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Mostrando postagens de dezembro, 2017

RODA GIGANTE - Direção de Woody Allen

AS CAMADAS DA ILUSÃO   Crítica de Marco Fialho "Estou sempre e sempre tentando interpretar a Vida em termos de vidas, não apenas vidas em termos de caráter. Mantenho-me sempre muito consciente da Força que está por trás de tudo – Destino, Deus, nosso passado biológico criando nosso presente, não importando o nome que se dê a isso – Mistério, com certeza – e da eterna tragédia do Homem em sua luta gloriosa, autodestrutiva para fazer com que essa Força dê expressão a ele, em vez de fazer que seja apenas, como um animal, um incidente infinitesimal da expressão dessa Força."                                                                                  Eugène O'Neill Depois de uma vasta carreira de sucesso com quase 50 filmes no currículo e mantendo a realização de um filme por ano, Woody Allen vem nos últimos tempos sendo sistematicamente cobrado por críticos de todo o mundo de reproduzir uma mesma fórmula a cada novo trabalho que lança nos cinemas. Com seu novo f

UMA JOVEM MULHER - Direção de Léonor Serraille

O ritmo avassalador de uma jovem mulher Crítica de Marco Fialho Um dos aspectos mais fascinantes de “Uma Jovem Mulher”, filme francês dirigido por Léonor Serraillle é a cumplicidade e a afetividade com a qual ela constrói a sua protagonista Paula (Laetitia Dosch). Claro que a interpretação de Laetitia é de uma entrega descomunal e não há uma cena do filme que ela não esteja. A câmera cola nela e só tem interesse em perscrutá-la, invadi-la e nos mostrar todas as suas contradições. Ela tem uma cicatriz na testa, uma marca física e simbólica de quem encara a vida de frente, mas de quem também apanha bastante dela. O mais interessante é que em nenhum momento a diretora se aproxima de Paula para nos convencer a afeiçoar dela e criar com ela uma identificação. Pelo contrário, logo na primeira cena tendemos a achá-la desequilibrada, mal-educada e gratuitamente agressiva.  Não criemos ilusão. Não há em "Uma Jovem Mulher" uma predominância do tempo sobre as ações, como a

CORPO E ALMA - Direção de Ildiko Enyedi

O vermelho definitivamente é a cor mais quente Crítica de Marco Fialho Raros são os filmes húngaros a aterrissarem aqui pelas nossas bandas. A tal globalização só serviu para propagar uma cultura mainstream e afastar a comunicação entre as culturas e suas diferenças. Mas felizmente “Corpo e Alma”, dirigido com precisão por Ildiko Enyedi, vem para quebrar com essa cortina de ferro dos blockbusters . A motivação para esse inesperado pouso dessa nave húngara é consequência direta de um grande prêmio. O filme foi agraciado com a maior honraria possível, o  Urso de Ouro no Festival de Cinema de Berlim. “Corpo e Alma” deve ser o filme mais duro e também o mais terno e lírico deste ano, e essa difícil conciliação é um dos atributos que mais nos atrai nesse drama inusitado, passado em um abatedouro na Hungria. O enfoque inicial no trabalho do abatedouro é de difícil digestão e para pessoas com estômagos fortes. Entretanto toda a aspereza que vemos nessas cenas não são gratuitas, poi

COM AMOR, VAN GOGH - Direção de Hugh Welchman e Dorota Kobiela

Para amar Van Gogh Crítica de Marco Fialho Com Amor, Van Gogh” é antes de tudo um filme feito para os sentidos. Desde o início é fácil perceber que a camada imagética se sobrepõe a todas as outras que compõe essa obra. A beleza da técnica de animação, inspirada no próprio estilo inconfundível do pintor se impõe de tal forma, que o melhor a fazer é relaxar e embarcar mesmo nessa inusitada proposta visual. É claro que esse desnível entre forma e conteúdo está ali bem evidente, mas não deve impedir e atrapalhar a fluência e o impacto inconteste provocado pelas suas imagens. Os diretores Hugh Welchman e Dorota Kobiela se utilizaram de 125 artistas contratados para pintar mais de 60.000 telas-frames a óleo, ao longo dos 95 minutos de filme. Mas o que mais me chamou a atenção foi a dinâmica visual que essas telas criam na imagem. Como o estilo de Van Gogh incorporava um traço brusco, pinceladas de uma rusticidade irregular, um frame não “encaixa” devidamente no seguinte, o que pr

LUMIÈRE - A AVENTURA COMEÇA - Direção de Thierry Frèmaux

A memória caduca do jovem cinema Crítica de Marco Fialho “Lumière - a aventura começa” é um filme obrigatório para todos os cinéfilos, afinal os famosos irmãos são os responsáveis pela forma na qual o cinema se instituiu. O cinematógrafo possibilitou que diversas pessoas vissem ao mesmo tempo, no mesmo espaço, pequenos filmes compostos de imagens em movimento. O filme é constituído por um apanhado de filmes feitos de 1895 a 1905. São pérolas do primeiro cinema, organizadas pelo Diretor do Festival de Cannes Thierry Frèmaux, que também comenta todos o material exibido, não deixando passar uma imagem. Esse procedimento adotado é um dos pontos fracos do filme. O estilo de narração de Frèmaux me remeteu a “No Instante Agora”, de João Moreira Salles, também em cartaz, que se utiliza desse duvidoso artifício. O grande problema é que os comentários explicativos desses dois diretores deixam pouco espaço para que o espectador leia autonomamente o que está sendo exibido. Todas ima

VERÃO 1993 - Direção Carla Simón

Uma pequena Frida à beira de um ataque de nervos Crítica de Marco Fialho A pequena Laia Artigas, protagonista de “Verão 1993” atua como se fosse uma atriz veterana ao interpretar a personagem Frida. E Frida é, sem dúvida, o maior atrativo dessa película espanhola, dirigida por Carla Simón, e representante oficial da Espanha na corrida pelo Oscar de melhor filme em língua não inglesa em 2018. Uma das grandes marcas desse longa é a delicadeza e a sutileza de sua realização, mesmo considerando o espinhoso tema do filme, o da adaptação de uma criança órfã a um novo ambiente familiar. Daí o filme depender tanto da jovem Artigas para se afirmar como obra. Há algo de encantador no cenário desse filme, em especial o predomínio do verde e do mundo natural. Esse ambiente mostra-se muito propício para que Frida se sinta estimulada a expor uma personalidade forte, movida pelo instinto mais do que pela razão. Ou será que os aspectos perversos dela traduzem a própria natureza humana,

LUCKY - Direção de John Carroll Lynch

  O esplendor de Harry Dean Stanton Crítica de Marco Fialho    Impossível propor uma reflexão de “Lucky” que não se relacione com a figura de Harry Dean Stanton. Sua presença por si ilumina a tela. E parece que o diretor John Carrol Lynch (que é também ator) tinha total consciência disso ao realizar o filme. Podemos dizer mesmo que é um filme-homenagem a Stanton. E ele não decepciona, esbanja um talento extraordinário e nos diverte imensamente ao brilhar em todas as cenas. Como é recompensador vê-lo em cena, seu estar à vontade a todo o momento. Se alguém ainda tinha, ou tem, dúvidas sobre sua capacidade cênica basta assistir “Lucky” para ser forçado a mudar de opinião a respeito desse profissional tão pouco reconhecido pela indústria, que muitas vezes lhe reservou papéis secundários e menores nos filmes. As primeiras cenas do filme retratam a rotina disciplinada de Lucky, montadas com uma precisão de tempo impecável, com cortes impressionantes, que imprimem um ritmo

NINGUÉM ESTÁ OLHANDO - Direção Julia Solomonoff

A América não é mais para todos Crítica de Marco Fialho O que nos motiva a seguir com interesse do começo ao fim de “Ninguém Está Olhando”, drama dirigido por Julia Solomonoff, é o fato dele nos tornar cúmplices do personagem Nico, interpretado com uma intensidade introspectiva por Guillermo Pfening. O ator tem pleno domínio de seu personagem e nos entrega a cada cena apenas o que interessa dele, sempre na medida certa. Esse é um caso típico de um bom filme de personagem, que em todas as cenas lá está Nico marcando sua presença. Inclusive só conhecemos a história por intermédio de suas ações, e o único ponto de vista que temos é o seu, o que faz o filme crescer muito na tela. Portanto, quando falamos de Nico estamos falando também de um corpo, sobretudo um corpo errático. Ele não tem casa, não tem namorado, na verdade, está em crise com todos os seus ex. Sua relação com o trabalho está em aberto. Enfim, esse é um corpo estrangeiro, lutando para se encaixar em um espaç

COLO - Direção de Teresa Villaverde

Tudo o que é sólido pode desmoronar    Crítica de Marco Fialho Como a crise de um país pode abalar a vida dos homens comuns, simples assalariados? Essa parece ser a pergunta que motivou a cineasta Teresa Villaverde a realizar seu “Colo”. Daí o filme se revelar muito pelas ações de seus personagens e não por discursos eloquentes. Desde a primeira cena a diretora já nos mostra ao que veio ao desvelar afetos não correspondidos. Toda a trama está imersa em uma Lisboa decadente, que sofre com uma baita retração econômica. Mas o tema central de “Colo” é o da desintegração. Não só a família se esfacela, as próprias subjetividades dos personagens entram também em parafuso. Um detalhe curioso é que alguns deles têm nome, caso da protagonista, a adolescente Marta. Mas seus pais não, inclusive são creditados simplesmente como pai e mãe. Normalmente, quando enfrentamos um problema grave na vida, a nossa referência é o lar, corremos a esse ambiente acolhedor em busca de nos reeq