o absurdo dessa história. O urso talvez nada mais seja que a leveza que Hollywood mais precise neste momento em que encontramos tantas padronizações na produção dos filmes. Porém é bom não esquecer que a busca por valores de família em meio a tanta insanidade talvez até seja o lado mais cômico que esse filme pode atingir e nos oferecer.

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