Os alienígenas do Acre
Texto de Marco Fialho
"Noites alienígenas" até fala de um outro planeta, o seu nome é Acre. É desse "planeta" que vem a primeira ficção de longa-metragem do Estado. O interessante é como o diretor Sergio de Carvalho analisa a violência do tráfico de drogas entre a juventude de uma maneira muito particular, sem esquecer da influência xamânica indígena presente na cultura dos Estados do Norte do Brasil e reverenciando a força imagética dessa parte do país bastante esquecida pelo nossos cineastas.
O filme vai apresentando pacientemente os personagens, um a um, salientando sempre as suas características mais latentes para o enredo. O viciado enfeitiçado, o jovem traficante e sua mãe em busca de diversão, a jovem garçonete que já tem um filho para criar, uma cantora da noite trans e um velho hippie que vive do tráfico de drogas. Pode-se até questionar que se perde aqui e ali algo de aprofundamento por essa profusão de personagens, e isso é mesmo um fato. Nos afeiçoamos a alguns deles, mas eles não ficam muito em tela, chegam até a se evaporar como o caso da cantora Kika, vivida pela ótima atriz Kika Sena.
No meio de um elenco muito jovem, são os experientes que mais chamam atenção. Chico Diaz está à vontade no papel do traficante Alê e protagoniza brilhantemente diversas cenas do filme, como a que seu personagem encara uma facção criminosa de peito aberto e com a autoridade do discurso desafiador e lógico. Joana Gatis que interpreta Beatriz (mãe de Rivelino), a cada cena traz uma luz especial a "Noites alienígenas", com destaque para a sua performance no final, quando a clássica música "Porto solidão", entoada por Jessé explode na tela com muita força dramática. Mas no restante do filme, a força urbana e direta do hip-hop predomina na cenas, assim como a contundência do grafite e dos murais coloridos de artistas urbanos. Esse conjunto de colorido urbano e caótico dá o tom imagético do filme.
Do elenco jovem, destaque para Gabriel Knoxx (premiado como melhor ator em Gramado), como o jovem traficante Rivelino, cujo trabalho vai ganhando corpo no decorrer da trama. Vale destacar o quanto a trama já batida do tráfico de drogas, aqui em "Noites alienígenas" adquire uma adaptação ao próprio ambiente da Região Norte. A trama urbana se mistura ao misticismo dos povos originários, o que revela as ambiguidades de uma cultura esfacelada tanto pela invasão dos traficantes do Sudeste quanto pela proliferação das igrejas neopentecostais. A fotografia, assinada por Pedro Von Krüger, consegue instaurar uma atmosfera mítica que beira o irreal, contrastando frontalmente com a violência das armas de fogo. O filme tenta a todo instante se equilibrar nesse meio campo entre a irrealidade fotográfica e a realidade crua da periferia da Capital Rio Branco.
Ao contrário da maioria dos filmes sobre tráfico de drogas do nosso cinema, "Noites alienígenas" não se impõe pela verborragia. Sua maior força está no poder das imagens, às vezes alegóricas e por outras realistas. É nesse terreno imagético que o filme se instala e busca se comunicar com o espectador, não tenta constatar ou comprovar teses sobre o tema que encampa, busca sim nos interrogar, com assombros, a realidade que sempre foi dura, cruel e violenta historicamente para as populações que habitam o Norte do país. Nesse viés, "Noites alienígenas" se faz necessário por propor um olhar menos direto que outros filmes que abordam o mesmo tema, exalando uma originalidade narrativa e geográfica. A diversidade de abordagens faz bastante sentido em um país plural, onde a localidade traz brilhos instigantes, texturas, rituais e gestos próprios. E cinema assim é mais saboroso, mesmo quando o resultado não seja de todo satisfatório.
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