"Amazonas, o maior rio do mundo", de Silvino Santos, foi um filme dado como perdido, até que uma cópia foi achada na longínqua República Tcheca, e restaurada em DCP, lembrando que o filme já possui mais de 100 anos de sua produção. Sessões especiais estão sendo realizadas para a exibição do filme Brasil afora, sempre com debates, como aconteceu nas cinematecas brasileira em São Paulo e do MAM-RJ. Tive o privilégio de acompanhar a sessão no MAM-RJ, com a mediação do grande Carlos Alberto Mattos, com a presença de um representante da Cinemateca Brasileira, de Hernani Heffner e João Moreira Salles. Esses debates são fundamentais para esclarecer alguns detalhes e aspectos que envolveram a realização do filme.
A maior surpresa que tive ao assistir "Amazonas, o maior rio do mundo" foi a de se deparar com uma cópia quase intacta, apesar da idade, mérito da equipe de restauração que nos entregou uma obra com ótima qualidade de visionamento. O filme faz um apanhado do processo de exploração da floresta amazônica, com Silvino retratando o extrativismo da borracha, da madeira e as culturas da castanha, da cana-de-açúcar, do algodão, do pirarucu, do gado, da pesca do peixe-boi. João Moreira Salles chamou a atenção para a atualidade desses materiais filmados, salientado que Silvino os filmou como um dado positivo do desenvolvimento econômico da região, enquanto hoje, já sabemos o que deu a tal ideia de progresso. É bastante interessante poder assistir esse passado com uma perspectiva de como é a Amazônia hoje, do quanto esse filme poderia ter impulsionado uma destruição mais acelerada. A ideia dele era levar essas imagens para a Europa e isso atrairia a sanha ambiciosa de muitos empresários inescrupulosos, como de fato veio a ocorrer algumas décadas posteriores nos governos militares, após o golpe de 1964.
Mas o filme mostra o quanto a ambição colonizadora já estava ali presente e instaurada, uma visão de que não podemos deixar de faturar com as riquezas naturais daquele paraíso. Tanto que Silvino não mostra a floresta, mas sim a parte já explorada e vilipendiada. Os indígenas, os seus habitantes ancestrais, não são mostrados em sua cultura, são exibidos como uma população inserida no processo de desenvolvimento da região. Silvino mostra lindos enquadramentos e uma montagem mais organizadora do que criativa, o que vemos são diversas manifestações do progresso econômico da região, montados como blocos temáticos.
A impressão que fica é que muitas das cenas de "Amazonas, o maior rio do mundo" são encenadas, inclusive com indígenas vestidos com o mais puro algodão amazônico e pescadores mostrando como se caça o peixe-boi, ou ainda como é o processo de extração da borracha. Mas se tem algo que não se pode negar é a importância desse material para a história do cinema do norte, inclusive com destaque para a qualidade das filmagens pensando nas condições precárias existentes nos anos 1920. Mas lógico que Silvino teve acesso a um material de ponta, visto que era financiado pelos magnatas do tal desenvolvimento econômico amazônico da época.
O cinema brasileiro e amazônico, portanto, precisa exultar o achado tcheco, assim como a sua restauração, como um dos grandes feitos memorialístico e preservacionista para o nosso cinema. Visto com os olhos de hoje, "Amazonas, o maior rio do mundo" é assustador por evidenciar que a ideia de subtrair as riquezas daquele rico bioma monta de muitos anos atrás, e que o avanço tecnológico e de infraestrutura como estradas e aeroportos, viabilizaram no decorrer dos anos a destruição que se agravou nos governos militares nos anos 1970 (com a criação da SUDAM) e virou uma tragédia durante os quatro anos do governo de Bolsonaro, que descaradamente passou não só a boiada como o trator e a bala nos indígenas, os verdadeiros e incontestes habitantes da floresta.
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