Texto de Marco Fialho
"Llamadas desde Moscú" é um filme cubano exibido na mostra Território no CineBH 2023, do realizador Luis Alejandro Yero. O que mais chama atenção nesse trabalho é o fato dele ser todo realizado por meio de chamadas telefônicas.
Esse formato escolhido pelo diretor pretende discursar justamente sobre o território, quando nas imagens o mesmo está completamente subtraído, ou reduzido a minúsculos espaços, como banheiros e salas de um apartamento em Moscou.
Nas falas são reveladas situações de dificuldade financeira tanto em Cuba quanto em Moscou, em permanentes críticas abertas tanto a Raul Castro e seus aliados quanto a Putin, presidente russo. Esse é um documentário assentado em sensações e relatos de vivência em territórios onde a liberdade individual está em jogo.
Não posso deixar de registrar um certo desconforto em relação ao filme, pois a ausência de imagens dos territórios em questão reduz muito a experiência a depoimentos que podem ser fabricados por qualquer pessoa, em qualquer território.
As críticas realizadas a Cuba pelos personagens são as mesmas que já ouvimos em diversos discursos ao longo dos anos pela oposição ao regime dos Castro, de Fidel a Raul, a do clima repressivo a artistas e a constante homofobia vindo do Estado. No filme se registra áudios sobre assassinatos de um artista cubano. O próprio universo queer do filme é muito mal trabalhado pela direção, não quer dizer muita coisa para o filme, fica à deriva.
Porém, um dos personagens passa o dia imerso em um trabalho de vendas de remédios por telefone. Inclusive acompanhamos uma reunião em que uma supervisora de vendas obriga os atendentes a empurrar o máximo de remédios para as pessoas. Não fica muito claro quem eram esses compradores nem vendedores, aliás, como tudo nesse documentário. Assim, a desconfiança aos dispositivos adotados por este documentário só foram crescendo. Nunca sabemos muita coisa. Quem eram esses vendedores? E os compradores? Eram cubanos de Miami? Realmente não ficamos sabendo.
Nas horas vagas, esses personagens, assistem e gravam vídeos com temática queer pelas redes sociais. Creio que esses vídeos muito dizem sobre esse ambiente dúbio e fluido das redes sociais, em que qualquer pessoa com um smartphone nas mãos pode publicar o que bem entender. Para mim, o filme funcionou na mesma medida, repleto de imprecisões e impressões de pessoas que buscam o seu lugar em um mundo que lhe mostra ser adverso. Da maneira que foi filmado, "Llamadas desde Moscú" pode ser qualquer coisa, desde denúncia até apenas um filme meramente ideológico no qual atende a possíveis opositores de Putin e Raul Castro. Apenas com imagens de apartamento e gravações de áudio de celulares, tudo fica para além dos fatos, o que alimenta em mim uma baita desconfiança de tudo que vi e ouvi.
Enquanto a relação do bloqueio dos Estados Unidos não é sequer mencionado pelo filme, vemos com desconfiança algumas falas como "Cuba é o Havaí dos russos", numa alusão de que Cuba é o quintal da Rússia de Putin. Antes havia os cubanos de Miami, agora nos parece que há os cubanos de Zelenski. Como dizia Marx a história se repete, primeiro como tragédia mas a segunda vez como farsa. É o que me pareceu esse filme.
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