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Mostrando postagens de junho, 2023

A VIDA SÃO DOIS DIAS (2022) Dir. Leonardo Mouramateus

O teatro da imprevisibilidade da vida Texto de Marco Fialho "A vida são dois dias" é um filme sobre relações humanas e arte, o quanto elas podem resistir ao caos da vida. Durante a projeção fui remetido constantemente a algumas narrativas do cinema português de Manoel Oliveira, em especial um de sua safra final, como "Singularidades de uma rapariga loura" (2009). Mas a forma como os corpos se apresentam, a teatralidade de gestos e ações dos personagens são algo muito próprios de Mouramateus, esse jovem realizador que vem sedimentando um trabalho potente, mesmo que algo de Oliveira esteja ali constantemente evocado.  Esse viés manoelino merece ser melhor explorado e detalhado. A começar pela graça da maneira cômica de narrar, sedutora e estranha, atenta aos detalhes e repetições, ali encravada entre o teatro e a literatura, em uma narração em off que mais do que contar, comenta com gracejos a história.  Há um quê de pitoresco nas obras de Mouramateus, um humor jovial

OCTÁVIO III - O IMPERADOR (2023) Dir. Cavi Borges

Memórias sopradas a esmo de um certo Imperador que cultuava João Gilberto e Sganzerla "Medo da morte, não! Horror! Horror da morte! Horror por ela ser o que é, ou pelo inevitável."                                                                                               Johann Wolfgang von Goethe  Texto de Marco Fialho O primeiro registro que preciso fazer após assistir a "Octávio III - o imperador" é a paixão e a verdade com que o diretor Cavi Borges trata o seu personagem. São imagens envoltas em afetos, emoções que saltam da tela para a plateia. Há uma admiração explícita e que se explicita a cada imagem que vivenciamos, um exalar constante de sensações que transborda e nos toma como espectadores.  Quem acompanha a trajetória de Cavi Borges sabe da admiração e do culto que ele promove aos diretores e artistas que possuem uma história de glórias, principalmente no cinema, mas personalidades que muitas das vezes são esquecidas pelo passar do tempo, em especial

VERMELHO MONET (2023) Dir. Halder Gomes

Uma imagem bela e vazia Texto de Marco Fialho O cinema de Halder Gomes sempre me incomodou pela maneira como construiu a inserção da cultura popular nas suas narrativas, reforçando a ideia caricatural de um povo para o qual tudo sempre acaba em uma grande brincadeira e uma paródia, ação narrativa essa que evoca as chanchadas e comédias da época da Atlântida e da Cinédia, e mais adiante, os filmes dos "Os Trapalhões", cujas histórias sempre foram pastiches referenciadas em algum sucesso do cinema internacional. Felizmente, outras abordagens do popular foram construídas nos últimos anos em nosso cinema.  Em "Vermelho Monet", seu mais recente trabalho, Halder descamba para uma superprodução internacional, um drama, mas o incômodo em relação a sua obra persiste. Agora, as estratégias são literalmente invertidas, o tema em "Vermelho Monet" perpassa uma suposta ideia de alta cultura, onde a música erudita organiza o filme em capítulo (inspirados em andamentos mu

ROSA (2023) Dir. Valmir Moratelli e Libário Nogueira

Um documentário que não desabrochou  Texto de Marco Fialho "Rosa: a narradora de outros brasis" é um documentário em homenagem à carnavalesca, figurinista, cenógrafa e professora Rosa Magalhães. Uma pena que o filme não esteja à altura dessa grande artista do nosso Carnaval, retratada praticamente em um único plano, o que torna o registro enfadonho em diversos momentos. Faltou ainda vermos imagens dos desfiles conforme a carnavalesca falava sobre eles ou de croquis a mostrar suas ideias e concepções sobre a arte carnavalesca.  Alguns momentos são interessantes mais pelo discurso da personagem do que pela maneira como ela foi filmada. Há ainda depoimento de professores, carnavalescos e estudiosos da obra de Rosa que discursam acerca da riqueza de seu trabalho. Logo no início, Rosa explica que ser carnavalesca propiciou a ela ser diretora, artista, professora em um único combo e isso a fascinou seguir pela profissão. Aluna de Arlindo Rodrigues e Fernando Pomplona (na Faculdade

HORIZONTE (2022) Dir. Rafael Calomeni

A vida sempre está à espreita Texto de Marco Fialho Desde o primeiro e longo plano-sequência que dura doze minutos e meio, "Horizonte", dirigido por Rafael Colomeni, diz para que veio. O filme tem duas partes bem definidas. Na primeira, acompanhamos a dureza da vida de Rui, um homem de 72 anos de idade que viveu poucas aventuras, que leva uma vida sem-graça e sem riscos. Na segunda parte, Rui se lança em uma promessa de nova vida. "Horizonte" pode ser lido por meio desse confronto entre essas duas partes que muito falam sobre a construção desse personagem e da importância do lúdico na nossa vida. O primeiro plano-sequência fundamenta bem o contexto familiar e o papel de cada personagem nele. Juarez (Ronan Horta), um dono de uma oficina mecânica e um marido que exerce o poder sobre a esposa (Alexandra Richter) e o restante da família. O casal chega para o enterro de Pedro, o patriarca da família, e logo Juarez anuncia que vai morar na casa e expulsa o tio Rui e Junio

TERRUÁ PARÁ (2022) Dir. Jorane Castro

  O som da floresta e o urbano eletrônico  Texto de Marco Fialho Em Terruá Pará, a diretora Jorane Castro traz a essência da música que é produzida por neste potente Estado do Norte e vai resgatar os sons do lugar das profundezas da terra, dos rios e do céu amazônicos. Não casualmente ela começa seu filme no interior da floresta amazônica, deixando que os sons mais recônditos invadam a tela e criando com o espectador uma empatia espontânea.  No filme, vemos e ouvimos tudo extasiados, pois a multiplicidade da música realizada no Pará começa nos seus caudalosos rios e vão parar (com a licença do trocadilho) em um caldo, uma mistura insólita sem igual no país. Jorane vai aos poucos costurando os elementos naturais e culturais que sedimentam uma música que está sempre em eterno movimento, que não para de se misturar, que jamais se estagna. Assim, alguns artistas como Jaloo, Manoel Cordeiro, Dona Onete, Keila, Toni Brasil, Léo Chermont vão discursando e performando em lugares onde as suas m

UM CERTO CINEMA GAÚCHO DE PORTO ALEGRE (2023) Dir. Boca Migotto

Uma retrospectiva afetuosa e sem condescedência Texto de Marco Fialho O longa documentário "Um certo cinema gaúcho de Porto Alegre" aborda a saga do cinema de Porto Alegre dos anos 1980 (Deu pra ti, Inverno e Coisa na roda) a Tinta Bruta (2018), baseado na pesquisa de doutorado do próprio diretor Boca Migotto. Por meio de muitos depoimentos, o filme vai acompanhando as diversas fases do cinema de Porto Alegre, desde a primeira fase do super-8, em que a turma da posterior Casa de Cinema de Porto Alegre arriscou os primeiros passos, em especial Carlos Gerbase e Giba Assis Brasil, numa espécie de movida cultural (para além do cinema) ou como uma nouvelle vague gaúcha, essencialmente urbana nas temáticas e cheia de experimentos narrativos.  A entrada de Jorge Furtado para o grupo colaborou para redefinir papéis, já que o mesmo vinha da televisão, trazendo uma linguagem mais ágil e uma pegada clássica. Com a Era Collor, o barco do cinema brasileiro foi a pique e sobrou apenas a le

O VOZERIO (2023) Dir. Igor Bastos

As vozes sem voz Texto de Marco Fialho Se atentarmos para a palavra que está no título, vozerio, logo entenderemos que o cerne da ideia que fomenta o filme de Igor Bastos não são somente as vozes, mas sim como essas vozes se colocam, umas sempre intercaladas à outras. No dicionário, vozerio quer dizer "muitas vozes juntas" e um dos sinônimos possíveis encontramos a palavra algazarra. Vozerio aqui expressa um amontoado de vozes que não se somam, mas que antes de tudo se chocam e se misturam sem formar um sentido audível ou claro. Evidente que há um duplo sentido no título, afinal estamos a falar de dublagem, de umas vozes sobre as outras, embora também vozerio nos remeta a confusão.              O documentário "O vozerio" narra uma história sobre o subterrâneo do mundo das dublagens, suas lutas, desencontros pelos direitos e melhores remunerações para os profissionais dessa área que está presente na vida de todos nós. No início, tudo leva a crer, que vamos assistir a

AS TRÊS VIDAS DE FRIEDA WOLFF (2022) Dir. Pedro Gorski

Uma história de amor e diáspora contra o absurdo nazista Texto de Marco Fialho "As três vidas de Frieda Wolff", dirigido por Pedro Gorski trata da vida do casal Egon e Frieda Wolff, dois judeus alemães refugiados no Brasil à época do regime nazista de Hitler. Esse é um documentário denso, com extensa pesquisa de material de arquivo, realizado com muito zelo e amor pelos personagens. O trabalho do casal Wolff, hoje, é reconhecido como a maior contribuição à história do povo judeu no Brasil. Deixaram mais de 60 escritos sobre o tema, um número realmente expressivo. O filme se organiza em três partes: a primeira, que narra o contexto do encontro do casal; a segunda, quando o casal se estabelece no Brasil; e a terceira, em que Frida precisa tocar a vida após a morte de Egon.  Inicialmente, o casal investiu no turismo de judeus no Brasil e na venda de armação de óculos. O negócio prosperou de tal maneira que eles realizaram esse trabalho por anos a fio. O ano de 1948 foi um ano fu

MARIA - NINGUÉM SABE QUEM SOU EU (2022) Dir. Carlos Jardim

Uma carta de fã engessada Texto de Marco Fialho Para os fãs de Maria Bethânia, o documentário "Maria - ninguém sabe quem sou eu" vai causar uma sensação contraditória. Se por um existe a felicidade de ver a cantora em cena com sua exuberância contumaz se apresentando em imagens de arquivo, por outro, há uma decepção pelo fato do título não entregar o que prometeu: revelar algo desconhecido dela. Para quem acompanha Bethânia por anos a fio, poucas informações novas vai realmente levar ao final da sessão.  Outro fator decepcionante é o formato escolhido, que vai se repetindo sequência a sequência e engessa por demais a narrativa do filme, com Bethânia falando no palco de um teatro sobre a sua vida (em uma filmagem que lembra muito as entrevistas do semanário Fantástico, da Rede Globo), sempre seguida de uma música ao vivo e uma declamação de um poema. Incomoda também a maneira como os poemas são inseridos, sempre com a voz em off da grande Fernanda Montenegro. Essas leituras q

CAMPOS CONQUISTADOS (2021) Dir. Jéssica Gomes

A arbitragem também é um campo das mulheres Texto de Marco Fialho "Campos conquistados" é um documentário de curta-metragem que enfoca a difícil atuação de mulheres como árbitras de futebol no Brasil, os preconceitos históricos de uma profissão e um esporte totalmente dominado pelos homens. O filme trabalha basicamente com depoimentos de árbitras e bandeirinhas que revelam as enormes barreiras que enfrentaram para poder enfrentar o machismo inerente à profissão.   Há ainda alguns documentos pesquisados na imprensa que reforçam as proibições de mulheres no futebol e um cartoon em que mostra uma juíza apitando de minissaia e um jogador não querendo levantar do chão para admirar a "paisagem" de baixo para cima. Sinceramente, não lembro de outro filme a abordar o tema, o que faz de "Campos conquistados" um documentário pioneiro em explorar um tema ainda hoje cercado de polêmicas e machismo estrutural. O próprio filme questiona as sucessivas perguntas feitas em

MULHERES DO VALE (2022) Dir. Beatriz Vidal

A voz potente da ancestralidade das mulheres do vale do café  Texto de Marco Fialho Uma das coisas mais fascinantes em acompanhar um festival no interior é poder assistir e descobrir a filmes produzidos na própria região, "Mulheres do Vale", dirigido por Beatriz Vidal e produzido por Laysa Costa, é um desses exemplos a ser destacado. Importante salientar o viés do filme em potencializar as vozes de mulheres cruciais para a formação de uma sociedade historicamente patriarcal e excludente em vários aspectos.       "Mulheres do Vale" tem como foco apresentar a cultura da região do Vale do Café sob o prisma de várias mulheres. São muitas histórias narradas sempre por mulheres fortes, que sublinham a diversidade cultural da região. Às vezes, o que vemos são memórias do passado sendo resgatadas pelo presente, mostrando que as tradições resistem pelas ações de personagens femininas fundamentais no semear da cultura do jongo, da capoeira, da folia de reis, da culinária, no

COBERTURA DO FESTIVAL DE CINEMA DE VASSOURAS

Para um acesso completo à toda cobertura que o CineFialho fez nas redes sociais para a 2º Festival de Cinema de Vassouras, ao final dessa página está disponível os links de todas as publicações realizadas no Instagram e Facebook. COELHITOS E GAMBAZITAS Dir. Thomas Larson COTAÇÃO:  7                    Impressão: "Coelhitos e Gambazitas" é uma animação, que trata com humor e leveza, os tempos atuais das famílias em que as crianças vivem conectadas em seus celulares e aparelhos eletrônicos, deixando de vivenciar experiências coletivas de brincadeiras. O filme mistura animação com a estética videogame, com traços simples nos desenhos, mas que funcionam dentro da proposta de criar uma comunicação direta com as crianças. Outro ponto interessante é o da família ser multiétnica, em que o pai é coelho e a mãe é uma gambá e os filhos uma se parece com a mãe e os filhos com o pai. O curta busca salientar a importância das brincadeiras coletivas e da comunicabilidade familiar, lembrando