Texto de Marco Fialho
Apesar da longa estrada como atriz, "Um Lugar" é o primeiro filme dirigido por Robin Wright. A grosso modo, pode-se dizer que este é uma obra sobre uma personagem que quer realizar uma mudança brusca em sua vida, após um terrível trauma social, familiar e urbano. Uma atmosfera de suspense se instala de imediato, pois a decisão da protagonista de ir morar sozinha nas montanhas geladas e inóspitas do Wyoming, sem experiência anterior, é quase que um ato de suicídio em si.
O filme fala dessa experiência e se inicia com a protagonista jogando o seu celular literalmente numa lata de lixo para ir morar, sem vizinhos, em um perímetro razoavelmente distante, no intuito de isolar-se do mundo (mais precisamente dos humanos) para tentar se reencontrar com a vida. Inverno, nevasca? Isso tudo é bobagem, a gente supera de letra. Esse é o espírito confiante dessa mulher em crise.
Mesmo sendo um filme com uma proposta intimista, Robin Wright não deixa de levar para esse universo localizado no fim do mundo elementos que motivam os espectadores a ficarem colados à história que é narrada sob os temperos de uma maneira clássica de conta-la: 1) apresentação da personagem (lembrar que apesar de algumas informações importantes serem subtraídas no início, tudo começa com a protagonista em uma sessão de análise falando de seus problemas); 2) apresentação do problema (a personagem precisa sobreviver em uma situação-limite, inclusive com suas memórias); 3) o seu ápice ou crise (vem o período de nevasca e como fica a personagem?); 4) na resolução temos uma solução moral, afinal a personagem precisa aprender algo em sua jornada.
Por mais que Robin Wright demonstre habilidade para tentar camuflar todos os apelos e gatilhos emocionais inevitáveis de um filme como "Um Lugar", esses elementos dramáticos e de desafios a serem enfrentados pela protagonista aparecem, e sempre de maneira crescente (tal como manda a cartilha). Assim, o previsível acontece e mal precisamos de mais personagens em um primeiro momento, pois a natureza selvagem do lugar dá conta de criar os desafios para a protagonista. É só lembrar do famoso "Náufrago" (2000), de Robert Zemeckis, quando o personagem de Tom Hanks passa a maior parte do filme dialogando com Wilson, uma bola de vôlei. Em "Um Lugar", nem é necessário uma bola, pois o conflito dela com a natureza já abastece a trama com emoções de sobra.
Robin Wright apela em alguns momentos para os flashbacks, que mais do que trazer pedaços de uma história do passado (mas também isso), balizam e reafirmam a crise emocional da protagonista. Quando em uma situação limite surgem duas pessoas para salva-la, inicia-se o processo de aprendizagem da personagem, que precisará, com dificuldade, reconhecer a necessidade de outro ser humano, e que somos fundamentalmente seres sociais por natureza. A ideia de amizade também será resgatada e trazida como algo fundamental para a existência humana, do quanto é importante aprendermos com o outro e a crença de que o ser humano é capaz de ser solidário em diversas ocasiões da vida.
"Um lugar" assim caminha, mesmo tendo muitos momentos de tensão, sempre embalados por uma trilha musical que parece acalentar tanto a personagem quanto ao público. E isso acontece porque não é só a protagonista que precisa aprender sobre a vida, os seus reveses e dar a volta por cima, mas os espectadores igualmente também são convidados a fazer o mesmo. Fica para nós uma lição, a tal moral da história, que podemos sempre recomeçar, independente da tragédia na qual somos acometidos.
Uma outra questão que vale ressaltar ainda é o do papel dessa mulher no mundo e o quanto o seu sentido só se completa quando ela tem um homem ao seu lado. A crise maior que vive é a da ausência de um homem que morreu, a deixou desamparada por uma fatalidade, fato que criou um vazio enorme em sua vida. Mas tudo fica mais estranho no roteiro com o surgimento de outro homem que novamente acenderá uma chama de esperança para ela. Por mais que a resolução da história não esteja na substituição de um homem por outro, fica evidente que há uma dependência estabelecida intrinsicamente. E nesse caso, sequer não bastou a presença na direção e no roteiro de mulheres, para se evitar uma construção dramatúrgica com uma visão tão masculina.
Apesar de tantos poréns aqui indicados, "Um Lugar" é um filme agradável de assistir, ainda mais que ele foi filmado para acarinhar o público, para embotar os olhos com lições sobre a vida, em especial de que vale a pena continuar caminhando, apesar de tantos percalços que ela vai nos impondo. Mas lógico que o filme trabalha com a ideia da necessidade de se ter muita persistência, resiliência e todos esses atributos que cabem muito bem nos livros de autoajuda. Há quem goste, e até precise desses acolhimentos para poder prosseguir na difícil estrada que é a vida.
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