Pular para o conteúdo principal

INFINITY POOL (2022) Dir. Brandon Cronenberg


A ilusão do paraíso, da beleza e da riqueza 

Texto de Marco Fialho

Brandon Cronenberg, filho do mitológico cineasta David Cronenberg, é um nome para se guardar. Ao que tudo indica, ele herdou o talento do pai para histórias bizarras e bem narradas. "Infinity pool" é um filme de horror que desde o início, até quando tudo parecia ser uma mera história de amor, algo de subliminar já apontava um quê de tensão pairava no ar. 

O filme trabalha com muitos simbolismos e não fecha todas as portas que abre, deixando sempre um mistério a ser desvendado e isso é um elemento instigante para quem está assistindo. Brandon consegue entrelaçar temas como a da identidade, da manipulação da ciência e da diferença de classes com maestria, além de extrair interpretações seguras dos atores, com destaque para a talentosa atriz brasileira Mia Goth, uma nova estrela da indústria de Hollywood. 


Na trama, em La Tolqa, um país imaginário, um casal jovem James e Em Foster, ele um escritor fracassado em busca de inspiração e ela rica de nascença, se hospeda em um resort e conhecem o estranho casal Gabi (Mia Goth) e Alban que lança o primeiro casal numa aventura sinistra, depois que James (Alexander Skarsgard) atropela casualmente um inocente. Na leis de La Tolqa um acusado pode evitar a morte por execução aceitando que o Estado faça um clone dele, mas todo esse privilégio vai depender do quanto se tem de grana para comprar esse direito. James é um pé rapado, mas Em não, é filha de um rico editor. A partir de então o filme engata no enredo que mistura ficção científica e horror, com direito à clonagem humana, sadismo e tudo o mais, tendo sempre a personagem de Gabi como central na condução da história. Ela é a própria representação da ideia de resort, ela seduz pela sensualidade, pelo arrivismo, pela ousadia e pela perversão. Ela simboliza o sonho inatingível, algo no plano do ideal, um fetiche, ela está perto mas toca-la e tê-la não é propriamente possível, apenas se tem a sensação de que isso possa acontecer.

"Infinity pool" caminha por territórios difíceis e provoca uma confusão no espectador: será que estamos acompanhando um clone ou os personagens originais? Os próprios personagens levantam essa lebre. O que instaura uma grande abertura de leituras na história, pois todos podem ser qualquer coisa. Tudo rapidamente vira uma aventura arrivista, em que ricos controlam tudo pelo poder econômico. O diretor Brandon Cronenberg sugere o quanto nos permitimos perder o controle sobre a nossa identidade, como se houvesse vários de nós caminhando por aí e ainda deixa subentendido o quanto temos que renascer em diversas etapas da vida e para cada uma podemos escolher máscaras diferentes. 


As máscaras tradicionais horrendas e deformadas utilizadas pela população de Li Tolqa servem de simbolismo para tudo o que vemos nesse macabro mundo desenhado em "Infinity pool". A deformação é o elemento mais significativo, ela está na origem de tudo (inclusive ela está logo na primeira sequência) de mais canhestro que vemos na tela, ela revela o interior daqueles personagens medíocres que dominam tudo pelo poder do dinheiro. Todos os personagens ricos pintam e bordam no resort, o que mostra o quanto a grana distingue a relação entre as pessoas. Observem que por conta dela, nada é saudável nesse filme, nem a relação de James com a esposa, nem com os turistas do resort. Brandon Cronenberg também trabalha James como um personagem fora da caixinha da riqueza, pois desde cedo fica evidente que sua origem é pobre, o que faz ele ser ridicularizado pelos ricos, que deixam claro que ele jamais será um deles. 

Visualmente, "Infinity pool" tem muitos aspectos dignos de serem pontuados. A câmera logo no início, capturando ângulos inusitados e inclinados é bem significativa, deixa evidente o quanto a imagem enviezada induz uma mensagem sobre aquele resort aparentemente perfeito e paradisíaco. Ainda no plano das imagens, o filme tem passagens belíssimas psicodélicas, coloridas, oníricas e alucinantes, explora uma sensorialidade bem interessante, desafia a própria sanidade do espectador, o atordoa e atrapalha o seu melhor discernimento, altera o seu estado de compreensão, causando inclusive uma perturbação. Essa intensidade é agravada por um sentimento de claustrofobia que perpassa o filme, na medida em que tudo indica que James é um eterno prisioneiro daquela bizarra situação. 

Há um quê de Kafka na semente desse roteiro, pois temos a impressão de que James caminha por labirintos e armadilhas, algumas suscitadas pelo seu estado mental altamente conflituado. Há ainda um lampejo de "Nós" (2019), filme de Jordan Peele, em que o enfoque passa igualmente pela questão da identidade, embora em "Nós", o viés identitário ligado ao racismo falava mais alto do que o psicológico. Sem esquecer aqui o quanto Brandon Cronenberg, de muitas maneiras, segue o expressivo e complexo trabalho de seu pai, David. Sedução e perversão andam juntas em "Infinity pool". James é um prisioneiro daquelas pessoas ricas do resort, mas também é prisioneiro de si mesmo, de suas ambições e fracassos. Ele apanha, agride a um clone seu, depois é forçado a brigar com um clone-cachorro seu, uma situação inusitada, ele ainda guarda urnas funerárias de várias versões de si mesmo. 


Algumas cenas em "Infinity pool" tem um teor de violência explícita e impactante, como a do Estado executando a pena no suposto clone de James com várias facadas filmadas dadas por uma criança, em close, vingando a morte do pai. Que sociedade é essa que naturaliza esse tipo de violência? Há uma crítica no roteiro de Brandon profunda acerca da nossa identidade no mundo contemporâneo, o questionamento de que essa sociedade os papéis são fluidos e as personalidades tornam-se descartáveis e a cada momento se cobra de nós humanos uma faceta diferente. O processo de adequação social passa pelas inúmeras máscaras que precisamos vestir para poder sobreviver em um mundo gerido pelos mandamentos do dinheiro e Brandon se utiliza fartamente dessas premissas para sedimentar o seu trabalho. O diretor coloca o corpo coisificado, fragilizado pelo poder da imagem e da venda desse corpo para se preservar algo que nada vale quando se torna vendável. Brandon é cruel, impassível profundamente expositivo. Aqui se paga e se revela ao mesmo tempo.

O dinheiro é um elemento objetivo, carnal, corporal, ele vem e resolve, submete pessoas e dita comportamentos. "Infinity pool" brinca com essa ilusão imagética na qual os resorts seduzem os clientes com a falsa sensação de que o mar é extensão da piscina. Tudo é um paraíso único, só que não e as grades do resort comunica isso. Mas o mais interessante é ver que as grades, na verdade, protegem mais que está fora dela de que o contrário. Brandon Cronenberg é tão consciente da clareza dessa ideia que ele a imprimiu tanto no título como metáfora quanto na própria trama rocambolesca e fantástica. E a personagem de Gabi, embalada com maestria pela extraordinária Mia Goth, é a que melhor traduz essa imagem de falsidade e ilusão de paraíso, beleza e dinheiro que "Infinity pool" carrega e nos joga na cara com muita naturalidade e contundência.      

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

ÁLBUM DE FILMES VISTOS EM 2023 - 340 filmes

DESTAQUES FILMES INTERNACIONAIS 2023 https://cinefialho.blogspot.com/2023/12/destaques-filmes-internacionais-em-2023.html?m=1 DESTAQUES FILMES BRASILEIROS 2023 https://cinefialho.blogspot.com/2023/12/destaques-de-2023-filmes-brasileiros.html?m=1 DESTAQUES DE CURTAS BRASILEIROS 2023 DESTAQUES DE CURTAS BRASILEIROS 2023 (cinefialho.blogspot.com) ESPECIAL FIM DE ANO: 14 VÍDEOS DO BATE-PAPO CINEFIALHO DE 2023: O REINO DE DEUS (2023) Dir. Claudia Sainte-Luce Vídeo:  Marco Fialho (@cinefialho) • Fotos e vídeos do Instagram ______________ GUAPO'Y (2023) Dir. Sofía Paoli Thorne Vídeo:  Marco Fialho (@cinefialho) • Fotos e vídeos do Instagram _____________ AS GRÁVIDAS (2023) Dir. Pedro Wallace Vídeo:  Marco Fialho (@cinefialho) • Fotos e vídeos do Instagram _____________ À SOMBRA DA LUZ (2023) Dir. Isabel Reyes Bustos e Ignacia Merino Bustos Vídeo:  Marco Fialho (@cinefialho) • Fotos e vídeos do Instagram ______________ PONTES NO MAR (2023) Dir. Patricia Ayala Ruiz Vídeo:  Marco Fialho (@ci

GODZILLA - MINUS ONE

Texto de Marco Fialho O maior mérito de "Godzilla - Minus One" está na maneira como o diretor Takeshi Yamazaki conjuga a história narrada com o contexto histórico do Japão pós segunda guerra. O monstro Godzilla é fruto direto do efeito nuclear provocado pela bomba atômica lançada pelos Estados Unidos.  O filme funciona como uma resposta à vergonha japonesa ao difícil processo de reconstrução do país, como algo ainda a ser superado internamente pela população. A partir desse fato, há um hábil manejo no roteiro para que a história funcione a contento, com uma boa fluência narrativa.  Aqui o monstro é revelado desde o início, não havendo nenhuma valorização narrativa, ou mistério, sobre a sua aparição. Mas se repararmos com atenção, "Godzilla - Minus One" é  um filme de monstro, embora se sustente tendo na base um melodrama de dar inveja até aos mais radicais da safra mexicana dos anos 1950. A história parte de Koichi, um piloto kamikaze que se recusa a executar uma or

MOSTRA CINEBH 2023

CineBH vem aí mostrando novos diretores da América Latina Texto de Marco Fialho É a primeira vez que o CineFialho irá cobrir no modo presencial a Mostra CineBH, evento organizado pela Universo Produção. Também, por coincidência é a primeira vez que a mostra terá inserido um formato competitivo. Nessa matéria falaremos um pouco da programação da mostra, de como a curadoria coordenada pelo experiente Cleber Eduardo, montou a grade final extensa com 93 filmes a serem exibidos em 8 espaços de Belo Horizonte, em apenas 6 dias (26 de setembro a 1º de outubro). O que atraiu o CineFialho a encarar essa cobertura foi o ineditismo da grande maioria dos filmes e a oportunidade mais do rara, única mesmo, de conhecer uma produção independente realizada em países da América Latina como Chile, Colômbia, México, Peru, Paraguai, Cuba e Argentina, sem esquecer lógico do Brasil.  Lemos com atenção toda a programação ofertada e vamos para BH cientes da responsabilidade de que vamos assistir a obras difere